Os problemas relacionados com a plataforma Citius não são culpa dos informáticos da justiça, mas sim dos dirigentes de topo que ignoraram anos de informação mal arquivada, acusa José Tribolet, presidente do Instituto Nacional de Engenharia e Sistemas de Computadores (INESC).
"São milhares de documentos e apêndices que se foram pondo na plataforma ao longo dos anos, muitos com informação ausente, errada ou trocada". O problema, diz o professor catedrático, surge quando "esta meta-informação não foi testada e validada" – isto é, quando não foi confirmado se os índices e apontadores que "arrumam" a informação foram bem inseridos.
"Os documentos estão no sistema, mas é como em nossa casa: vamos acumulando papéis sem grande organização e quando precisamos de algum não o vamos saber onde está", explica.
José Tribolet colaborou com a Procuradoria-Geral da República no sistema de justiça durante cinco anos (está afastado há três) e garante ter feito "repetidas recomendações a vários governos para que limpassem o sistema, mas é uma coisa que dá trabalho e custa dinheiro".
Um trabalho que, diz, os responsáveis das organizações foram adiando por não aparentar ser um problema grave, que preferiram "ignorar durante muitos anos". O problema surge quando, "perante uma transformação massiva, os problemas aparecem todos ao mesmo tempo."
"Um ou dois anos" para pôr Citius a 100%
O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça
anunciou que o Citius está a funcionar em "pleno", mas com uma ressalva que significa 3,5 milhões de processos: o instituto informou que o Citius só funciona para os novos processos (data posterior a 15 de Setembro).
"A informação nova que agora entra no sistema funciona – pudera! – já vai para os sítios certos! E a anterior? Só com sangue suor e lágrimas", comenta.
Para reintroduzir no novo sistema os 3,5 milhões de processos existentes na antiga versão da plataforma, prevê, serão precisos "pelo menos um ou dois anos de trabalho".
Responsáveis "analfabetos"
"Do ponto de vista dos modernos sistemas de informação das organizações", os dirigentes de topo "são analfabetos, não conhecem o problema com que estão a lidar", critica o professor catedrático do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Superior Técnico.
Ao desconhecerem o problema, os dirigentes "acreditam que as coisas se resolvem com uma equipa corajosa ou uma liderança forte ou empregando consultorias externas que levam um ‘dinheirão’ e estão ali uns meses, mas este não é um trabalho de meses. Leva anos e tem de ser feito pelas pessoas da justiça"
Para aplicar um grande sistema a uma grande organização "não basta boa vontade. É preciso persistência e continuidade de governo para governo", diz José Tribolet. Em qualquer empresa, em qualquer parte do mundo, "a percentagem de sucesso ao fazer este trabalho de uma só vez não passa de 10%".
No caso do Citius, a mudança rápida e sem estratégia foi um risco, mas "modernizou o país e contribuiu para um melhor conhecimento e segurança dos processos, enquanto antes estava tudo preso por arames".