08 set, 2015 • Aura Miguel
Como sempre acontece, a bordo do avião papal, Francisco gosta de saudar pessoalmente os jornalistas da sua comitiva. Nestas ocasiões, muitos aproveitam para lhe dizer umas palavras, fazer uma "selfie", pedir bênçãos, entregar mensagens e até alguns presentes.
Claro que eu não fujo à regra e, sempre que Francisco se aproxima, assuntos não me faltam para conversar com ele. Todavia, o que nunca me passou pela cabeça foi a surpresa que, na última viagem à América do Sul, o próprio Francisco tinha para mim, guardada no bolso.
O seu à-vontade é tão fascinante que, no meu caso, provoca um "tu cá – tu lá", inexplicável. Um desses momentos aconteceu em Janeiro deste ano, quando, no voo para o Sri Lanka, entre outros assuntos, lhe pedi uma entrevista (como se fosse a coisa mais natural do mundo e não chovessem, todos os meses no Vaticano, centenas de pedidos...)!
O Papa aconselhou-me a escrever para o seu secretário. Passaram-se vários meses e, como nunca obtive resposta, desisti.
Em Junho, voltei a ver o Papa na viagem a Sarajevo. Como sempre, Francisco veio saudar-nos um a um e, quando chegou a minha vez, falei-lhe da alegria dos portugueses ao saberem que ele viria a Fátima em 2017. O Papa interrompeu-me e disse:
- "Desculpe-me, estou em falta para consigo: devo-lhe uma entrevista!"
Obviamente, fiquei pasmada: eu – que já tinha "arrumado o assunto" – tinha diante de mim o próprio Papa que, seis meses depois, não se esquecera do meu pedido...! Claro que nessa noite tive uma insónia, só de pensar naquela atitude de Francisco, e resolvi escrever, uma vez mais, ao seu secretário sugerindo uma entrevista para Setembro, coincidente com a visita "ad limina" dos bispos portugueses.
A resposta à minha carta não chegou e, entretanto, em Julho, lá vou eu para uma nova viagem pastoral, desta vez ao Equador, Bolívia e Paraguai.
Pouco depois de o Airbus A330 da Alitalia levantar voo de Roma em direcção a Quito, Francisco veio ter connosco, caminhou pelas duas coxias e deteve-se, como sempre sem pressa, junto de cada um dos 75 jornalistas.
Quando se aproximou do meu lugar, claro que me preparava para lhe falar da carta enviada. Só que, desta vez, antes de eu abrir a boca, o Papa adiantou-se, meteu a mão no bolso da batina e tirou um envelope branco, dizendo:
- "Isto é para si!"
Pensei, de imediato: "Enganou-se na pessoa, isto não é para mim, o Papa não dá envelopes aos jornalistas..."
Olhei para o sobrescrito e, afinal, era mesmo o meu nome que ali estava escrito à mão... Estupefacta, abri o envelope e encontrei duas pagelas com orações (uma a Santa Teresinha do Menino Jesus e outra a São José) e uma folha A4: era a minha carta de Junho a pedir-lhe a entrevista.
O Papa, à minha frente, com toda a solicitude deste mundo (e do outro) só repetia:
- "Veja lá se está de acordo com a data e hora... porque, se não for conveniente para a sua agenda, não hesite em avisar-me, que eu arranjo outra solução."
Atordoada, com o papel na mão, olhei para aquela folha de papel.
Junto às minhas palavras, a sua letra fininha lá estava, sem margem para dúvidas, com a data e a hora escolhidas por Francisco para uma conversa exclusiva, com a Renascença: 8 de Setembro, 11h30.