“Obras da barragem de Foz Tua são alvo visível do tráfico de influências”
08 jan, 7201 • Olímpia Mairos
Acusação é de João Joanaz de Melo, autor do “Manifesto pelo Vale do Tua”. No parlamento, é votada, esta quinta-feira, uma petição que exige a paragem das obras do empreendimento hidroeléctrico.
A petição “Manifesto pelo Vale do Tua”, subscrita por mais de 7.300 pessoas que pedem a suspensão imediata das obras da barragem de Foz Tua, é votada, esta quinta-feira, no Parlamento. Em entrevista à Renascença, João Joanaz de Melo, da Plataforma Salvar o Tua, explica as razões pelas quais o empreendimento não deve ser construído.
Qual é o objectivo do “Manifesto pelo Vale do Tua” que esta quinta-feira é discutido na Assembleia da República?
O objectivo concreto é salvar o Vale do Tua e promover um desenvolvimento sustentável. O objectivo imediato é a paragem da construção da barragem e salvaguardar os interessantíssimos valores que existem no Vale do Tua, desde o próprio rio, o ecossistema, a ferrovia e o potencial que estes activos têm do ponto de vista do desenvolvimento local, nomeadamente em termos de turismo ferroviário, turismo de natureza, ecoturismo, turismo cultural. De uma forma geral queremos a valorização daquilo que são os valores únicos que esta região tem e que também fazem parte de um conjunto interessantíssimo que é o Alto Douro vinhateiro do qual o Tua é indissociável.
Que argumentos há que aconselham a suspensão das obras de construção da barragem?
A destruição do Tua significa amputar um braço ao Alto Douro vinhateiro, algo que nós consideramos verdadeiramente inaceitável. Está em causa a destruição de grandes valores - quer do ponto de vista ecológico quer do ponto de vista do desenvolvimento local e cultural - e a barragem é totalmente inútil em relação aos objectivos pelos quais supostamente está a ser feita. É uma obra extraordinariamente cara, que vai pesar no bolso de todos os contribuintes portugueses e destruir as possibilidades de desenvolvimento local sustentável no Vale do Tua.
De que forma vai o empreendimento pesar no bolso dos portugueses?
Só aquela barragem vai fazer com que a eletricidade, para cada português, fique cerca de 2% mais cara, e, no quadro do programa nacional de barragens, a electricidade do país vai ficar em qualquer coisa como oito a 10% mais cara. Não há nenhuma razão para se fazer aquela barragem e há todas as razões para parar a sua construção e apostar num verdadeiro modelo de desenvolvimento para aquela região que, como outras regiões do interior do país, tem sido profundamente desprezada pelo poder central e pelas políticas de desenvolvimento económico do país.
Ainda é possível parar as obras?
Ainda se vai a tempo de parar, desde logo porque há um conjunto de ilegalidades flagrantes neste empreendimento e que nós temos vindo a denunciar: o incumprimento dos requisitos obrigatórios quanto à mobilidade no Vale do Tua (que não estão a ser cumpridos nem vão ser cumpridos nunca) e a ilegalidade da recentemente aprovada linha de muito alta tensão cujo traçado é perfeitamente ilegal face às restrições que tinham sido determinadas. É perfeitamente possível parar e isso é um imperativo de consciência.
Que custos terá para o Estado português a interrupção do empreendimento?
Há um conjunto de ilegalidades que fazem com que o custo da paragem, para o Estado português, seja mínimo ou mesmo nulo. Se o Estado português optar por denunciar as ilegalidades cometidas pela EDP e denunciar o contrato de concessão por essa via, o custo para o Estado e para os contribuintes será nulo. O custo de parar esta obra, mesmo que fosse preciso indemnizar a EDP - que na nossa opinião não será o caso - sairia muitíssimo mais barato ao país do que avançar com esta obra. Para os cidadãos, para os consumidores e especialmente para os habitantes locais, há todas as razões para parar esta obra e, portanto, ela tem que ser parada.
Estará o poder político sensível a estes argumentos?
Isso é o que vamos ver esta quinta-feira, pelo meno,s ao nível da Assembleia da República. Para além da petição fizemos um apelo visual a cada deputado, porque pensamos que os deputados têm a responsabilidade de pensar pela sua cabeça e não se guiar apenas pela disciplina de voto ou pelas políticas ou pelas teorias politicamente correctas. [Os deputados] têm obrigação de olhar para a informação que está à sua disposição, pensar pela sua cabeça e defender os interesses do país acima de tudo, acima dos interesses meramente partidários ou de satisfação do interesse de determinados interesses ou determinados lobbies, que são os únicos que beneficiam com isto. Não vamos fazer prognósticos. Queremos crer que os senhores deputados - ao menos - pensarão antes de votar.
O manifesto foi subscrito por mais de sete mil pessoas. Por quê?
Entendemos que [o manifesto] é verdadeiramente significativo pelo seu conteúdo, pelos valores que pretende salvaguardar, mas também porque defende uma maneira diferente de gerir o país e fazer política. O que está em causa é como se tem feito política em Portugal, em matéria de obras públicas, de energia, de gestão da água e de gestão dos dinheiros públicos. E Foz Tua simboliza tudo o que está errado na forma como se tem feito sistematicamente política em Portugal, nas últimas décadas, ao privilegiar determinados interesses em detrimento do conjunto do país ou em detrimento do interesse público.
É possível revelar alguns dos subscritores?
São cidadãos de todas as qualidades e feitios, com todas as orientações e preferências partidárias, todos os níveis de vida, todas as profissões e foi, em particular, subscrito por uma série de figuras públicas do mundo da economia, das artes, da política, da academia, da ciência, como: Rui Reininho, Mário Soares, Manuela Ferreira Leite, João Roquete, vários directores e vice-reitores de universidades, dirigentes associativos e uma série de pessoas ligadas ao mundo da economia.
Além do manifesto, que outras iniciativas tem previstas a Plataforma Salvar o Tua?
É evidente que a discussão do manifesto na Assembleia da República é um meio para um fim, que é promover um modelo de desenvolvimento sustentável para o Vale do Tua e como exemplo para o País. Além disso, haverá naturalmente iniciativas ao nível judicial, algumas já em curso e outras a serem preparadas, para serem submetidas a muito curto prazo. E naturalmente há um conjunto de outras iniciativas mediáticas que vamos desenvolver, porque pensamos que é absolutamente fundamental esclarecer a opinião pública. Quer os órgãos políticos quer os órgãos judiciais vão certamente decidir esta matéria em função do esclarecimento da opinião pública. E daí é absolutamente fundamental o debate público. É muito importante que os cidadãos percebam que todos nós somos corresponsáveis pelo país que temos.
Quem é o principal aliado e o maior inimigo?
Isto é uma luta bastante difícil e que passa necessariamente pelo esclarecimento da opinião pública, pelo máximo possível de debate na praça pública. É fundamental que o cidadão perceba que este não é um problema dos políticos, dos ambientalistas, dos moradores do ou das empresas que trabalham no Vale do Tua. Nós queremos combater o tráfico de influências e a corrupção. Estamos a defrontar os piores lobbies do país e esses lobbies evidentemente que têm tudo a perder, se a barragem parar. Isso seria um escândalo de tal ordem que obrigaria a rever as políticas, os modos de fazer política e a responsabilidade de quem conduziu essas políticas até agora. É evidente que esses lobbies não querem.
Qual a estratégia?
Se nós queremos combater o tráfico de influências e corrupção, só há uma forma de o fazer: pegar em alvos visíveis, em resultados visíveis desse tráfico de influências e dessa má forma de fazer política e destrui-los. A barragem de Foz Tua, as obras da barragem de Foz Tua são um alvo visível que é paradigmático do tráfico de influências e da forma errada de fazer política em Portugal. É aquilo que nós classificamos um litígio estratégico e demonstrativo de muitas outras coisas. Para além dos valores do Vale do Tua, que merecem por si só serem protegidos, há que ter a noção de que está em causa um modelo de desenvolvimento e um modo de fazer política.