Jogo das cadeiras, edição 2021

Governo

As crianças e os políticos profissionais têm uma particularidade em comum: conhecem bem as regras do jogo das cadeiras. Ambos sabem que podem andar distraídos às voltas, ao ritmo da música, e que, quando chegar o momento de se sentarem, podem dar por si sem lugar. Os primeiros amuados, os segundos desempregados. No Governo, é o primeiro-ministro quem controla as cadeiras. Ora, António Costa, que teve de abrir mão de Mário Centeno na tutela das Finanças ainda em junho, já tirou cadeiras a ministros e secretários de Estado por iniciativa própria, mas também por exigências internas – o caso da saída de Jamila Madeira a pedido da ministra Marta Temido – ou do Presidente da República. A dúvida é: voltará a fazê-lo até março?

1. É muito provável que o Governo faça uma remodelação

Fechado o debate na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, Costa deverá começar a pensar numa renovação de energias dentro do Executivo. Não é claro se o fará até março, mas esta é uma ideia que nenhum dos três especialistas ouvidos pela Renascença descarta.

O politólogo Pedro Silveira afirma mesmo que uma remodelação governamental “é praticamente inevitável” fechado o debate do OE 2021. “Ficaria surpreendido se não fossem alguns ministros, três, quatro, cinco, que não saíssem. E até apostaria, se tivesse de apostar, que sairiam numa única remodelação”, atira o professor na Universidade da Beira Interior e na FCSH da Nova de Lisboa.

Uma remodelação alargada permitiria ao Governo passar a ideia de “um novo impulso, uma nova fase”, e também serviria um propósito estratégico, uma jogada para “evitar escrutínios de saídas caso a caso”. “Se saírem quatro ministros, a saída de cada um deles vai ser muito menos escrutinada do que se sair apenas um de dois em dois meses.”

Por detrás da renovação estariam “duas razões essenciais”, indica Pedro Silveira. Primeira: a necessidade de o Governo refrescar a imagem de certos ministros e ministérios. “Isso é uma gestão muito estratégica que qualquer primeiro-ministro necessariamente faz. Terá necessariamente que lidar com ministros mais fragilizados aos olhos da opinião pública, antes que os reflexos dessa impopularidade possam afetar [o primeiro-ministro].” Segunda: o próprio desgaste das pessoas. “Os ministros e os secretários de Estado sentem uma enorme pressão administrativa, mas também pressão pública, pela necessidade de prestar contas.”

Na atual conjuntura pandémica, ainda assim, “é preciso distinguir remodelação de alteração de um ministro em particular”, refere António Costa Pinto, politólogo, coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, à Renascença.

“No geral, por remodelação entendemos alterações significativas da componente governamental e não a queda de um ministro, ou seja, a queda do ministro dos ‘corninhos’, Manuel Pinho, não foi uma remodelação. Ou mesmo a da Constança Urbano de Sousa”, recorda.

2. Permanência de Marta Temido está ligada à pandemia

A ministra da Saúde, Marta Temido, pode, nos próximos meses, ser protagonista de um brilharete. Ou, se as coisas correrem mal, sair do Governo. O futuro da governante, que entrou já “fragilizada” no segundo Governo de António Costa, está intimamente ligado à evolução da pandemia, aponta o politólogo Pedro Silveira.

Mas se a sorte estiver do seu lado (e a capacidade de resposta do SNS não entrar em rutura), Marta Temido pode bem ser a ministra responsável pela distribuição da vacina para a Covid-19, tarefa que, bem concretizada, pode dar-lhe largos créditos para o futuro.

André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, não nega que a “área da saúde seja a mais delicada neste momento”, mas diz que “seria estranho e indesejável para o Governo, independentemente da avaliação do trabalho da ministra, que saísse a meio da pandemia”. Acima de tudo, “seria um sinal preocupante”, algo que António Costa não quer emitir.

Também António Costa Pinto não antecipa que Marta Temido esteja de saída – a não ser que as circunstâncias mudem ou que a própria cometa um erro grave. A título de exemplo, o politólogo recorda o caso da ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, em 2009, quando 100 mil professores vieram às ruas manifestar-se contra as políticas da governante.

“Não estamos perante nenhum grande acontecimento social. A responsabilização política, salvo gaffe em particular, não é de prever que tenha um grande impacto no Governo e force a substituição da ministra da Saúde”, diz, contrapondo que isso “pode acontecer por pressão de organizações socioprofissionais”. Leia-se: Sindicatos dos médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde.

3. Marcelo só forçará a saída de Marta Temido como último recurso

O Presidente da República fê-lo com Constança Urbano de Sousa, ex-ministra da Administração Interna, após os incêndios em 2017. E, se quiser, terá margem de manobra “para forçar a renovação” da ministra da Saúde, refere Pedro Silveira.

A questão, diz, é que a influência do Presidente da República pode também impor o cenário oposto: a manutenção de Marta Temido. “Marcelo pode ser não só um fator que puxe por uma remodelação, mas também um fator de estabilização. Ele pode forçar - influenciar o primeiro-ministro - para que a ministra se mantenha mesmo que já estejamos numa fase de estabilização em relação à situação pandémica”, diz o politólogo.

André Azevedo Alves subscreve a ideia. “Salvo uma situação excecional de esgotamento da ministra, creio que, quer por parte do primeiro-ministro, quer por parte do Presidente da República, a tendência será para não forçar uma substituição da liderança do Ministério [da Saúde] neste contexto.”

Qualquer novo ministro que viesse a assumir funções estaria numa posição “potencialmente complicada”; e, “caso as coisas corressem menos bem, [substituir Marta Temido] poderia repercutir-se sobre quem tivesse forçado a saída”, nota.

Sem querer, Marcelo estaria assim a colocar-se em posição de xeque-mate. A única forma de esta jogada ser benéfica para o Presidente seria para dar voz a uma potencial e considerável comoção popular contra a ministra Marta Temido.

4. Continuação de Pedro Nuno Santos ligada à TAP

“Despedir” Pedro Nuno Santos seria um haraquiri político para António Costa. Alinearia parte significativa da ala esquerda do Partido Socialista – que poderia desertar numas futuras eleições para o Bloco de Esquerda – e colocaria a sucessão da liderança do partido em risco.

Apesar de não antever uma troca “no curto prazo”, o politólogo André Azevedo Alves sublinha que a relação de António Costa e Pedro Nuno Santos está a passar por um momento sensível. E a culpa não é só da pandemia.

“Será interessante [nos próximos meses] estar atento aos sinais de coordenação e descoordenação de alinhamento entre os dois. Temos a questão da TAP, temos a questão da CP, temos várias questões relacionadas com infraestruturas e transportes. Temos as presidenciais que, não tendo a ver com o ministério, são politicamente relevantes. Pedro Nuno Santos foi o ponta de lança da ala do PS não alinhada com o apoio que António Costa deu, de forma bastante precoce, à reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa.”

Segundo o professor da Universidade Católica, a principal questão será a companhia estatal de aviação. “Recordo que Pedro Nuno Santos tem tido uma posição muito ideológica na TAP e os tempos que vêm aí não vão ser fáceis, mesmo com os apoios europeus. O que se vai passar na TAP, se o Governo vai insistir ou não na política de salvaguardar a TAP quase a qualquer custo, se vai continuar ou não, isso pode ter consequências políticas para além da ação nessa área.”

A pandemia gerou uma tempestade financeira para as companhias aéreas um pouco por todo o mundo. Em junho, foi decidido que a TAP, para fazer face aos prejuízos, vai receber uma injeção do Governo de 1.200 milhões de euros. Desde 2 de outubro, 72,5% da companhia área, que foi privatizada em 2015 pelo Governo de Passos Coelho, voltou a ficar sob controlo do Estado.