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Bispo da Guarda apela à união de ​“esforços contra a ‘economia que mata’”

18 jan, 2018 - 08:51 • Ângela Roque

D. Manuel Felício, em entrevista à Renascença, desafia cristãos de várias tradições a lutarem contra novas formas de escravatura.

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O chamado "Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos" realiza-se sempre entre os dias 18 e 25 de Janeiro (festa da conversão de S. Paulo). Este ano foram as igrejas do Caribe a preparar a iniciativa, e escolheram o canto de Moisés e Miriam como motivação para esta Semana, fazendo uma ponte entre passado e futuro.

“O título ‘A tua (mão) direita, Senhor, resplandeceu de poder’, baseia-se numa passagem do Livro do Êxodo, em que há uma proclamação da força de Deus que libertou o povo da escravidão do Egipto e o conduziu através do deserto em direcção à terra prometida”, explica à Renascença D. Manuel Felício, sublinhando a lógica em que a escolha se baseou: “aquele grupo de cristãos, de várias denominações e comunidades da América Central, pegou neste texto e relacionou-o com a sua própria experiência de libertação, porque também é um povo muito marcado por actos de grande opressão, nomeadamente os indígenas, e que sentem podem congregar as várias denominações cristãs neste grande objectivo de hoje fazer a experiência da libertação, como fez o povo de Deus do Antigo Testamento”.

Para o Bispo da Guarda, e responsável pela área do ecumenismo no âmbito da Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização, o tema não podia ser mais actual, porque o Homem continua a ser escravizado e oprimido. “O Papa Francisco fala-nos da ‘economia que mata’, e nós sentimo-la todos os dias, uma economia que marginaliza as pessoas em nome de objectivos materiais, quando os recursos materiais existem para servir as pessoas, e não o contrário”. No fundo, diz, “é uma releitura do Livro do Êxodo, aplicada a situações actuais”, até porque “hoje há formas cada vez mais sofisticadas de explorar as pessoas”.

Para D. Manuel Felício os cristãos, nas suas diferentes comunidades e tradições, têm a obrigação de “unir esforços e levar à sociedade civil as ajudas e os contributos que os valores da tradição cristã lhes podem oferecer. Daí este esforço que fazemos, no sentido não só da aproximação, mas da conjugação de iniciativas. E é isso que também queremos com este Oitavário de Oração”.

Em Portugal, a Semana vai ser assinalada de diversas formas. “Há várias iniciativas previstas, umas diocesanas, como em Lisboa e no Porto, onde está mais organizada esta preocupação pelo diálogo ecuménico. A nível nacional, no sábado, dia 20, haverá um encontro ecuménico e uma grande celebração em Lisboa, na igreja de Santa Joana Princesa, em que estarão presentes representantes da Igreja católica e também do Conselho Português de Igrejas Cristãs”.

Mas, em que ponto está o diálogo ecuménico em Portugal? “Há dioceses onde tem mais expressão, e que têm comissões ecuménicas que funcionam em permanência. Outras têm delegado para o ecumenismo, e outras aderem apenas nesta altura da Semana de Oração”, indica D. Manuel Felício, que sublinha a importância que teve a declaração de reconhecimento mútuo do baptismo, assinada em 2014 por várias igrejas. “O baptismo é o único sacramento transversal a todas as denominações cristãs, e é importante valorizarmos estes traços de união fortes”, afirma, embora reconheça que ainda há muito caminho a fazer, porque há uma Carta Ecuménica que “está ainda longe de ser aplicada”.

O documento convida as distintas tradições a apostarem de forma conjugada na resolução de problemas, como o acolhimento aos imigrantes, o diálogo inter-religioso e intercultural. “Isso tem sido feito”, diz o bispo, e também “há trabalho conjunto ao nível da assistência religiosa nos hospitais”. Já ir mais longe noutras matérias não será rápido, nem fácil. “É preciso lembrar que, depois da Reforma protestante, as tradições cristãs viveram de costas voltadas e em conflito durante 400 anos. Só há 100 é que o diálogo ecuménico se generalizou”.

D. Manuel Felício lembra que “nestes cinco séculos as experiências cristãs foram muitos extremadas” e “houve pontos essenciais da fé que ficaram obscurecidos, como os sacramentos e os ministérios”, mas também houve outros que se mantiveram “de forte convergência”, como “a valorização da Bíblia e da Palavra de Deus, e a centralidade de Cristo na vida da fé”. Já a autoridade na vida da Igreja continua a ser entendida de forma diferente: “enquanto que a tradição católica sublinha a importância do serviço de Pedro, do Papa, como referência da comunhão e da unidade, as tradições de índole luterana insistem nos sínodos, em que a autoridade há-de ser mais partilhada”. Mas, no seu entender, todos têm a aprender com todos: “por exemplo, a sinodalidade que este Papa tanto sublinha na vida da Igreja, é uma experiência vivida por outras comunidades cristãs que nós estamos a aproveitar, porque é um percurso de todos com todos, definindo caminhos”.

O bispo da Guarda não esconde, no entanto, alguma preocupação com as igrejas mais recentes. “A tradição católica tem dois mil anos, a tradição ortodoxa tem mil anos, e a protestante tem 500. Mas, depois, ao longo do século XIX e XX, houve uma proliferação de grupos, e temos de nos interrogar se respeitam de verdade a identidade da denominação cristã. Tem de haver um discernimento sério em cada caso”. O que não retira, de modo algum, importância ao diálogo ecuménico que se faz “por imperativo interno”, porque “o ecumenismo é recomendado pelo Concílio Vaticano II”.

“Desejo que todas as comunidades cristãs levem em linha de conta a importância desta Semana de Oração, que tem um valor próprio e nós queremos valorizá-la cada vez mais sabendo que, por vontade de Cristo, a unidade é um caminho que temos de percorrer, e desejar essa unidade visível nas nossas comunidades é uma obrigação que o Evangelho nos impõe”, conclui D. Manuel Felício.

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