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De noivas a combatentes. Mulheres do Estado Islâmico querem ser “Jihad Janes”

08 abr, 2015 • Carla Caixinha com Reuters

Pelo menos 20 mil estrangeiros juntaram-se ao conflito, dos quais cerca de 550 são mulheres. Muitas estão a assumir novos papéis na linha da frente dos combates e em operações de logística, serviços secretos e até como médicas.

De noivas a combatentes. Mulheres do Estado Islâmico querem ser “Jihad Janes”
As mulheres que viajam para se juntar ao autodenominado Estado islâmico já não querem ser apenas "noivas jihadistas". Muitas estão a assumir novos papéis na linha da frente dos combates e em operações de logística, serviços secretos e até como médicas, de acordo com fontes militares e alguns especialistas ouvidos pela Reuters.

A presença feminina nos combates do Estado islâmico, que visam estabelecer um califado em todo o Médio Oriente, é pouco comum, uma vez que os sunitas radicais impõem restrições rígidas aos comportamentos das mulheres, incluindo no seu vestuário, atribuindo-lhes apenas um papel doméstico.

Mas, à medida que mais estrangeiros se juntam às fileiras jihadistas, o papel tradicional feminino está a sofrer alterações, havendo relatos de mulheres a trabalhar em hospitais controlados pelo Estado Islâmico e a ajudar em questões logísticas.

O coronel Rafat Salim Raykoni, chefe dos Serviços Secretos da unidade militar do Curdistão iraquiano dos peshmerga (combatentes curdos), que lutam contra os terroristas no terreno, disse que as mulheres combatentes têm surgido em redor da cidade de Sinjar, no norte do Iraque. "Não são muitas, mas estão a começar a chegar à linha da frente. Aqui em Sinjar são muito activas", avançou à Reuters.

Raykoni não é o único a ter reparado nesta tendência. Também altos comandantes em diferentes zonas do Iraque e da Síria relatam situações de mulheres do Estado Islâmico no campo de batalha, apesar de até agora não existir confirmação de nenhuma morte.

Pareen Sevgeen, comandante de uma milícia de mulheres curdas no Iraque (YJA Star), conhecida pelo seu nome de guerra "Beritan", estava a lutar a norte de Sinjar, no início deste ano, quando as suas forças interceptaram comunicações dos jihadistas.

"Ouvimos uma mulher a dar ordens aos homens. Ela era, obviamente, um comandante", diz "Beritan" à Reuters.
 
Depois de reconquistarem a zona procuraram a mulher jihadista, mas sem sucesso. "Queríamos saber mais. Sabemos que ela é estrangeira pela forma como falava no rádio. Árabe não é sua primeira língua. A nossa fonte do outro lado disse-nos que era da Índia."

Querem ser "Jihad Janes"
Até agora, a atenção dada pelos meios de comunicação às mulheres apenas incidia sobre o seu papel como "noivas jihadistas".

As últimas notícias deram conta de três adolescentes britânicas que viajaram através da Turquia para a Síria em Fevereiro, para se juntarem aos terroristas. Também outras quatro estudantes britânicas de medicina terão conseguido chegar a territórios controlados pelos jihadistas este mês.

"Várias mulheres ocidentais que viajaram expressaram a seu desejo de lutar e estar na frente de batalha. Elas querem ser Jihad Janes" (uma alusão ao herói de banda desenhada "G.I Joe"), disse Jayne Huckerby, director da Clínica Internacional de Direitos Humanos, da Universidade de Direito Duke, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

Esta alteração foi referida numa publicação recente da brigada feminina Al-Khansaa, que tem por missão perseguir e deter mulheres que violem as rígidas regras morais do grupo fundamentalista. 

O manifesto, traduzido e analisado pelo grupo de reflexão Fundação Quilliam, com sede em Londres, refere que as mulheres estão autorizadas a abandonar as suas tarefas domésticas pela jihad (guerra) se o "inimigo estiver a atacar e os homens não forem suficientes para proteger e os imãs concederem uma fatwa [deliberação jurídica] nesse sentido”.

"Mulheres combatentes começaram a chegar à frente. Talvez queira dizer que o Estado Islâmico está com dificuldades e está a começar a recorrer a todas as pessoas para ajudar", avançou à Reuters o general Wahid Koveli, que lidera uma força especial dos peshmerga, a nordeste de Sinjar, perto de Teleskuf.

No ano passado, o grupo canadiano de contraterrorismo – o Ibarbo – identificou uma mulher que viajou do Canadá para a linha de frente dos ataques do Estado Islâmico, dando as suas localizações no Twitter e mostrando que ela visitou cidades da Síria e do Iraque.

Através do seu telemóvel, conseguiram aceder à função de localização no Twitter, concluindo que os seus movimentos "reflectem uma tendência em que as mulheres têm papéis cada vez mais activos no apoio aos jihadistas masculinos, tais como a recolha de informações, implementação e adesão à sharia" (lei islâmica).

O Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e Violência Política, com sede em Londres, estima que pelo menos 20 mil estrangeiros juntaram-se ao conflito, dos quais cerca de 4.000 são cidadãos ocidentais. Estima-se que cerca de 550 são mulheres.

O director do centro, Peter Neumann, disse que cerca de 80% dos combatentes estrangeiros que estão a engrossar as fileiras dos Estado Islâmico na Síria e no Iraque são atraídos pela sua ideologia e seduzidos pela propaganda "online" feita em diversas línguas.

TPI diz ser improvável julgar líderes 
A procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, afirmou existirem evidências de crimes de guerra levados a cabo pelos militantes do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, mas reconheceu serem mínimas as hipóteses de que os seus líderes venham a ser julgados.

Execuções em massa, escravidão sexual, violações, tortura, recrutamento forçado de crianças e até mesmo genocídio são alguns do crimes atribuídos ao grupo jihadista sunita radical, segundo Fatou Bensouda.

Mas a procuradora lembra que, embora tenha jurisdição sobre crimes cometidos por combatentes que são cidadãos de países-membros do TPI, os líderes do Estado Islâmico parecem ser principalmente do Iraque e da Síria, que não reconhecem o tribunal.

Uma jurisdição mais ampla também pode ser requisitada a Haia pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Muitos cidadãos de nações filiadas ao TPI são suspeitos de cometer atrocidades em combates do Estado Islâmico, incluindo "Jihadi John", militante que se acredita ser um cidadão britânico e que protagonizou vídeos de decapitações divulgados pelo grupo extremista.

Bensouda disse que o tribunal recebeu relatos sobre milhares de combatentes estrangeiros que se uniram ao Estado Islâmico, muitos de Estados-membros do TPI, como a Tunísia, Jordânia, França, Grã-Bretanha, Alemanha, Bélgica, Holanda e Austrália. "Alguns destes indivíduos podem ter estado envolvidos na prática de crimes contra a humanidade e crimes de guerra", acrescentou.