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Dominique Wolton: “O Papa fala como um laico e isso é surpreendente”

26 fev, 2018 - 12:30 • Elsa Araújo Rodrigues

O sociólogo francês manteve doze sessões de diálogo com Francisco. Falaram de vários temas, de forma livre, rejeitando o modelo pergunta/resposta. Wolton pôs tudo em livro. Já foi editado em França e, em Maio, terá edição portuguesa.

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O livro “Politique et sociéte - Rencontres du Pape François avec Dominque Wolton” é editado em português no próximo mês de maio. No livro, o sociólogo francês relata as doze sessões de diálogo que manteve com o Papa Francisco.

Para os encontros, Wolton não levou perguntas, mas temas de conversa sobre a relação de Francisco com a política e a sociedade. Daí, o título do livro.

Em entrevista à Renascença, o sociólogo francês falou do que o surpreendeu ao longo das doze conversas que teve com o Papa, “um homem com uma personalidade muito forte” e “que fala como um laico”.

O que é que assinala neste livro como algo ainda não sabíamos sobre o Papa Francisco?

O livro representa um diálogo entre o Papa e um investigador. Sou laico, não sou cristão, nem católico, nem padre, nem jesuíta, nem jornalista. O livro retrata um encontro entre duas personalidades que estabelecem uma conversa livre, ou seja, não corresponde ao modelo pergunta/resposta. A conversa foi uma espécie de interrogação em comum, sobre um sem-número de temas. É um diálogo, não é uma entrevista clássica.

Nesse diálogo, o que destaca de novo?

Repetiu coisas que já tinha dito antes, mas também disse outras de uma forma diferente, de uma forma como nunca o tinha dito. Precisamente porque falámos em diálogo - e isso fez toda a diferença. Não havia nenhum discurso feito, nem preparado.

O que é que mais o surpreendeu?

Eu queria perceber como é que o Papa consegue estabelecer uma comunicação mundial tão eficaz com um vocabulário tão simples. Queria compreender, porque era um mistério.

E compreendeu?

Compreendi melhor a personalidade extremamente crente deste Papa. Claro que é normal que assim seja, mas, ainda assim, é muito crente. É crente quando sente cólera, revolta, no amor aos pobres, na vontade de se opor à guerra, de manter sempre o diálogo, de chamar à atenção para as desigualdades económicas e sociais no mundo.

A personalidade deste Papa não é a de um Papa "clássico", é mais a de um franciscano, aliás, jesuíta. E isso é completamente inesperado.

Teria sido um livro diferente se tivesse feito perguntas?

Como foi um diálogo, pudemos discutir várias vezes os mesmos temas. Não ter sido apenas pergunta/resposta tornou a conversa mais interessante.

As 12 conversas com o Papa deixaram-no com vontade de continuar o diálogo? Vai escrever um segundo volume?

Não sei. O que sei é que a personalidade forte deste homem é verdadeiramente original. Francisco fala como um laico, mas é o Papa. E é isso que explica o seu sucesso. É algo muito, muito raro na história da Igreja. É daí que vem o enorme sucesso que faz entre os ateus e os agnósticos, ele fala como você e eu. E, depois, tem também um discurso onde há muita emancipação.

Emancipação em que sentido?

Não digo que o Papa seja alguém de esquerda, de forma alguma. A sua mensagem é, sobretudo, espiritual e política, mas a sua visão do mundo é original.

Disse que o Papa fala como um laico - uma expressão muito acarinhada pelos franceses. Mas laico em que sentido?

A laicidade... Bom, penso que, atualmente, a Igreja tenta ter uma posição laica. Desde que o Vaticano aboliu os Estados Pontifícios, que a igreja defende uma separação entre o religioso e o político. No entanto, ainda há muitos estados onde existe uma espécie de controlo da religião sobre a política. Na Europa, a maior parte dos cidadãos é a favor de uma relação laica com o Vaticano, é uma exigência da sociedade. Em França, temos, talvez, uma posição mais firme sobre a laicidade, mas quase todos os países têm uma separação - por mínima que seja - entre a igreja e o Estado.

Como é que o livro foi recebido em França?

Os católicos de direita, que não gostam assim tanto deste Papa porque consideram que ele têm muitas obrigações sociais, não gostaram. Muito embora o Papa não seja um revolucionário nem um marxista. Por outro lado, os ateus e os agnósticos encontram-se na palavra deste Papa - que é muito mais livre. Era também isso que queria compreender: a forma como ele fala, que é muito clara, muito directa, com muito pouca "langue de bois" [conversa fiada].

Francisco aprecia ser Papa?

Antes de mais, vê-se que Francisco é um homem habitado pela fé. Disso tenho absoluta certeza. Tem bondade, generosidade e, ao mesmo tempo, não tem ilusões sobre os homens. Tenta ser o mais sábio possível. Defende uma Igreja que seja, antes de mais, dos pobres. É muito voluntarioso e quer agir depressa porque diz que não tem muito tempo. Tem uma personalidade muito forte - que, na minha opinião, tem trazido muito à Igreja - e também porque vem da América Latina, da Argentina.

A escolha deste Papa abriu caminho para que um próximo Papa seja de outra região do mundo?

Se a Igreja Católica tem a pretensão de ser universal, sim. Terá de ter um Papa africano, asiático. É a primeira vez na história de Roma que há um Papa não europeu. E é de origem italiana. Portanto, até tem uma certa proximidade com a Europa.

A Igreja está confrontada com um problema: será que é capaz de se tornar verdadeiramente universal? É um desafio para todos. Será que os valores universais podem ultrapassar as diferenças culturais e religiosas? É um desafio formidável - para o Papa, para a Igreja e, até, para as sociedades e para a globalização.

O Papa Francisco tem uma intervenção ativa nos problemas relacionados com a globalização?

Quer intervir por duas razões: tem medo da paz e da guerra, porque vivemos num mundo muito perigoso. E tem medo de outra coisa que é causada pela globalização: as desigualdades económicas e sociais, que são cada vez mais fortes. O mundo é cada vez mais um lugar de desigualdades. A mensagem do Papa Francisco é uma mensagem religiosa, mas marcada por estas duas questões: a paz e a guerra e as desigualdades.

Quando será o seu livro publicado em Portugal?

Em maio será lançada a edição em português de Portugal e também em português do Brasil.

Comentários
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  • Salvador Oliveira
    19 jul, 2018 Barcelos 11:43
    Bom dia, Alguém sabe se o livro já foi lançado em português ? Gostava muito de o ler e não o estou a encontrar. Obrigado.
  • Ayele Jeannine folly
    12 mar, 2018 Lisboa-loures 14:42
    Je suis une togolaise âgée de 21ans je suis en 3ème (les relations internationales et les études Européennes)année à l’université lusófona ici à Lisbonne et j’aimerais demander si c’est possible d’avoir accès à un stage à l’ambassade française de Lisbonne. Je parle couramment le français je parle anglais et portugais.
  • C.S. Carvalho
    26 fev, 2018 Lisboa 22:55
    Faz muito bem! Pela patetice do acordo e porque o livro é excelente! Boa leitura, sem remorsos...
  • Adosinda Dias
    26 fev, 2018 22:28
    Fico esperando esse livro, o nosso querido Papa Francisco fala abertamente sem rodeios, é muito verdadeiro, tão verdadeiro que creio que possa haver quem não goste, mas rezo para que Deus lhe conceda sempre essa força segura no caminho em que nos leva. Quem fala verdade nunca merece castigo, acontece que às vezes as injustiças faz retorcer o que dizemos na verdade, mas não nos podemos deixar cair ou ser levados pelas injustiças, temos que lutar pelo bem de toda a humanidade. Obrigado
  • José Cruz Pinto
    26 fev, 2018 Ílhavo 14:40
    Que me desculpem o só aparente despropósito: Algum dos iluminados mentores e defensores da idiotia do famigerado (Des)acordo Ortográfico é capaz de explicar que relação entre o dito cujo acima e a internacionalização da língua portuguesa justifica a publicação simultânea da obra em causa em "português" do Brasill e "português" de Portugal ? Dou a minha palavra de honra que não comprarei nenhuma delas - comprarei sim e lerei, aliviado mas triste, a edição francesa.

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