Fé e Luz: Onde a deficiência não é uma "cruz" e as máscaras podem cair
06 fev, 2015 • Rosário Silva
“Nós, pais, conhecemos as fragilidades e os dons dos nossos filhos. Partilhar essa alegria apesar das dificuldades que temos é muito importante”, sublinha a responsável pela comunidade de Évora do Movimento Fé e Luz.
As famílias que pertencem ao movimento Fé e Luz são de vários pontos do país e dos mais variados extractos sociais. Em comum têm apenas o facto de terem filhos com deficiência mental e a particularidade de tentarem encarar essa realidade como uma bênção e uma fonte de alegria e não apenas como um peso.
Este sábado em Évora há festa do movimento, subordinado ao tema: “Pode a fragilidade ser luz do mundo?”. A iniciativa do movimento Fé e Luz aparece no âmbito da festa litúrgica da Apresentação de Jesus no Templo, que a Igreja celebrou a 2 de Fevereiro.
A comunidade de Évora, centrada na paróquia de Nossa Senhora de Fátima, faz os festejos com as duas comunidades de Lisboa e com todos os amigos que queiram conhecer o movimento.
“Apesar de todas as dificuldades que os nossos filhos nos levantam, sabemos que eles podem ser uma luz muito grande para as famílias e mesmo para as outras pessoas” diz à Renascença, Alice Caldeira Cabral para acentuar que a festa é mesmo para todos.
“É preciso fazermos a experiência. Quando nos abrimos à comunicação não precisamos de usar máscaras para disfarçar as nossas limitações. Isso é uma coisa que é libertadora” garante a responsável pela comunidade de Nossa Senhora de Fátima do movimento Fé e Luz.
Em Évora, já lá vão 19 anos de actividade. Quase duas décadas de altos e baixos. O momento actual não é de grande entusiasmo, o associativismo já conheceu melhores dias e é cada vez mais difícil unir estas famílias.
“De alguma forma a sociedade empurra-nos para esta situação. É como se fosse 'proibido' ser frágil, ser vulnerável, ter limitações”, lamenta Alice Caldeira Cabral.
“Nós, pais, gostamos muito dos nossos filhos e conhecemos as suas fragilidades e os seus dons, e sobretudo o dom que eles são para nós. Partilhar essa alegria apesar das dificuldades que temos é muito importante”, refere.
A Festa da Luz está marcada para este sábado, a partir das 11h. O programa inclui, entre outros momentos, o convívio, a reflexão, uma procissão e a missa presidida pelo arcebispo de Évora, D. José Alves.
“Nós precisamos de enfrentar a vida com os nossos filhos com a certeza de que são pessoas abençoadas por Deus. Pedir a bênção para eles é algo de muito importante, para tomarmos consciência de que eles não nos pertencem. Nós e eles somos filhos muito queridos de Deus” acrescenta a responsável.
“Pode a fragilidade ser luz do mundo?”
O tema marca o encontro. A questão é pertinente e pretende despertar consciências.
O filho de Alice, já falecido, era portador de deficiência. “O que me maravilhou no Fé e Luz, ao contrário dos outros sítios onde eu entrava com o Dido e as pessoas lamentavam a 'minha cruz', é que na comunidade acolhiam o Dido com a alegria que ele tinha. Esta foi uma experiência muito enriquecedora para mim porque ele podia falar a mesma língua que as outras pessoas, algo que nos reforça muito e nos ajuda a enfrentar as dificuldades com uma maior confiança” conta à Renascença.
“Normalmente estas pessoas são reduzidas à sua deficiência e ninguém quer saber o que elas são para além disso. Ora a deficiência é apenas uma das características que elas têm. Nós temos é a ilusão de que as fragilidades se podem disfarçar ou que podemos olhar para o lado e não tomar conhecimento delas” prossegue Alice Caldeira Cabral.
A responsável pela comunidade da paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Évora, considera que é necessário "partilhar experiências de luz” e alterar comportamentos perante a realidade que é a pessoa com deficiência, também ela com dons e capacidades.
“Um padre holandês contava que quando lhe disseram que tinha de presidir a uma eucaristia do Movimento Fé e Luz, ficou cheio de medo e foi muito contrariado. Ele tinha um problema. Tremia e tinha dificuldade em elevar o cálice na Consagração. Quando explicou isso, um rapaz com uma deficiência intelectual disse-lhe: 'Não te preocupes que aqui todos nós temos uma dificuldade qualquer, mas tu és muito bem-vindo e nós gostamos muito de ti'. Ficou completamente rendido”, remata Alice Caldeira Cabral.
O Movimento Fé e Luz é um movimento internacional e ecuménico, ligado à Igreja Católica. Foi fundado em França, em 1971 e reúne pessoas com deficiência mental, as suas famílias e amigos. Surgiu pela constatação do isolamento social e eclesial das famílias com filhos com deficiência mental. Em Portugal existem nove comunidades repartidas pelas dioceses de Évora, Lisboa e Porto.