Noves fora, Marcelo ganha

Presidenciais

Seria preciso uma hecatombe política, dadas as várias sondagens dos últimos meses, para Marcelo Rebelo de Sousa não ser reeleito como Presidente da República, na ida às urnas agendada para 24 de janeiro de 2021. Até à entrada de Ana Gomes, ex-eurodeputada do PS, na corrida, a questão que mais se colocava era se Marcelo iria ultrapassar o resultado histórico de Mário Soares em 1991, quando arrecadou 70,35% dos votos. Em 2016, o atual Presidente da República foi eleito com 52%. A candidata socialista pode ter vindo agitar um pouco as águas e tirar protagonismo a André Ventura, do Chega, mas o desfecho das presidenciais está (quase) escrito na pedra. Na luta pelo Palácio de Belém estão também Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, João Ferreira, eurodeputado do PCP, Tiago Mayan, pela Iniciativa Liberal, e Tino de Rans, o pedreiro mais conhecido de Portugal que já em múltiplas eleições tentou beliscar os calcanhares de muitos partidos.

1. Sim, Marcelo Rebelo de Sousa vai recandidatar-se

Pode parecer uma tautologia, mas não. A pouco menos de dois meses das eleições, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não anunciou a sua recandidatura à Presidência da República – o que, não fosse a pandemia, possivelmente seria por estes dias tema de debate, aponta André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, em declarações à Renascença.

“O ciclo noticioso não estaria tão preenchido como está. Do ponto de vista político, já seria motivo de discussão a demora, o não-anúncio, da recandidatura. Mas, no atual contexto, isso acaba por passar para segundo plano. Pouca gente está a admitir a não recandidatura."

Em termos táticos, o adiamento do anúncio beneficia Marcelo: dá-lhe mais tempo de púlpito como Presidente e menos como candidato. Além disso, faz esquecer os portugueses que há eleições já ao virar do ano.

Os adversários podem queixar-se da jogada, mas Marcelo, salvo raríssimas exceções, “segue o modelo clássico dos Presidentes da República em exercício quando se recandidatam”, nota António Costa Pinto, politólogo, coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, à Renascença.

“Não há alteração nenhuma desse ponto de vista em relação aos candidatos anteriores. Claro que seria do interesse dos candidatos que isso acontecesse, mas os Presidentes da República que se recandidatam não estão lá para favorecer os restantes candidatos.”

Pelo que apurou a Renascença, em Belém ainda nada foi anunciado, mas a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência já está lançada e a recolher assinaturas. O anúncio deve ficar para meio de dezembro.

2. Não vai haver arruadas e campanha será “minimalista”

Qual o candidato presidencial que ousará, em plena pandemia, andar pelas ruas das principais cidades de Portugal a distribuir propaganda, beijos ou abraços, com um comité de pessoas na retaguarda? Só o mais imprudente. Tal cenário, a concretizar-se, terá uma fatura política junto dos portugueses, dado que a lei vigente do estado de emergência estipula o limite de cinco pessoas, quando não pertencentes ao mesmo agregado familiar, nos ajuntamentos na via pública.

Em janeiro de 2021, “é inevitável que haja campanha, mas é muito provável que esta seja adaptada às circunstâncias [da pandemia]”, antecipa Pedro Silveira, politólogo e professor universitário na Universidade da Beira Interior (UBI) e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, em declarações à Renascença. Marcelo Rebelo de Sousa, “um democrata, um constitucionalista”, fará questão de fazer campanha, mesmo que de forma “minimalista”.

Por sorte, nos dias que correm, uma campanha política não é feita só de arruadas; aliás, esse é um formato algo “esgotado”, explica Silveira. Os candidatos produzem “conteúdos políticos”, principalmente, “discursos dados no YouTube, em entrevistas para podcasts ou a jornalistas”.

Em declarações à Renascença no início de novembro – antes do regresso do estado de emergência -, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) garantiu que não iria impor qualquer limite de ações de campanha, mas lembrou que os promotores de comícios e arruadas devem ter em atenção as recomendações da DGS.

“Do ponto de vista da CNE, e olhando para a letra da lei, todas as atividades de campanha são livres e os promotores dessas atividades é que têm o dever de compatibilizar o exercício desse direito livre com o direito à vida e à saúde dos cidadãos”, afirmou João Tiago Machado, porta-voz da CNE.

3. Os debates vão ocorrer de forma presencial – e vão ser importantes

Com um período de campanha que se prevê extremamente curto e parco em ações, os debates entre os candidatos presidenciais “vão ter um pouco mais de importância” do que em eleições anteriores, defende André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

“Estou quase certo que, quando o Presidente anunciar [a recandidatura], dirá que não vai fazer ações de campanha. De certa forma, também não precisa. A campanha é ser Presidente”, justifica.

Pedro Silveira discorda parcialmente. Para o politólogo, os debates políticos têm “uma importância mais simbólica do que efetiva”. “Não servem para mudar o voto de muitas pessoas. Servem para fidelizar os já fidelizados.”

Nos embates verbais, não é de todo inverosímil que venhamos a assistir a um cenário em que os candidatos estarão separados por barreiras transparentes de acrílico, como ocorreu, em outubro, nas presidenciais norte-americanas.

Outro cenário: os debates presidenciais poderão vir a decorrer de forma remota? Pedro Silveira descarta essa possibilidade. Marcelo é um “institucionalista”, destaca, e é pouquíssimo provável que fuja ao protocolo. Além do mais, o Presidente da República entraria em contradição, pois, apesar da dispersão da Covid-19 em solo nacional, deu várias entrevistas e esteve presente em muitas reuniões nos últimos meses.

A possibilidade de debates não presenciais só deverá ser colocada em cima da mesa caso algum dos candidatos tenha de ficar em isolamento profilático. Marcelo esteve 15 dias em março, Ana Gomes em novembro.

4. Vitória certa para Marcelo. Quem fica em segundo lugar?

As circunstâncias estão a favor do atual Presidente da República. Além dos níveis de popularidade estratosféricos, Marcelo não arranca a partir da mesma linha de partida que os restantes candidatos. Ele é o incumbente, o que o torna, por regra, o favorito.

“Com ou sem conjuntura pandémica, o incumbente sai sempre em vantagem nas eleições presidenciais em Portugal. Nalguns casos, essa vantagem foi compensada por alguma polarização, por candidatos fortes da oposição. Não vai ser o caso. O que estará fundamentalmente em jogo nestas eleições não é propriamente quem vai ser Presidente, mas, basicamente, o espaço político que podem ocupar [outros candidatos], no caso André Ventura, do Chega, e Ana Gomes”, explica o politólogo António Costa Pinto.

O facto de não haver campanha “acaba necessariamente por não dar oportunidade aos challengers, não dá oportunidade aos competidores de terem um discurso que acabe por trazer algo de novo”, acrescenta Pedro Silveira.

Outro fator que poderá beneficiar Marcelo é a pandemia – quer evolua de forma favorável, quer se agrave nos próximos meses. “Julgo que até para uma parte do eleitorado que não acompanha o ciclo noticioso, nem sequer terá no radar que vai haver presidenciais. Acho que se perguntarmos a eleitores aleatórios, uma parte é capaz de nem conseguir situar bem quando é que são as eleições”, nota André Azevedo Alves, em jeito de brincadeira.

No final, contas feitas e noves fora, o resultado está pré-anunciado: Marcelo Rebelo de Sousa ganha.