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"Há dois mil anos que não sabemos o que é paz. Viver na Terra Santa é ser herói"

23 dez, 2014 • Filipe d'Avillez

Com cada vez menos fiéis a resistir à emigração, as tradições de Natal em Belém estão ameaçadas. Um dos que permanecem no território aproveita o Natal para vender artesanato em Portugal, uma forma de apoiar os cristãos da Terra Santa.

Todos os anos, Nicolas repete o esquema. Viaja para a Península Ibérica, carregado de peças de artesanato feitas por cristãos da Terra Santa, para as vender à porta das igrejas que o acolhem.

Vive grande parte do ano em Belém, onde trabalha como guia para grupos portugueses e espanhóis. Nas igrejas portuguesas e espanholas, encontra apoio para viajar e montar a sua banca de Natal. É uma forma de tentar ajudar os cristãos da Palestina, cujas vidas e cujos negócios são cada vez mais difíceis.

"Está muito difícil. E na Síria e no Iraque ainda está pior. Portugal teve guerra, problemas políticos, agora económicos, mas tem liberdade, paz e prosperidade. Nós, na Terra Santa, sempre tivemos problemas políticos, religiosos e económicos. Há dois mil anos. Não sabemos o que é paz, nem prosperidade, nem liberdade. Mas continuamos nesta terra. Viver na Terra Santa é ser um herói", diz o jovem palestiniano à Renascença.

Ao longo das décadas, o êxodo tem afectado todos os palestinianos, mas, proporcionalmente, são os cristãos que mais emigram.

Também Nicolas já pensou em deixar a Palestina, mas valores mais altos se levantam. "Muitas pessoas ofereceram-me estadia aqui, mas, sinceramente, a minha família depende do meu trabalho. Gostaria de ficar em Portugal, mas prefiro voltar para a minha terra porque somos a pedra e o sal desta terra. Sem cristãos, os lugares santos, com o tempo, tornam-se apenas pedras e prédios", diz.

Comprar o artesanato, que em Lisboa está à venda à entrada da Basílica dos Mártires, é uma forma de ajudar os cristãos, mas outra é visitar a Terra Santa e, assim, apoiar, através do turismo, as comunidades que persistem.

Há quem não o faça por medo da instabilidade, mas Nicolas tranquiliza: "Nos lugares de turismo, de peregrinação, nunca aconteceram esses conflitos. Estive com grupos em Junho e Julho e não se passou nada. É seguro e recomenda-se. Recomendo muito, é uma viagem da vida, é onde nasceu a nossa religião e não é como parece nas notícias."

Natal especial
A altura do Natal costuma ser dos tempos preferidos pelos turistas para visitar Belém, precisamente o local onde a tradição cristã indica que Jesus nasceu.

Os cristãos costumavam ser maioria em Belém, mas hoje são cerca de 25%. Ainda assim, os que permanecem dão "um grande valor" ao sítio onde vivem. "Porque vivemos num lugar muito importante, muito religioso, que se pode considerar um dos lugares mais sagrados do mundo, onde nasceu o nosso salvador Jesus Cristo."

Para os cristãos em Belém, o Natal é mais que uma tradição, é uma festa muito particular. A autarquia local, nos últimos anos, decidiu colaborar, também numa forma de tentar captar turismo, e contribui com iluminações e decorações.

Mas a escassez de cristãos é uma ameaça à continuação dos festejos: "Há dois anos colocaram uma árvore de Natal na praça da Manjedoura, onde transmitem a Missa do Galo e deram um pouco mais de vida e de sabor à cidade de Belém, com mais decoração, mais luzes, uma vez que este lugar é a capital do Natal. Nós como cristãos temos a tradição de estar em família. Jantamos juntos e depois ir à missa, mas com poucos cristãos a tradição, a decoração, essas coisas, estão a perder-se um pouco cada ano", reconhece Nicolas.