Siga-nos no Whatsapp

O que aconteceria ao seu dinheiro se Portugal saísse do euro?

08 set, 2014 • João Carlos Malta (texto) e Joana Bourgard (vídeo)

Os economistas Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral, autores de "A Solução Novo Escudo", traçam caminhos a seguir no caso de dissolução do euro e o que teria de ser feito para conter o embate do regresso do escudo.

O que aconteceria ao seu dinheiro se Portugal saísse do euro?
O cenário é hipotético, mas pode acontecer: e se um dia Portugal deixar a moeda única? Que mudanças resultariam para a vida dos portugueses? Os salários cairiam? As pensões estariam incólumes? E o crédito à habitação cresceria desmesuradamente? Haveria despedimentos? Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral traçam cenários em "A Solução Novo Escudo", o livro que acabam de publicar em conjunto.
O cenário é hipotético, mas pode acontecer. E se um dia Portugal decidir sair do euro ou a zona euro se dissolver? Que mudanças resultariam para a vida dos portugueses? Os salários cairiam? As pensões estariam incólumes? E o crédito à habitação cresceria desmesuradamente? Haveria despedimentos?

Para responder a estas questões, a Renascença pediu ajuda aos economistas Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral, ambos professores catedráticos do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), que na semana passada editaram o livro "A Solução Novo Escudo: O que Fazer no Dia Seguinte à Saída de Portugal do Euro".

Comecemos pelos salários. A voz a Ferreira do Amaral: "Numa primeira fase, nada acontecerá. Mas depois com uma inflação maior haverá uma diminuição dos salários reais".

O professor diz que Portugal suporta uma inflação até 20% e que ainda assim pode crescer, como já aconteceu antes.

É inevitável que os portugueses recebam menos? "É preciso evitar que o salário que as pessoas recebem desça. Uma coisa é o salário real e outra é o salário disponível. Hoje há uma grande diferença porque o IRS é muito elevado", denuncia.

Redução do IRS compensa inflação
A proposta dos autores é que, quando se começarem a fazer sentir os efeitos da inflação, que normalmente acontece poucos meses depois, "deve haver uma compensação através do IRS".

"Especialmente nos escalões mais baixos de modo a compensar essa perda de salário real", defende Ferreira do Amaral.

Logo de seguida ironiza: "A única coisa positiva de termos uma factura grande do IRS é que é possível descê-lo. É a almofada para que as pessoas não tenham uma queda dos salários reais".

Passado algum tempo, quando a economia começa a crescer (em casos anteriores demorou um ano e meio), os salários também aumentam. Isso é o que dizem os livros, e na realidade? "Não é nada teoria. É o que acontece na prática, é o mais prático que há, e já aconteceu em Portugal", defende.

Pensões fundamentais para relançar economia
As pensões estiveram na mira da "troika" e o Governo aplicou cortes a este rendimento dos reformados nos últimos três anos.

Francisco Louçã acredita que as reformas são fundamentais para "haver uma procura sustentada que seja a base sustentável que justifique o relançamento da economia", num cenário pós-euro.

"A protecção das pensões é necessária mediante este ataque selvagem que elas têm sofrido, porque se tornaram um instrumento de ajustamento", frisa.

Os resultados da política de austeridade, para Louçã, ficam evidentes ao perceber que Portugal não cumpriria hoje os critérios de adesão ao euro caso se colocasse em posição de querer entrar para a moeda única.

"[O país] Não tem o nível de dívida necessário, não tem o nível de défice necessário, não tem estrutura económica necessária. Portanto, se todos reconhecemos que Portugal não poderia entrar no euro, em parte pelo que a entrada no euro mas também a estratégia de austeridade nos impôs, isso obriga-nos a pensar", reflecte.

Crédito à habitação. O Estado protegerá?
Em relação ao crédito à habitação, na hipótese de um acordo com as autoridades europeias, as contas continuariam nominadas em euros e as dívidas também, defendem Louçã e Ferreira do Amaral.


Louçã e Amaral escreveram "A Solução Novo Escudo" para lançar o debate sobre a saída do euro. Foto: Joana Bourgard/RR

Assim, como os salários são pagos em escudos e o escudo se desvaloriza em relação ao euro, o Estado, sustentam os autores, tinha de intervir para garantir a protecção da diferença criada pela alteração cambial.

"As pessoas não seriam prejudicadas", assegura Louçã.

No caso em que não haja um acordo será preciso redenominar os contratos, ou seja as dívidas que estão em euros passam a estar em escudos e os salários e os depósitos estão em escudos também.

"Não há nenhuma diferença. Quando há uma desvalorização da moeda há uma desvalorização da conta corrente", identifica o antigo líder do Bloco de Esquerda.

O que é a redenominação dos contratos? "Significa que se for ao banco para pedir um crédito à habitação no valor de 50 mil euros, ele passa a valer 50 mil escudos. Porque um euro passa a valer um escudo na hipótese que nós trabalhámos", explica.

"Nos dois casos, estando a dívida em euros ou em escudos e o livro é muito preciso em relação a isso, o Estado deve proteger por inteiro as pessoas que pediram crédito ao banco para que não sejam prejudicadas", refere.

Emprego até pode aumentar
A entrada em cena do escudo poderá trazer o desemprego como actor principal? Na óptica de Ferreira do Amaral não.

"Isso nunca aconteceu. Numa primeira fase, o efeito será nulo, mas passado pouco tempo começará a crescer. Ao fim de ano, ano e meio, a desvalorização terá efeitos sobre o crescimento da economia", sustenta.

Outras duas dimensões sobre as quais os economistas se debruçam em "A Solução Novo Escudo" são os recursos energéticos e os medicamentos. Duas das maiores vulnerabilidades do país, sustentam.

A extrema dependência externa faria com que os preços imediatamente subissem, o que para Francisco Louçã e Ferreira do Amaral leva a que o Estado tivesse de criar um plano de contingência.

Na energia, o auxílio necessário aos sectores mais vulneráveis levaria a um sobrecusto para o Estado de 250 milhões de euros no primeiro ano, que depois decresceria nos anos seguintes.

No que diz respeito aos medicamentos dramatizam: "Esse plano [de contingência] não pode falhar".