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As paróquias já não são o que eram. E isso é mau para a Igreja?

13 fev, 2015 • Filipe d'Avillez

Há católicos praticantes que não se lembram da última vez que entraram na igreja da sua paróquia de residência. D. Manuel Clemente diz que os tempos são outros e admite que o futuro das paróquias passa por trabalhar em rede.

Isabel viveu durante vários anos em Algés. Católica, à medida que foi crescendo na sua fé passou a ir diariamente à missa, mas só muito raramente ia à sua paróquia de residência. Durante a semana, ia sobretudo mais perto do local de trabalho. Ao domingo, procurava a paróquia onde sabia que encontraria amigos.

Como a Isabel, há muitos católicos que, pelas mais diversas razões, raramente põem os pés nas suas igrejas mais próximas. João e Ana, um jovem casal e pais de uma família numerosa, confessam que só vão à sua paróquia quando é preciso pedir transferência de processo ou para baptizarem os filhos noutro lugar.

O próprio Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, reconhece esta realidade, em declarações à Renascença. "Hoje, a sociedade é muito volante. Muitas pessoas não estão no fim-de-semana onde estão durante a semana, não estão no Verão onde estão nos outros meses, e os horários também são complicados", afirma.

Se algumas das pessoas sondadas pela Renascença admitem que não frequentam as suas paróquias locais por não gostarem das celebrações ou porque preferem as de outra Igreja, a maioria invoca questões de conveniência, como o hábito de sair de casa ao fim-de-semana ou de identificação com outra paróquia, por questões sociais: porque é lá que se encontram com o seu grupo de amigos ou, até, porque se trata da paróquia dos pais, onde se habituaram a ir à missa, quando eram mais novos.

Um factor muito importante para frequentar uma paróquia que não a da residência são os movimentos. São poucos os movimentos católicos portugueses que têm as suas próprias igrejas, pelo que a maioria acaba por se identificar com uma paróquia particular, seja porque existe uma maior concentração de membros naquela zona geográfica, seja por se tratar da paróquia encarregue a um sacerdote influente no movimento.

A vantagem de "estar lá"
D. Manuel Clemente, que será criado cardeal este sábado, reconhece que cada vez mais a Igreja tem de se habituar a esta nova realidade e adaptar-se.

A sua previsão é de um futuro de maior colaboração: "Isto será cada vez mais intercomunitário: paróquias com paróquias, paróquias com institutos religiosos e seculares, com movimentos, com associações, isso sim. Mas também aí temos uma característica dos tempos modernos, que é trabalhar em rede".

Por tudo isto, o Patriarca de Lisboa não concorda com a ideia de que o conceito de paróquia esteja em crise ou ultrapassado: "As paróquias têm uma grande vantagem que é o estarem lá. Estavam ontem, estão hoje, voltam a estar amanhã. É um sítio onde as pessoas se podem dirigir, mais cedo ou mais tarde. As portas estão abertas, ou deviam estar, há uma oferta, umas vezes mínima, outras vezes maior, quer da palavra de Deus, quer da vida sacramental, quer de muitas acções socio-caritativas de assistência e acompanhamento dos mais pobres."

A nova dinâmica das paróquias é assunto referido com algum detalhe pelo Papa na sua exortação apostólica "Evangelii Gaudium", publicada em 2013. Francisco escreve: "A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar constantemente, continuará a ser 'a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas'".

O Papa saúda também a existência das novas realidades eclesiais, como os movimentos, mas deixa um alerta: "É muito salutar que não percam o contacto com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular. Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nómades sem raízes."

Acolher todos
Na prática, as paróquias estão quase sempre associadas a um território geográfico. Mas o padre João Seabra explica que a definição canónica de paróquia é mais lata: "Se formos ao código de Direito Canónico, ao cânone 515, diz 'a paróquia é uma certa comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular [leia-se a diocese], cuja cura pastoral está confiada ao pároco.' Esta é a definição de paróquia e nesta definição não está o território'".

O pároco da Encarnação, em pleno Chiado, em Lisboa, é um exemplo desta nova realidade. Durante a semana, a igreja é utilizada por muitas pessoas que trabalham nas redondezas, mas vivem mais longe. Ao domingo, serve de ponto de encontro informal para dezenas de membros do movimento Comunhão e Libertação (CL), de que o padre João Seabra é uma das principais figuras em Portugal.

"Há pessoas que estão empenhadas aqui na paróquia que são leitores, ou ministros da Comunhão, visitadores dos doentes, que fazem trabalho caritativo com o banco de solidariedade, que dão catequese às crianças, que formam pessoas para o Crisma, mas que não moram aqui no Bairro Alto. Vêm aqui porque esta é a paróquia de referência deles. E esta é a definição que o código dá, e por isso é com esta definição que devemos viver pastoralmente", explica Seabra.

Mas não é só o movimento, neste caso o CL, que é responsável por isto: "Nestas paróquias do centro da cidade, é muito comum virem cá casar, e considerarem-se paroquianos, pessoas que moram na margem Sul, nos arredores, mas que fizeram aqui a primeira comunhão, foram cá baptizados, os pais ainda moram aqui no Bairro Alto, e vêm aqui baptizar os filhos, apesar de terem ido viver para o Fogueteiro ou para o Seixal quando casaram. Mas é aqui que querem baptizar os filhos. O que havemos de fazer que não acolhê-los e acolhê-los bem, e tratá-los como membros da comunidade?".

Existe o perigo, porém, de que a presença de muitas pessoas ligadas a um determinado grupo ou movimento acabe por desviar as atenções da paróquia e do pároco daqueles que vivem de facto naquela zona e não estão integrados. O Papa alerta para isso, de modo geral, no "Evangelii Gaudium", quando diz que a paróquia não deve tornar-se "uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos." 

João Seabra concorda: "Não podemos ter uma Igreja onde só cabem os que têm uma pertença clara e definida, de maneira nenhuma. Quem for baptizado pertence à Igreja e tem direito a entrar, está em sua casa".

O pároco da Encarnação garante que na sua paróquia não é isso que acontece: "Uma vez por mês, às 18h30, há missa mensal do movimento, noutra igreja, aqui, do Chiado. A missa é celebrada pelo responsável do movimento e vão todos os membros. Mas eu tenho a igreja cheia às 19h00 na mesma."

Voltemos a Isabel. Os movimentos podem mesmo estimular a participação nas paróquias, conta. Agora, explica, vai à sua igreja local com alguma frequência. O responsável internacional do movimento a que pertence, fazendo eco do apelo do Papa Francisco, pediu expressamente aos seus membros para se envolverem mais activamente na vida paroquial.

[Notícia actualizada às 17h08]