19 abr, 2018 - 10:26 • Olímpia Mairos
Paula Oliveira de 41 anos, licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos e mestre em Gestão de Projetos Culturais, deixou Lisboa para se instalar na região do Barroso, onde se dedica ao turismo de natureza.
Em Cabril, uma das aldeias mais bonitas do concelho de Montalegre, criou a Cabril Eco Rural, uma empresa que surge da “vontade de partilhar com o mundo um património que é de todos e do qual somos todos responsáveis”, conta Paula.
A coordenadora do projeto assume como desafio “promover, conservar e potenciar valores culturais, humanos e patrimoniais de uma região cada vez mais desertificada” e quer “proporcionar experiências únicas aos visitantes, promover o desenvolvimento sustentável da região, contribuir para a criação de emprego local e ser uma referência no turismo internacional”.
E foi a partir da aldeia de Cabril que lançou o projeto “Do Linhar ao Tear”. Um projeto dentro da cultura tradicional do Barroso que visa “recuperar as práticas agrícolas ancestrais que fazem parte da cultura identitária das gentes de Barroso”.
“O linho tem uma importância de dentro de casa para fora, para a comunidade, que é identitário do nosso território e a nossa função é trazê-lo de volta, criar dinâmicas, criar interesse nos mais novos, para que se possam entusiasmar e aproveitar como um recurso”, explica Paula Oliveira.
Em abril do ano passado, a coordenadora da empresa Cabril Eco Rural semeou a linhaça em Cabril, no lugar do Abrigo da Garrana, hoje Quinta da AlbaLeda, um espaço onde existem cavalos e o burro Chiquinho. A sementeira do linho foi feita nos moldes tradicionais. Depois seguiu todo o ciclo do linho: colheu, ripou, molhou, espadelou, assedou, fiou, ensarilhou e dobou.
Afinal, “Do Linhar ao Tear” tem esse objetivo - recuperar o ciclo do linho, reavivando a memória coletiva, dando a conhecer os processos tradicionais da cultura, desde a sua plantação até à tecelagem e “utilizar esta componente agrícola, estas tradições e este património para chamar turistas de qualidade, que valorizem, que queiram aprender”.
As “voltas que o linho dá”
Na Corte do Boi, Ecomuseu de Barroso, Pólo de Pitões das Júnias, Paula Oliveira promoveu a iniciativa Conversas à Lareira com fiadeiras e tecedeiras e ali foi explicado todo o processo do linho.
Cecília do Preto, de 72 anos - aqui as mulheres identificam-se e são conhecidas pelo nome dos maridos - de roca e fuso na mão convive e ensina aos turistas as “voltas que o linho dá”. Aprendeu a fazer todo o ciclo do linho em criança e fazia tudo muito bem, apenas “não o sabia plantar”. Hoje já não se dedica ao linho, mas continua a fiar a lã, a fazer as meias e os gorros e ainda tece.
Sempre que é convidada para partilhar o muito que sabe, não deixa escapar a oportunidade. Sentada no escano, ao lado de Cecília, Teresa do Raposo, de 66 anos, conta que “fiar não é coisa fácil”. “Custa muito, os dedos ficam a doer e é preciso estar sempre a molhar o fio com a saliva e eu tenho pouca, porque bebo pouca água”, conta à Renascença.
No passado, Teresa fiou muito, à lareira e à luz da candeia, agora só o faz “nestas brincadeiras”. “Ai, eu, para estas brincadeiras sirvo e estou sempre pronta. E é bom que não se percam, porque convivemos uns com os outros e vem gente de fora”, diz a sorrir.
Joaquim Guimarães, de 53 anos, veio de Amarante e dá por bem empregue a tarde em Pitões das Júnias. Diz que “é gratificante e é uma prova que há determinado tipo de tradições que não estão esquecidas” e acha “muito bem que as pessoas as possam reavivar”. “Não podemos deixar esquecer, de maneira nenhuma, o nosso passado, que acaba por ser o nosso presente e o nosso futuro”.
Aurízia Dias, 67 anos, viveu longos anos em Lisboa, mas está de volta à terra, à Ponteira, porque “o coração assim o exigiu”. “O meu coração sempre me chamou para o Barroso e agora não quero outra coisa. O Barroso é especial, aqui é que é o puro, o genuíno, a tradição”, conta à Renascença, recordando os tempos em que a sua família se dedicava à cultura do linho.
“Antigamente não havia tecidos vindos de fora, tínhamos que nos vestir com aquilo que fabricávamos”, conta. E sobre a tarde passada à volta da lareira com as fiadeiras, Aurízia só tem pena que não aconteça mais vezes.
O Barroso está na moda e Pitões ainda mais
Lúcia Jorge, presidente da Junta de Freguesia de Pitões das Júnias, concelho de Montalegre, classifica a iniciativa de “fantástica, na medida em que veio ao encontro do que é genuíno, do que ainda é vivido e praticado”. E o objetivo da Junta é mesmo esse, “revitalizar tradições” e, com isso, atrair turistas.
“Nós, com a tradição, com o património imaterial e com a atividade diária das pessoas queremos atrair o visitante, para que ele se sinta bem e esteja aqui connosco”, conta a autarca.
Concluído o ciclo do linho que vai continuar a realizar, Paula Oliveira da Cabril Eco Rural vai iniciar, em maio, o ciclo da lã, porque o objetivo do seu projeto é “trazer de volta as dinâmicas que foram perdidas e que são um marco fundamental da cultura tradicional do Barroso”.
A autarca reconhece que a aldeia está na moda e é uma das mais visitadas de toda a região, por turistas de todas as idades, e confessa que até brincam com isso e se interrogam sobre o motivo de tanta procura.
Mas ali sabe-se bem o por quê. E tem a ver com a hospitalidade das gentes, a paisagem, a gastronomia, a cultura, a tradição e a tranquilidade. Ali o turista sente-se em casa, porque “quando chega à aldeia é bem acolhido e sente-se cá bem”.
A população de Pitões das Júnias vive da agropecuária, dos produtos típicos, onde se destaca o presunto, o fumeiro, o mel e os chás, do alojamento local e do artesanato.
Uma das mais tradicionais e pitorescas aldeias
Localizada em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, Pitões das Júnias é a povoação mais alta de Barroso, na cota dos 1100 metros, e é uma das mais tradicionais e pitorescas aldeias transmontanas, que tem conseguido manter, ao longo dos séculos, a sua pequena população e o aspeto medieval, de construções em pedra, sendo um dos principais atrativos turísticos da região do Barroso.
A origem desta aldeia confunde-se com a do Mosteiro Beneditino de Santa Maria das Júnias, localizado num vale isolado, consagrado à Senhora das Unhas, que acabou por se tornar Senhora das Júnias.
Logo à frente do mosteiro em ruínas, cerca de 600 metros, os turistas enchem o olho com a Cascata de Pitões, uma queda de água com mais de 30 metros de altura. O acesso a esta maravilha natural é feito por passadiços de madeira.
No pólo do Ecomuseu de Barroso, instalado na antiga “corte do boi”, são visíveis temáticas como a pastorícia em regime extensivo, a vezeira, a tecelagem, a agricultura de montanha, os modos de produção local, as alfaias agrícolas, o património etnográfico, o “boi do povo”, o lobo ibérico, o Parque Nacional Peneda-Gerês (PNPG), entre outros.
Na aldeia, onde vivem pouco mais de 140 pessoas, são preservadas muitas tradições e atividades comunitárias, em que as famílias se juntam na altura das colheitas, marcadas pelo convívio e pela festa.
Ainda funciona o forno do povo, há também um moinho, um canastro, o relógio de sol, o fojo do logo, as cabanas do pastor, o centro de interpretação do Planalto da Mourela e a aldeia velha do Juriz - a aldeia Medieval de Sancti Vincencii de Gerez, referida nas Inquirições Afonsinas de 1258, cuja ocupação se terá desenvolvido durante a Idade Média até inícios da Idade Moderna.
O povoado abandonado de Gerez fica a cerca de 1000 metros para Sudoeste de Pitões e está camuflado por um denso carvalhal. Mantêm-se conservados vestígios de cerca de 40 casas de planta quadrangular, construídas com blocos graníticos, alguns toscamente aparelhados. Os arruamentos entre as casas estão também bem conservados, sendo que ainda mantêm o lajeado.
Património mundial agrícola
Pitões das Júnias pertence ao concelho de Montalegre e à região do Barroso, classificada como património agrícola mundial pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A entrega do certificado acontece esta quinta-feira em Roma (Itália) e premeia a região agrícola, dominada pela produção pecuária e pelas culturas típicas das regiões montanhosas, onde se mantêm as formas tradicionais de trabalhar a terra ou tratar os animais.
As principais atividades são a criação de gado e a produção de cereais, o que deu origem a um mosaico de paisagem em que as pastagens antigas, as áreas de cultivo (campos de centeio e hortas), os bosques e as florestas estão interdependentes.
O comunitarismo é ainda um dos valores e costumes característico desta região, intimamente associado às práticas rurais de vida coletiva e à necessidade de adaptação ao meio ambiente.
Em terras barrosãs, concelhos de Montalegre e Boticas, também se mantêm e revigoram tradições que atraem visitantes e dinamizam o quotidiano das populações.