Oportunidade para brilhar

União Europeia

A Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, que irá decorrer durante o primeiro semestre de 2021, chega às mãos de Portugal num momento particularmente sensível para o Governo de Costa. Se por um lado é uma oportunidade para brilhar (em particular, caso as muito desejadas vacinas cheguem e seja preciso articular a distribuição pelos Estados-membros), o escrutínio de todas as decisões que venham a ser tomadas vai ser também apertadíssimo. Para o primeiro-ministro, esta será uma ocasião para fazer contactos e mostrar trabalho.

1. Presidência tenderá a ser benéfica para a imagem de Portugal

A conjuntura europeia não é a melhor - e isso favorece Portugal. Se as previsões estiverem corretas, é muitíssimo provável que as primeiras vacinas para a Covid-19 cheguem ao mercado durante o primeiro semestre de 2021 - precisamente quando Portugal estará na Presidência do Conselho da União Europeia. Mais: António Costa poderá vir a desempenhar um papel central na aprovação do Orçamento da União Europeia, dado o bloqueio da Polónia e Hungria.

Mesmo não havendo vacina, “mas havendo necessidade de negociações, articulação entre os vários países para gestão eficaz de recursos da saúde”, Portugal ficará bem posicionado sob os holofotes, algo que não aconteceria numa presidência “em tempos normais”, nota à Renascença Pedro Silveira, politólogo e professor universitário na Universidade da Beira Interior (UBI) e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.

Se ficar nas mãos de Portugal a responsabilidade de “articular a distribuição da vacina”, é o adeus certo a uma presidência que se esperava “discreta”, explica Silveira.

Apesar de assumir que, “do ponto de vista de política europeia, é sempre benéfico” estar no leme da presidência, António Costa Pinto é um pouco mais coibido na análise sobre o potencial impacto da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Do ponto de vista da opinião pública europeia, é muito limitado. Tendo em vista a conjuntura de exceção, a presidência portuguesa não está associada a nenhuma reforma estrutural, nenhum tratado, nenhuma revisão que a marque, diria é que moderada”, explica o coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.

Dos três politólogos ouvidos pela Renascença, André Azevedo Alves é o mais cético. “Acho que não fará grande diferença.Sempre que se fala das presidências, costumo sugerir a quem faz a pergunta para me indicar três ou quatro factos significativos das últimas duas presidências, associadas ao país que esteve na presidência. E, geralmente, pouca gente é capaz de o assinalar. Tirando quem está a trabalhar diretamente no assunto, não há uma resposta imediata e nem muito fácil.”

2. Augusto Santos Silva terá um papel central

O ministro dos Negócios Estrangeiros é um político “muito experimentado”, com largo currículo e um dos homens de confiança de António Costa dentro do Governo. É expectável que, com a pandemia em território nacional no topo das preocupações do primeiro-ministro, Santos Silva venha a assumir um papel central na presidência do Conselho da União Europeia, aponta o politólogo Pedro Silveira.

Isto não quer dizer, todavia, que Costa irá abrir mão de todas as responsabilidades. “Os primeiros-ministros são muito ciosos do seu papel relativo no quadro da União Europeia. Muito dificilmente António Costa não tentará protagonizar as reuniões, as codecisões, ao nível da União Europeia”, antecipa o politólogo António Costa Pinto.

3. Costa não desertará para a Europa. Essa é uma questão para o futuro

Não há provas ou indícios de que António Costa padeça da mesma tentação que Durão Barroso em 2004, quando abandonou o lugar de primeiro-ministro, a meio do mandato, para ser presidente da Comissão Europeia. Seria uma decisão lesiva para o Partido Socialista para a próxima década e que, com certeza, catapultaria o PSD para o poder e faria crescer o Chega. Para não dizer que António Costa tornar-se-ia persona non grata.

Mas o primeiro-ministro não deverá arredar pé de São Bento tão cedo. Os lugares na Europa “são uma estrutura de oportunidade”, nota António Costa Pinto. Ora, de momento, não há nenhuma vaga de relevo que o possa interessar. (Em 2019, António Costa admitiu ter recebido convites para cargos de topo na União Europeia.)

“António Costa está num segundo mandato do Governo. Salvo melhor opinião, será muito difícil ultrapassar esse mandato. Está numa conjuntura inegavelmente de crise. Ao pensar o seu futuro, pensará não hipotecar o habitual quadro da Presidência da República, que é no geral algo que os ex-primeiros-ministros pensam sempre. Não vale a pena dizer que não, equacionam sempre essa possibilidade. É o único cargo político para um ex-primeiro-ministro em Portugal. Nós não temos, no geral, tradição de democracias, de regressar ao Parlamento. Será um cargo internacional ou a Presidência da República”, explica o politólogo.