Está desde os anos 1980 a investigar nos Estados Unidos. Conta-nos que sempre quis ser engenheira. E não perde tempo na hora de explicar o que faz. Fá-lo com toda a energia e a linguagem simples de quem sabe comunicar – ainda que o que faça seja imensamente complexo.
Depois de ter estado envolvida na criação do futebol robótico, decidiu desenvolver um novo tipo de robôs, partindo de todo um outro princípio. Para leigos seria qualquer coisa como isto: afinal, os robôs precisam de ajuda.
Quando a revista "Wired" (das mais respeitadas sobre tecnologia) a visitou na Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, causou impacto o facto de ter sido um robô a receber o jornalista. Causou ainda mais impacto a investigação de Manuela, a quem chamaram "mestre dos robôs" ("robot master"). Incluíram-na na série "
World’s Most Wired", que dedicaram aos "génios mais brilhantes" de que "nunca ouvimos falar".
Desta vez, Manuela Veloso não tinha um robô para nos guiar até si. Falamos com a investigadora num hotel no Porto, onde participou na conferência "
Admirável Mundo Novo" da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A revista "Wired" considerou-a uma "robot master". Que trabalho é este que tem desenvolvido nos Estados Unidos, na área da robótica?
Tenho feito investigação no campo da inteligência artificial e da robótica. Ajudei a fundar esta iniciativa do futebol de robôs, porque é uma iniciativa em que a investigação analisa mais do que um agente inteligente. Do ponto de vista científico o facto de os robôs jogarem futebol, na verdade, é uma desculpa para podermos estudar um problema muito complexo que é a coordenação destes agentes todos, que podem vir a servir para coordenar o tráfego ou para coordenar uma operação de salvamento, por exemplo.
Entretanto, a investigação evoluiu para outro tipo de máquinas, os CoBots (robôs colaborativos). Os robôs de serviço, como nós lhes chamamos, são robôs que no fundo coexistem com os humanos. Introduzi este novo conceito da autonomia simbiótica, em que os robôs pedem auxílio às pessoas. Por exemplo, eles estão em frente ao elevador e dizem: "Pode carregar no botão e chamar o elevador?". E uma pessoa diz: "Claro". Quando o elevador chega, a pessoa segura a porta, o robô entra sozinho e pede para carregar no botão do andar em que vai sair. A pessoa marca o andar e, depois, o robô sai. O mais interessante aqui é que ninguém está a comandar, ele pede ajuda automaticamente. Passou a ser uma autonomia em que ele compensa as limitações, pede ajuda a outros humanos. E também pode procurar na internet. Temos um programa em que ele descobre a probabilidade de ter café na cozinha e cada vez que lhe pedirem café ele vai à cozinha e pede à pessoa que lá estiver para colocar o café no seu cesto, para que o possa transportar.
E que limitações têm estes robôs? Chegámos à conclusão que eles têm muitas limitações. Não são capazes de perceber todas as cenas do edifício, todas as conversas que as pessoas têm, não são capazes de descobrir todos os objectos do mundo. Talvez sejam capazes de perceber que isto é um telefone, aquilo é uma cadeira, mas se aparecer um objecto para o qual não tenham sido treinados não o sabem identificar. E depois têm limitações de actuação: não sobem escadas; abrir uma porta é extremamente difícil; fazer uma mão capaz de agarrar qualquer objecto é muito difícil. Daí que, após vários meses a tentar fazer robôs melhores, tive que aceitar que não vão ser capazes de fazer tudo o que os humanos fazem, durante muitos anos – ou até para sempre.
Afinal, os robôs precisam de ajuda. Exactamente. Por exemplo, eu nunca dou direcções às pessoas que vêm à universidade, ao meu escritório. Digo: "O robô vai estar no elevador à sua espera e trá-lo ao meu gabinete". E está lá o robô, diz: "Estou aqui à espera de…" e diz o nome da pessoa. Depois pergunta se a pessoa está pronta e pede que o siga até ao meu gabinete. Mais de 200 pessoas nos últimos três anos foram levadas ao meu gabinete pelo robô. E o robô não se importa de fazer aquilo "n" vezes.
No futuro, em que é que isso se pode traduzir? As pessoas têm que perceber que um dia entram num gabinete ou num hotel e vai estar robô ali, em pé, a dizer "Eu levo-te ao teu quarto". Vai acontecer.
Quando é que vamos ter esses robôs por perto?
Bom, se for à Universidade de Carnegie Mellon, já lá temos quatro robôs que já andaram mais de mil quilómetros. Mas até termos robôs em todos os edifícios, não sei. É preciso que as empresas se mentalizem que isto pode ser comercializado.
Nesta área de inteligência artificial, colocam-se algumas questões éticas. Como é que se conjuga a ética com o desenvolvimento científico? Isso é uma pergunta difícil e que vai direccionar muito a investigação nos próximos anos. Ainda estamos numa fase de mostrar que é possível ter estas máquinas, que se mexem de um lado para o outro. A parte ética é algo que nos preocupa. Mas também a segurança, para que eles não vão para cima de nenhuma pessoa, para não magoarem ninguém. Temos que mostrar que os programas que eles correm são seguros. Nós não podemos modelar todas as situações do mundo com equação matemáticas, mas vai-se experimentando com cuidado e ao longo de muito tempo, eventualmente, ganha-se confiança.
Então não há que ter receio, mesmo que sejamos inundados por alguma literatura e cinema que nos vão traçando cenários futuristas mais perigosos? Eu tenho uma perspectiva mais positiva. Na verdade, estou convencida que a tecnologia se irá desenvolver em paralelo com a humanidade. Enquanto houver humanos com ideias de terror, não podemos pensar que a tecnologia também não será perigosa. Mas não é pelo facto de um computador estar em cima de umas rodas com uma câmara que este irá ser perigoso. O desenvolvimento implica uma educação em relação à tecnologia, mas que se tem que fazer também em relação ao mundo.
Acabou por ir muito nova para os EUA mas, daquilo que vai acompanhando, como vê a forma que a ciência é tratada em Portugal? Portugal enveredou muito cedo, e fortemente, nesta área. Tenho muitos colegas aqui que estão envolvidos no futebol de robôs, que têm muito conhecimento de inteligência artificial, e da robótica em particular. Há também empresas aqui que trabalham com robótica de ponta. E eu tenho também muitas pessoas com quem me relaciono cientificamente em Portugal. Gosto muito de vir cá e trabalhar com eles.
Sente que podia ter desenvolvido aqui o trabalho em que investiu nas últimas décadas?
É uma pergunta difícil. Ao fim de quase 30 anos lá, não sei. Vendo agora o que os meus colegas fizeram aqui, com certeza que julgo que poderia ter acontecido. Mas não à mesma velocidade. Talvez tivesse sido mais difícil ser pioneira. Nos Estados Unidos há muita liberdade para as pessoas para fazerem aquilo que querem e há financiamento. Eu já evoluí muito, já doutorei 30 estudantes. É muito tempo, muito investimento.
Quando é que vamos voltar a ouvir falar da professora Manuela Veloso em Portugal?
Não sei… [risos] Eu venho cá várias vezes, tenho colaborações com a Universidade do Porto e também com o Instituto Superior Técnico em Lisboa e gosto muito de trabalhar com os meus colegas cá. Convidam-me muitas vezes para vir cá, e eu trabalho com estudantes cá, por isso, brevemente.
Talvez quando conseguir que os seus robôs consigam fazer algo mais?
Exactamente! Há imensos CoBots por aí – em Lisboa e no Porto – e por isso partilhamos muita da investigação nesse campo. Agora estou também a desenvolver a interacção com os humanos – os robôs agora têm umas luzes que revelam o seu estado, para dizerem se estão muito ocupados. Os robôs parecem apenas um bocado de metal com rodas, têm uma figura que… Bom, depois de anos de ver aquilo, uma pessoa precisa de ver mais. E precisam de ter mais expressão (não necessariamente emoção) do ponto de vista das tarefas. Nós não conseguimos saber se os robôs estão com pressa, por exemplo, e é nisso que eu estou a trabalhar agora.