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Entrevista

​Branko Milanovic. Ferramentas de combate à desigualdade estão gastas

06 dez, 2017 - 19:27 • Sandra Afonso

Autor de “A Desigualdade no Mundo” diz, em entrevista, que classe média vai continuar estagnada. Nos EUA, há uma “mistura entre plutocracia e populismo”.

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Ex-economista chefe do Banco Mundial, o sérvio-americano Branko Milanovic desenvolveu uma nova teoria sobre a desigualdade, que pôs em livro, “A Desigualdade no Mundo – Uma Nova Abordagem para a Era da Globalização (edição Actual), recomendado por Thomas Piketty.

Quem ganhou com a globalização?

Depende do que se entende por vitória e derrota. Se se entende que o rendimento hoje é mais alto que há 20 ou 25 anos atrás, então não temos agora um número significativo de pobres no mundo e podemos dizer que todos ganharam. Mas se a definição de vitória são as pessoas que ganham mais agora, em termos reais, comparativamente com o passado, então os vencedores óbvios são a classe média da Ásia e o 1% de topo mundial ou os 5%.

Escreve que nos últimos 25 anos surgiu uma nova classe média, de amplitude mundial, sobretudo chineses ou asiáticos. A China está a posicionar-se cada vez mais como uma potência económica em ascensão, mas o povo continua politicamente conformado. Como se explica isto?

A China está a tornar-se cada vez mais rica e a classe média também está a crescer. Mas é preciso, também, compreender que esta classe média chinesa continua significativamente pobre, em comparação com a classe média europeia. Apesar de ter ganhado com a globalização, tem agora um rendimento muito superior ao que tinha, continua atrás dos países ocidentais, como Portugal. A China continua pobre.

Sobre a liberalização política e o crescimento económico, é uma pergunta difícil porque não é preciso liberdade política para se ficar rico. Há muitos países que cresceram rapidamente no passado sem serem democracias: o Chile com Pinochet, Espanha com Franco, Coreia (do Sul) antes da democracia. O que a China está a fazer não é assim tão surpreendente.

O que pode manter a desigualdade na China?

A desigualdade na China é muito maior agora e superior à dos Estados Unidos. É uma desigualdade muito determinada geograficamente porque temos muito sucesso e riqueza nas zonas urbanas, sobretudo na costa chinesa. Já no interior há milhões de pobres, pobreza extrema, na China rural. Portanto, a desigualdade na China tem muito a ver com o contraste entre o desenvolvimento rural e urbano, na China vive mais de 45% da população rural, por isso a redução da desigualdade neste país é tão difícil e é provavelmente isso que leva também os líderes e o Partido Comunista chinês a encararem como uma ameaça a desigualdade, pelo poder errado que evocam e a possibilidade real de estabilidade no país.

No seu livro fala em corrupção no futuro, como factor de desigualdade.

Penso que a corrupção é um dos factores significativos que aumentam a desigualdade, não só na China, mas em muitos países. Na Rússia, por exemplo, mas também países que produzem petróleo, como Angola e Venezuela, e até há países com corrupção na Europa. A corrupção certamente que contribui para acentuar a desigualdade.

Escreve sobre a classe média ou média baixa dos países desenvolvidos. Os rendimentos estão estagnados, algo que, diz, deverá prolongar-se por algumas décadas. O que é que lhes aconteceu?

O que descrevo são as pessoas nos países ricos, em particular nos Estados Unidos, Alemanha e Japão, que tiveram um crescimento baixo do rendimento real do salário durante o último quarto de século. Isto deveu-se a motivos políticos.

É também um grande problema para os países ocidentais porque é um argumento corrente que são pessoas que estão insatisfeitas com a situação económica, com as perspectivas económicas e podem votar ou já votaram em partidos populistas ou nacionalistas. Como na Alemanha, na AfD (Alternativa para a Alemanha), no Reino Unido no Brexit ou nos Estados Unidos em Trump.

É, por isso, um tema político e, se nada importante ou significativo acontecer que melhore a oposição e, por outro lado, a relação dinâmica da China com estes países continuar, a pergunta é quão sustentável será a democracia se parte significativa da população decidir que a oposição está a ficar pior devido à globalização e votar contra os partidos do centro.

Como será gerida no futuro esta estagnação da classe média?

Não sabemos ainda se esta estagnação vai acontecer ou não. Se acontecer, vai tornar-se um problema ainda maior. Se não tivermos crescimento durante gerações, num determinado grupo de pessoas, vamos perpetuar essa situação.

A plutocracia (ascensão dos 1% mais ricos) está a dar lugar ao populismo?

É uma pergunta difícil. Temos que distinguir entre plutocracia, que essencialmente é a habilidade dos ricos em determinar as regras, incluindo regras legais, e o populismo, que são os sentimentos demagógicos que indicam às pessoas que determinadas coisas podem mudar quando, na verdade, não podem fazer nada.

Agora temos, no caso dos EUA, uma combinação dos dois. Trump, por um lado, apresenta medidas populistas, diz que altera as regras da Organização Mundial do Comércio e negoceia com a China, entre outras, medidas populistas, mas, por outro lado, reduz os impostos para os muito ricos e quer desregular a economia, o que favorece os 1% no topo. É, assim, uma espécie de mistura entre plutocracia e populismo.

O factor "renda de cidadania", como lhe chama, a vantagem de nascer em países ricos, é responsável por muitos movimentos migratórios? A pressão para migrar está a aumentar?

Sim. Penso que a migração não deve ser vista como um fenómeno especial ou único, não é diferente do movimento de capitais. Os capitais movem-se dos países onde existem em abundância (os ricos) para onde faltam (os pobres ou economias emergentes). O mesmo acontece com o trabalho, mas este move-se na direcção contrária, vai dos países onde os salários e o rendimento são baixos para onde são altos. Faz parte do processo de globalização. Agora, como o contraste, em particular entre a Europa e África, é tão grande, é de esperar que a migração continue durante as próximas décadas.

A questão é saber até que ponto a globalização é política e maleável. Mas ninguém deve ficar surpreendido por alguém conseguir fazer 10 vezes mais dinheiro num país do que noutro e decida migrar.

Como podemos reduzir as desigualdades?

As nações-estado, países individuais, reduziram as desigualdades de diferentes formas: pelo aumento dos impostos sobre os ricos, pela tributação do capital, pelo papel dos sindicatos, ao tornarem a educação acessível a todos e através da transferência social. São ferramentas usadas pelos países ricos nos últimos 15 anos, isto já não é novidade.

A questão está em saber se estas ferramentas vão funcionar no futuro porque os impostos estão limitados, devido à facilidade do capital em sair dos países; a tributação do trabalho está no limite, porque as pessoas não querem pagar altos impostos (não acreditam na boa utilização do dinheiro por parte dos governos); e as organizações sindicais também estão em declínio). No futuro, acredito que vamos ter que nos esforçar mais em equilibrar o capital humano e financeiro, para que a redistribuição do rendimento não seja tão elevada como hoje.

Qual será o papel do trabalho na redução das desigualdades?

Será muito importante porque o rendimento do trabalho representa 70%, às vezes 80%, de todo o rendimento. Por isso, a distribuição de todo o rendimento do trabalho é realmente significativa e influencia toda a distribuição e desigualdade.

O trabalho, no entanto, já não é o único factor de produção, porque temos também o trabalho altamente especializado e o trabalho pouco especializado. Por isso, muito vai depender se a diferença de rendimentos, entre trabalho especializado e pessoas com mais ou menos formação, vai manter-se elevada ou descer. Em princípio, devemos esperar que desça porque mais pessoas vão ter acesso a níveis superiores de educação. Contudo, temos também muitos rendimentos laborais que resultam de monopólios empresariais e estas rendas vão continuar, a menos que haja alterações legislativas.

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