Nalgumas igrejas a música “não aproxima de Deus”
12 fev, 2014 • Ângela Roque
Há quase 50 anos a dirigir coros, o padre João Caniço critica a forma como hoje se canta nalgumas igrejas e lamenta que Portugal não goste da música coral.
O padre João Caniço diz que a música sempre teve muita importância para si: “desde miúdo gostei sempre muito de cantar, nunca tive influência de ninguém”. Mais velho os seus superiores também nunca o incentivaram, mas também nunca o proibiram de cantar, e foi sempre estudando. Como sacerdote considera a música fundamental para a liturgia: “faz a união dos corações, é uma forma de expressão de fé, de caridade, amor, de ligação entre as pessoas. Não é por acaso que quando uma pessoa faz anos cantamos os ‘parabéns a você. A música coral tem uma expressividade fora do normal”.
O padre João Caniço não aprecia, no entanto, a forma como se canta nalgumas igrejas. Critica sobretudo canções que são adaptadas com letras demasiado ligeiras. “Não é isso que aproxima de Deus. Sobretudo na Eucaristia, onde estamos a celebrar um mistério tão profundo, isso puxa para trás, aligeira”. E lembra que o responsável pelos cânticos numa celebração é sempre o sacerdote. Mas aqui surge outro problema, o da falta de formação dos padres nesta área: “Nos seminários, contra todas as indicações de Roma, não se estuda música o suficiente, nem pensar”.
Para o padre João Caniço as escolas de música sacra que têm surgido nalgumas dioceses são importantes, e algumas já fazem um trabalho “muito profundo, até de ligação com conservatórios e universidades”. Mas há ainda muito trabalho a fazer.
Dificuldade em arranjar cantores
Há quase 50 anos a dirigir coros, o padre João Caniço foi o fundador e director dos antigos coros da Radio Renascença, entre outros.
Agora está há 12 anos à frente do Coro de Santo Inácio, ligado ao colégio jesuíta de São João de Brito, em Lisboa.
O coro tem uma média de 30 elementos, mas não tem lista de espera, “pelo contrário, tenho dificuldade em arranjar cantores”, diz.
“O coro ressente-se desta secura cultural que se vive em Portugal, porque a música coral não é apreciada, não passa na televisão nem na rádio”, lamenta.
Mas há sempre pessoas interessadas em participar, e de origens diversas: “É raro encontrar duas pessoas da mesma profissão, posso ter uma enfermeira, uma engenheira, um advogado. Não tenho dois advogados, dois médicos, é sempre um de cada”. Mas têm em comum a fé, o gosto por cantar.
O coro de Santo Inácio tem 40 a 45 actuações por ano, as mais recentes na igreja do colégio de S. João de Brito, onde foi recentemente inaugurado um órgão de tubos.
O coro já gravou três álbuns, publicados pela Paulus Editora. O primeiro com canções portuguesas de Natal, o segundo, “Fátima e a Eucaristia”, com orações de Fátima que não estavam musicadas. O mais recente, posto à venda em Dezembro, é o "O Rosário de Fátima - os 20 mistérios cantados", que é inédito: “Nunca se viu um terço todo cantado. Há terços em que se reza e depois se cantam os mistérios, entre um mistério e outro, este aqui é tudo cantado do princípio ao fim”. E tem tido muita procura.
A entrevista ao padre João Caniço foi transmitida no programa “Princípio e Fim” do último Domingo.