Opinião de Ivo Miguel Barroso
As sanções disciplinares aplicam-se ao AO90
13 mai, 2015 • Ivo Miguel Barroso, jurista
Há um equívoco no argumento da ausência de dimensão punitiva por parte da "implementação" do "acordês".
Alguns defensores do "Acordo Ortográfico" de 1990 (AO90) e mesmo outras pessoas veiculam a ideia segundo a qual a inserção do Tratado na ordem jurídica interna, bem como a antecipação do prazo de transição por parte da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 (RCM) não causariam problemas de maior, pois não teria uma dimensão punitiva.
Discordamos frontalmente, porque não corresponde à verdade.
Com efeito, os entes administrativos estão (pretensamente) a "aplicar" o AO90. Daí que, nos documentos oficiais e não só, esses entes obriguem à "aplicação" do "acordês".
Portanto, há um equívoco no argumento da ausência de dimensão punitiva por parte da "implementação" do "acordês".
A regulamentação do AO90, a RCM n.º 8/2011 impôs o "acordês" às escolas (públicas, particulares e cooperativas - n.º 3), portanto mesmo a ensinandos não alfabetizados; bem como à Administração Pública (n.º 1); e ainda a grande parte de entidades públicas, devido ao n.º 2, que impôs o AO90 nos actos publicados em "Diário da República".
Há, pois, uma potencial dimensão coercitiva, até mesmo punitiva, subjacente à obrigatoriedade de aplicação do "acordês", mesmo durante o prazo de transição, para a sociedade civil. Como é sabido, o final do prazo de transição foi largamente antecipado para os órgãos do Estado-administração e, mais latamente, de todo o Estado-colectividade; e inclui mesmo, no âmbito do sistema de ensino, as escolas particulares e privadas (n.º 3.º da RCM).
Por exemplo, um funcionário público, um Professor de uma escola pública, vê-se constrangido a seguir o AO90; pois a isso é obrigado pelos seus superiores hierárquicos, pelo Ministério da Educação, pelo temor que tem relação à desobediência, por os manuais escolares estarem progressivamente "acordizados"; e por os seus alunos irem ser avaliados, em termos ortográficos, nos exames do ano lectivo de 2013/2014, segundo o "acordês" (que muitos dos próprios Professores e avaliadores não sabem "aplicar").
Mesmo muitos particulares, leigos em Direito e mesmo versados em Direito, têm pensado que escrever em "acordês" é vinculativo.
A potencial dimensão coercitiva, até mesmo punitiva, subjacente à obrigatoriedade de aplicação do "acordês"
Uma vez que, como se sabe, as infracções disciplinares não obedecem a uma tipicidade taxativa, ao contrário das normas que prevêem crimes, basta inculcar a obrigatoriedade do AO90 (designadamente através da RCM), para potencialmente haver sanções ou, pelo menos, a tentativa de aplicação das mesmas por parte do operador disciplinar.
Isso sucede no campo do Direito disciplinar da Função Pública (com regras especiais para os dos magistrados do Ministério Público ) (já quanto aos Magistrados judiciais, é mais duvidoso que possa existir um ilícito disciplinar).
Também é possível que haja uma dimensão punitiva no seio de particulares (designadamente empresas dos sectores particular e cooperativo), nas relações jurídico-laborais privadas.
Basta pensar que os particulares podem considerar obrigatória a "aplicação" do AO90. Existem casos documentados sobre isso.
Portanto, é falso que o AO90 não seja obrigatório, em virtude da RCM ou, em alternativa, obrigatório "de facto", devido à interpretação errónea que as instituições públicas fizeram da RCM e do exemplo dado pelo Governo-administrador, de mandar "aplicar" o AO90 no domínio da comunicação social, entre outros socialmente relevantes.
Mesmo antes do final do prazo de transição, essa susceptibilidade de existência de sanções pode existir: por exemplo, em exames escritos das escolas públicas, particulares e cooperativas ou em exames para acesso a profissão; na relação jurídica administrativa de vínculo com a função pública.
Já na relação jurídica disciplinar dos juízes julga-se que não é possível existir sujeição a responsabilidade disciplinar.
O exposto é aplicável ao sector público, em particular aos funcionários públicos (que, devido ao vínculo, não deixam de ser titulares do direito à língua portuguesa costumeira, nem da liberdade de expressão escrita); às publicações no "Diário da República".