Quem paga a fatura?

Economia

Um abanão de proporções gigantescas irá deixar muitas empresas de corda ao pescoço. E os jovens recém-formados vão ter também dificuldade em entrar no mercado de trabalho. Outro ponto: Poupar, não gastar. Em momentos de crise financeira, sem surpresa, é normal que a tendência para reduzir despesas ganhe nova preponderância.

1. Maioria dos setores sairá prejudicado

Salvo a informática, publicidade e impressões, que podem ter beneficiado e alargado e espectro de negócio, a maior parte dos setores comerciais irá sair profundamente lesado da pandemia, diz Jorge Prisco, presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), em declarações à Renascença.

“As atividades de eventos, as atividades de diversões, atividades do setor do turismo e agências de viagem, são setores que estão completamente parados. Que nunca retomaram atividade [nos últimos meses] ou aquilo que retomaram foi uma coisa muito, muito ténue”, diz.

Para os próximos meses, não se antecipa nenhuma mudança radical. Aliás, tudo indica que a situação se possa agravar. “A situação a manter-se será muito, muito, complicada. Com os encerramentos ao fim de semana, se a situação já era complicada, mais complicada vai ficar.” “As microempresas vivem essencialmente daquilo que é a tesouraria diária”, lembra Jorge Prisco.

O momento presente “não é comparável” com os anos da Troika, frisa, apesar de dizer que nem toda a culpa é da pandemia. Por exemplo: “há uma grande carga fiscal que estas empresas têm e que se vinha a avolumar já antes. A questão do IVA, dos pagamentos por conta.”

2. Poupanças dos portugueses vão continuar a aumentar nos próximos meses

A taxa de poupança das famílias situou-se nos 10,6% no segundo trimestre deste ano. Este valor representa um aumento de 3,1 pontos percentuais face aos 7,5% registados no trimestre anterior, segundo dados do INE. Para ver a taxa de poupança numa fasquia tão elevada em Portugal é necessário recuar sete anos, até ao segundo trimestre de 2013, no seguimento da crise financeira que estalou no país em 2010.

Segundo José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores, estes dados expressam uma “situação conjuntural”. “De facto, a taxa de poupança nestes meses, de acordo com os números do INE, subiu praticamente para o dobro. Em Portugal, andava à volta dos 4,1% e subiu para o dobro por uma razão muito simples: estivemos todos confinados e as pessoas fechadas em casa não consomem. Essa é a realidade”, explica, em declarações à Renascença.

A principal razão para o aumento das poupanças foi a paragem da economia. “A verdade é que as famílias não poupavam e hoje estão a fazê-lo porque não saem de casa. Mesmo aquelas pessoas que estão a trabalhar em teletrabalho, como não saem de casa, não vão aos centros comerciais, não almoçam fora, não vão aos cafés. Tudo isto cria fatores de poupança muito grandes. Aliás, há aqui um indicador que mostra um pouco o que se passou no verão. No mês de julho e agosto, a taxa de poupança voltou a inverter”, nota.

Ultrapassado o novo coronavírus, “as pessoas tenderão a voltar à normalidade das suas vidas, provavelmente,” e os números da poupança vão sofrer uma nova inversão. “Vai inverter. Não vamos continuar com umas taxas de poupança que são o dobro de há um ano. Não acredito nisso. Vê-se um pouco por toda a Europa: nos momentos de confinamento, as pessoas não consomem. Isso faz com que a taxa suba.”

De acordo com o estudo da Insurance Europe, divulgado no início do mês passado no seminário da APS, 53% dos portugueses afirmaram que têm interesse em começar a poupar para reforma, embora não tenham condições financeiras no momento.

“Esta é uma realidade que é do conhecimento de todos. Aqui em Portugal, apesar de ter havido uma preocupação na última legislatura, de devolver algum rendimento às famílias, a verdade é que há muitas famílias que ainda não tem capacidade de poupança. Aliás, como se vê pelos números que são publicados todos os anos relativamente à cobrança de IRS, praticamente metade das famílias não pagam IRS, portanto tem de facto uma situação em termos de rendimentos muito baixa”, diz José Galamba de Oliveira.

Em suma, conforme apontou o escritor Gonçalo M. Tavares, numa crónica publicada há alguns dias: “Não se consome quando se tem medo, acelera-se o passo e foge-se. E a fuga, mesmo no século XXI, ainda não foi transformada numa forma de consumo. A fuga é ainda uma forma de desespero. É, portanto, necessário que o cidadão apazigue medos para conseguir consumir.”

3. Oportunidades de estágios e emprego para jovens vão diminuir

Desde o início da pandemia, o número de oportunidades de estágio e emprego para jovens recém-formados diminuiu, admite Rita Saias, 27 anos, presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), em declarações à Renascença. Nos próximos meses, a tendência deverá continuar a ser a mesma.

Neste momento, existe o risco de a pandemia levar a um cenário de maior precariedade no mercado de trabalho para os jovens, tal como já existiu no passado. “Nós entendemos os estágios como uma parte formativa. Não só os curriculares, mas também alguns profissionais. Mas os jovens não devem ser encarados como mão de obra gratuita”, explica.

Segundo Rita Saias, são necessárias “de facto medidas ativas de emprego, para garantir que os jovens conseguem emancipar-se. Ainda mais, nesta fase. Os estágios são uma parte importante, mas não são a totalidade daquilo que deve ser feito.”

O Parlamento Europeu emitiu recentemente uma recomendação no sentido banir os estágios não-remunerados no programa Garantia Jovem. “Esperamos que Portugal venha a integrar esta decisão, ainda que, como vivemos atualmente um momento difícil em que a nossa economia está”, diz Rita Saias.