A boa notícia colateral

Gripe

​Olhar para dois alvos, situados em pontos opostos num espaço, ao mesmo tempo, é uma missão destinada ao fracasso. A mesma lógica aplica-se quando se fala de controlar duas doenças: a gripe sazonal e a Covid-19. O lado positivo é que a forma de evitar a disseminação dos dois vírus é semelhante. E os métodos de prevenção também. No meio do caos, há um efeito colateral benéfico que se antecipa: o número de óbitos devido à gripe, durante os meses de inverno, deverá ser inferior ao de anos anteriores.

1. Combate à Covid-19 não prejudicará controlo da gripe

Nunca Portugal comprou tantas vacinas para a gripe sazonal como em 2020: 2,5 milhões de doses. Mas, mesmo assim, alguns portugueses ficarão com o fármaco em falta. Há algumas semanas, a própria ministra da Saúde, Marta Temido, em declarações ao podcast do Partido Socialista (PS), assumiu essa falha. “Não há mais vacinas disponíveis no mercado mundial”, disse, quando questionada se o Governo ia tentar adquirir mais.

Já em entrevista à Renascença na semana passada, a governante revelou que há ainda 500 mil doses por distribuir. "Até ao final da primeira semana de dezembro o programa estará completo. Nós tivemos este ano uma adesão à vacinação da gripe sazonal que não é típica, até entre grupos que sempre tentámos vacinar e que aderiam menos, designadamente os profissionais de saúde", explicou.

Por causa da pandemia, a procura da vacina da gripe disparou este ano. E com razão. Umestudo, publicado no mês de novembro, na revista científica “British Medical Journal” revelou que o risco de morte devido à Covid-19 duplica em pessoas também infetadas com o vírus da gripe.

“A gripe provoca uma resposta inflamatória por parte do indivíduo ao vírus, que pode, eventualmente, ser um meio que permita numa posterior infeção por SARS CoV-2 mais complicada. Sendo uma doença diferente, há aqui uma relação que pode ser efetivamente nefasta para as pessoas”, explica António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, em declarações à Renascença.

Segundo o especialista, o estudo científico relativo a este tema é claro. “Indivíduos que tinham síndrome gripal e semanas mais tarde vieram a ter Covid-19 desenvolveram uma forma da doença mais grave. Uma das designações dos artigos era que a gripe seria um 'Cavalo de Troia' para uma doença mais grave”.

2. Vírus da gripe provocará menos mortes

A princípio, pode parecer contraintuitivo, mas a Covid-19, em vez de acentuar um problema já existente, veio diminuir o risco de contágio da gripe este inverno. Porquê? É simples: apesar de os dois vírus serem muito diferentes (têm níveis de letalidade sem comparação), partilham a mesma forma de disseminação na comunidade.

Como o uso de máscara é obrigatório na via pública e o gesto de desinfetar as mãos se tornou uma rotina nos últimos nove meses, é natural que o “ambiente” seja menos propício à disseminação do vírus da gripe.

Este inverno, Portugal seguirá, tudo indica, uma tendência que já se verificou em vários países abaixo do Equador, adianta António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, em declarações à Renascença. “Houve muito menos infeções da gripe, foi muito menor que o habitual. A interpretação que se dá é que isso ocorreu pelas medidas da diminuição de transmissibilidade relativas à Covid-19.”

Quando chega a época da gripe em Portugal, por regra, os cientistas já têm dados de como decorreram os meses de inverno no hemisfério sul. “Temos alguns dados que vêm daí, que não nos garantem nada, mas que, pelo menos, nos dão uma indicação do que ocorreu lá. E pode ser semelhante aqui.”

Em agosto, a África do Sul, Austrália e Argentina já haviam dado nota de uma tendência de diminuição de número de mortos devido à gripe sazonal. Um relatório do Centro de Controlo de Doenças dos EUA, datado de setembro, também assinalou a mesma inclinação.