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Católicos chineses ignoram possível acordo entre Pequim e a Santa Sé

15 abr, 2018 - 10:27

Entre os crentes em Donglu, um dos centros católicos mais importantes da China, a resposta à pergunta sobre um eventual acordo é sempre a mesma. "Bu Zhidao", “não sei de nada”.

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Observadores garantem estar para breve um acordo entre a China e o Vaticano, que poria fim a mais de 70 anos de antagonismo, mas numa das principais comunidades católicas da China ninguém sabe de nada.

"Nós aqui fazemos o melhor que podemos para praticar a fé", diz Lu Zhizhong, padre na aldeia de Donglu. "O resto são questões para os nossos líderes".

Donglu é um dos lugares mais sagrados para os católicos chineses, local de uma alegada aparição de Nossa Senhora, em 1900, para proteger os locais de uma rebelião nacionalista.

Entre os crentes locais questionados pela Lusa sobre o referido acordo, a resposta não variou: "Bu Zhidao", “não sei de nada”, em chinês.

Com cerca de dez mil habitantes, a aldeia fica em Hebei, província do norte da China que concentra grande parte da indústria pesada chinesa, produzindo mais aço do que qualquer outro país no mundo.

Uma igreja do tamanho de um quarteirão, com paredes e colunas brancas, ergue-se no centro de Donglu, entre casas de tijolo cru, estradas poeirentas e plantações de melancia.

Lu Zhizhong vive nas traseiras da igreja, construída no início dos anos 1990, num cubículo com cerca de quinze metros quadrados. Aos visitantes, oferece a única bebida que tem: água quente.

"Eu desde criança que sou católico, mas a fé é algo estranho à nossa cultura", explica. "Temos que a conhecer, estudar, compreender. Não é como em Portugal, onde é parte natural da sociedade", diz.

O que distingue a Igreja Católica na China face a outras partes do mundo não é, contudo, apenas cultural.

China e Vaticano romperam os laços diplomáticos em 1951, depois de Pio XII excomungar os bispos designados pelo Governo chinês. Os católicos chineses dividiram-se então entre duas igrejas: a Associação Católica Patriótica Chinesa, aprovada por Pequim, e a clandestina, que continuou fiel ao Vaticano.

Segundo o acordo que deverá ser anunciado em breve, o Vaticano reconhecerá sete bispos nomeados por Pequim, enquanto dois bispos da igreja clandestina terão que se afastar. Em troca, a Santa Sé terá uma palavra na nomeação de futuros bispos chineses.

As autoridades chinesas, no entanto, já reafirmaram a sua posição. "A Constituição chinesa dita claramente que os grupos e assuntos religiosos não podem ser controlados por forças estrangeiras, e que estas não devem interferir de forma alguma", disse, na semana passada, Chen Zongron, vice-diretor da Administração de Assuntos Religiosos da China.

"Não existe religião na sociedade humana que esteja acima do Estado", afirmou.

Porém, a religião, na China, estará numa fase de grande expansão, preenchendo "o vazio moral" e o "excessivo materialismo" provocados pela alegada crise da ideologia comunista e o trepidante desenvolvimento das últimas quatro décadas de "Reforma Económica e Abertura ao Exterior".

Num Domingo de Páscoa em Donglu, a igreja, com capacidade para cerca de mil pessoas, está a abarrotar.

Nas ruas, lançam-se petardos e fogo-de-artifício para "afugentar os maus espíritos", uma tradição reservada no país para a passagem do Ano Novo Lunar, a mais importante festa para os chineses.

Entre os crentes, trocam-se ovos com a inscrição "Deus ama-te" e, em frente à igreja, vende-se algodão doce – outra novidade no país.

"A religião é algo positivo para as pessoas, as famílias, a sociedade e o país", diz Lu Zhizhong, ressalvando logo a seguir: "Desde que seja praticada sem extremismos ou que não leve ao isolamento face aos outros".

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