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Entrevista

Paul Symington. O luso-britânico que fez o melhor vinho do mundo

21 nov, 2014 • João Carlos Malta

Portugal atingiu o olimpo vinícola, à boleia da revista mais consagrada do sector, a “Wine Spectator”. O Douro tem o melhor e o terceiro melhor vinho do planeta. A Renascença falou com o líder da família Symington, Paul, que tornou isto possível. Um homem que gere um império no Douro com uma extensão de mais de mil campos de futebol em vinhas.

Paul Symington. O luso-britânico que fez o melhor vinho do mundo
Bater italianos, franceses, chilenos, ou norte-americanos, autênticos craques quando a hora é de engarrafar néctares deliciosos em garrafas, não é para todos. Portugal conseguiu-o. Com estrondo e alguma surpresa. O topo da lista foi do Dow’s de 2011, um Porto “vintage”, e o terceiro lugar com um DOC (vinho de mesa com denominação de origem controlada). Ambos extraídos a partir das castas das 27 quintas de que os Symington detém no Douro.

Em entrevista à Renascença, Paul Symington, que há dois anos foi considerado a personalidade mais relevante do sector dos vinhos, fala do passado, do presente e do futuro do Douro. Diz que este prémio vai levar a que Paris, Berlim e Nova Iorque olhem mais para os vinhos portugueses. Mas está preocupado com a sustentabilidade do negócio do Douro.

Este homem com nome bem inglês, mas que nasceu na ribeirinha freguesia portuense de Massarelos há 60 anos, o seu irmão e três primos valem um quinto das vendas totais de vinho do Porto e controla uma empresa que factura mais de 80 milhões de euros.

O Dow’s de 2011 é o melhor vinho do mundo entre 18 mil em concurso, segundo a “Wine Spectator”. Sente-se no topo do mundo?
Sim. Sem dúvida foi uma enorme surpresa e um grande orgulho. Trabalho aqui com o meu irmão e três primos e dedicamos tudo ao Douro e ao Vinho do Porto durante o ano e é, obviamente, um momento de muita felicidade. E também é um grande orgulho para a região.

Diria que este é o vosso melhor vinho de sempre?
[risos] Isso é difícil de dizer porque o vinho está a iniciar uma longa viagem e só daqui a 20 anos é que posso dar uma resposta. Só nessa altura é que se pode afirmar que um grande “vintage” chegou ao nível do de 45 ou de um 63 [anos de produção]. São picos que aparecem de vez em quando na história do Douro e do Vinho do Porto. O meu primo Charles fez este vinho e só fizemos seis mil caixas – uma produção muitíssimo pequena. Correu tudo na perfeição em 2011 e achamos que temos um belo vinho. Quem me dera ter um pouco mais porque está tudo vendido. Com este prémio toda a gente o quer e nós não temos. Mas penso que há uma grande probabilidade de este Dow’s 2011 chegar àqueles picos [de qualidade] que raramente aparecem, os de 70, de 63 e de 45, que são lendas no vinho.

A procura para este Dow’s já é muito superior aos pedidos. Quantas garrafas produziram?
Foram 72 mil. Mas este vinho foi comercializado na Primavera do ano passado. E é tradição no Porto “vintage” oferecer o vinho antes de ele ser engarrafado, depois as encomendas vão chegando. Este vinho até Setembro de 2013 estava totalmente vendido. Não havia mais nas nossas caves.

Já não têm mais para vender?
Não, não temos. Apenas temos umas caixas para provas, para jantares, para termos na cave em Gaia.

E quem queira comprar hoje em lojas o vinho premiado já não pode?
As garrafeiras ficaram vazias até sábado à noite. O prémio foi anunciado às quatro da tarde na sexta-feira [dia 14 de Novembro] e tenho amigos de garrafeiras que me disseram: "Já não há nenhuma garrafa". Vendemos centenas de caixas em Portugal, o que é bom para nós. Quem comprou deve estar muito satisfeito e o valor que podem ganhar, se venderem, já duplicou em relação ao preço que pagaram. Isso é muito bom para nós. Da próxima vez que houver um “vintage”, e isso só ocorre duas ou três vezes por década, vamos ser mais procurados por coleccionadores e compradores.

Disse que o valor para os que compraram o vinho premiado já duplicou. Quanto valerá daqui a 20 anos?
Vai subindo, já deve ter ultrapassado os 100 euros, mas daqui a uns anos, havendo só seis mil caixas, valerá 150 euros ou 200 euros. É assim quando há um grande vinho e pouca produção. Em Bordéus, com o Grand Chateau, é assim – e há lá vinhos que valem mil euros a garrafa. Na minha opinião é um pouco exagerado ou muito exagerado.

Uma especialista norte-americana, no “LA Times”, num artigo sobre o prémio que ganharam dizia: "Este ano não é um Bordeaux, um California Cabernet, um Spanish Rioja ou um Italian Barolo. Choque-se, é um vinho de Portugal – um Porto. Porto? Foi difícil encontrar entre os meus amigos quem o bebesse.” Este relato é exemplificativo da imagem de desconhecimento que os vinhos portugueses ainda têm?
É verdade que França é muito mais conhecida e que há regiões de Itália muito mais conhecidas do que as nossas, mas este é mais um passo de afirmação dos nossos vinhos no estrangeiro. Esta jornalista pode dizer isto, mas São Francisco ou Los Angeles são muito longe daqui. Eles têm vinhos do Chile, da Argentina ou da África do Sul. Temos de constantemente afirmar os nossos vinhos lá fora. E é precisamente por prémios desta natureza que vamos reforçando a nossa imagem no estrangeiro.

Este contexto ainda dá ainda mais valor ao prémio? Os lóbis são fortes na entrega destes prémios?
Acho que quem vai criando uma imagem de uma região de vinhos são os produtores. Toda a ajuda estatal é bem-vinda, mas nunca vi nenhuma região, nem da Nova Zelândia, nem da Espanha, nem de qualquer outra área, que tenha ganhado notoriedade por uma entidade estatal. Normalmente corre mal e é um desperdício de dinheiro. O que é importante é ter produtores em número suficiente e fazer coisas realmente boas. No Douro há agora pequenos, médios e grandes produtores a fazer coisas absolutamente excelentes e aquela gente está a meter-se nos aviões e viaja para Lisboa, Paris, Londres, Nova Iorque e é assim que vamos ganhando a imagem. As ajudas são sempre bem-vindas e poderíamos ainda fazer mais, agora o lóbi tem de ser nosso. Estes prémios não caem do céu. Temos de ir para fora contar a nossa história e mostrar a beleza do Douro.

Dedicou quase uma vida inteira ao Vinho do Porto. Olhando para a região e para o que nela se produz e como ela se vende, estamos agora melhor do que há dez ou 15 anos?
Houve uma revolução que começou nos anos de 1970, com o João Miguel de Almeida e o Miguel Corte Real. Começaram a inovar no trabalho na vinha, com a selecção de castas. Antes era tudo à moda antiga e essa nova forma de tratar a vinha foi-se espalhando. Agora temos vinhas plantadas nos anos de 1980 que hoje têm 30 anos, mas já com castas muito seleccionadas. A UTAD [Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro] teve um papel central neste trabalho de formação de pessoas em vitivinicultura e enologia e estamos a tirar proveito disso. Temos uma série de estudantes a trabalhar nas nossas adegas, o que é excelente para nós. Temos pessoas dedicadas e apaixonadas e que aqui ganham experiência. Tudo é muito mais profissional.

Mas, quando se chega lá fora, a Paris ou a Berlim, e se fala com os compradores e importadores, nota esse maior reconhecimento?
Há um respeito enorme para com esta geração de produtores em Portugal. Muitos dos nossos enólogos já fizeram vindimas na Nova Zelândia ou na África do Sul, mas há 20 anos não era assim. Estávamos um pouco perdidos e ficávamos para trás. Também vejo os jornalistas do nosso ramo a aparecer. Vêm cá e percebem que os portugueses têm pessoas de qualidade ao nível dos melhores do mundo.


O Dow's 2011: o melhor vinho do mundo. Foto: Symington

Já ganharam outros prémios. Como é que eles se traduzem em aumentos de vendas?
Há outras revistas, porém, a “Wine Spectator” é de longe a mais importante e a que mais influência tem no Japão, em Hong Kong, na América do Sul e na África do Sul. Portanto, a “Wine Spectator” premiar o Vinho do Porto e os Douro DOC é muito importante para a região. Eles não dão esta distinção por acaso e não vão escolher um vinho que aparece como um foguete, em que houve um ano espectacular, mas que teve outros anos não tão espectaculares. A equipa da “Wine Spectator” sabe que há coisas muito boas que estão a ser feitas no Douro: Vale Meão, Van Zeller, Crasto, Alves de Sousa. Há massa crítica no Douro, e esta revista diz agora ao mercado que deve olhar para o Douro com outros olhos. Não posso dizer que os ganhos sejam para a semana ou para o próximo mês, mas estamos a mostrar que, além de termos vinhos generosos, sabemos fazer vinhos DOC.

No entanto, temos de reconhecer a verdade, um Douro quase não tem expressão nas cartas de vinhos dos melhores restaurantes em Paris. Isso também não acontece em Londres ou em Moscovo. Vão aparecendo aos poucos. Os clientes nesses países têm como primeira inclinação pedir um vinho de Bordéus. São excelentes e têm muita fama. Todavia, este prémio quer dizer que o Douro se vai afirmar progressivamente. Esses restaurantes terão de olhar para nós com mais atenção.

Mas em termos de retorno financeiro...
Espero que o preço médio das nossas garrafas e dos nossos concorrentes subam, mas quantificar é muito difícil.

A divulgação dos nossos vinhos é bem feita fora de Portugal? Muitos produtores queixam-se de falta de coordenação…
Há dificuldades porque Portugal é um país pequeno. França e a Itália são muito maiores. Têm muito poder e muita tradição. A nossa luta é maior, contudo, temos de utilizar o que nos faz diferentes, que são as nossas castas, o nosso “terroir”. Temos de continuar esta luta. Não é fácil e às vezes há falta de coordenação. Todavia, não conto com o Estado para me ajudar e às vezes o Estado complica com impostos exagerados. Não devemos a queixarmo-nos de que ninguém nos ajuda. Somos nós que temos de nos levantar, viajar e contar histórias. O vinho tem de ser excelente, mas depois é preciso contar a nossa história em Berlim, em Londres e dizer coisas boas sobre a nossa região. No Douro, a sustentabilidade da lavoura em termos financeiros está muito má em geral e também para as empresas. Em mais de 30 anos já vi 'n' empresas a desaparecerem. Desapareceram porque há falta de rendimento para a lavoura e para as empresas.

O negócio dos vinhos é actualmente um exclusivo de grandes empresas? Os pequenos produtores estão condenados a desaparecer depois de meia dúzia de anos de trabalho?
Não, de maneira nenhuma. Nós somos grandes no Vinho do Porto, mas muito pequenos à escala mundial, e o Douro é feito por empresas pequenas, médias e grandes. Os grandes impulsionadores dos vinhos Douro DOC são empresas que há 20 anos nem existiam. Há marcas absolutamente excelentes Douro DOC com vendas muito pequenas e quintas muito pequenas. Mas, claro que há necessidade de modernizar a área vitivinícola do Douro, porém, não estou minimamente de acordo que este negócio seja só para os grandes.

Faz sentido haver um mercado de vinhos tão espartilhado, com tantas marcas? Isso ajuda a vender a imagem lá fora?
Acho que há muitas marcas devido a um efeito natural do mercado, mas obviamente que nem todas vão sobreviver. Há muitas empresas que se lançaram no mercado dos vinhos e depois perceberam que não era assim tão fácil. O mercado vai funcionar. Não tenho medo disso.

Mas há uma moda que faz com que qualquer um que tenha um hectare queira fazer vinho?
Existiu essa moda e se calhar ainda existe. Às vezes, é preciso um balde de água fria, mas é o mercado que manda. Entre os que vão aparecendo há também uns que são excelentes. E conseguem ultrapassar os desafios. É natural acontecer no nosso sector.

A Symington consegue pagar aos seus quadros médios e altos ao mesmo nível das suas concorrentes internacionais? Não correm o risco de perder os vossos melhores valores por essa via?
Para fora do país começa a ser um problema. Os impostos sobre os rendimentos dos nossos salários obviamente que começam a ser preocupantes. Tenho muitas pessoas a trabalharem comigo com muitas capacidades, que podem ir a qualquer momento para outros países da União Europeia, ou para o Brasil, ou para os Estados Unidos. Durante dois ou três anos, num período de emergência, as pessoas compreendem, mas isto não pode continuar a ser lema de vida, algo de permanente. Perdi uma pessoa excelente, um português de 29 anos, um tipo absolutamente brilhante, que foi para uma empresa inglesa de outro ramo de actividade, que tem uma carga fiscal muito mais favorável do que a nossa. Tenho medo de que, se isto continuar assim, os mais novos vão escolher outros países que não o nosso. Isso seria muito triste para Portugal.

Há dois anos disse que o Vinho do Porto estava muito associado à formalidade, que não rejuvenesceu e que, por isso, era preciso pôr o Porto no dia-a-dia das pessoas. Houve algum avanço ou o Vinho do Porto corre o risco de ser cada vez mais um nicho incapaz de lutar contra as bebidas da moda como o gin e o vodka?
Acho que o Vinho do Porto está a dar uma viragem bastante grande. No passado, o crescimento sustentado foi para os mercados belga, francês e holandês, os quais eram quase dois terços das vendas mundiais. Todavia, agora estamos a perder mercado porque somos “bebidos” como aperitivos e as pessoas estão a beber outros aperitivos. O Vinho do Porto está agora a ter sucesso não nessa área, mas sim nas categorias especiais: os 10, 20, 30, 40 anos, as reservas. As empresas estão a reconhecer que o futuro é não vender mais volume, mas menos e com margens melhores. Não podemos fazer um vinho barato no Douro. Aí é que está o nosso futuro.

Mas as experiências que têm sido feitas com o Porto tónico são para esquecer?
A geografia do Douro fala por si. Não podemos produzir um aperitivo barato. Um “cocktail” é feito de vinhos baratos. Há um grande perigo de ir atrás dos volumes. O rendimento da vinha é muito baixo. Antes havia mão-de-obra barata no Douro, mas isso era outro tempo e ninguém quer voltar aí. Era uma tragédia para a região. Temos de continuar a fazer bem o nosso trabalho e provar que é possível fazer bem dois grandes vinhos, o DOP e o do Vinho do Porto. A prova é que tivemos uma marca de cada um entre as melhores dez marcas do mundo. Havia quem não acreditasse.

Referiu que não queriam voltar aos tempos em que se pagava mal à lavoura no Douro. Costuma queixar-se frequentemente de que é cada vez mais difícil contratar pessoas para as vindimas. Mantêm-se o problema ou com o aumento do desemprego resolveu-se?
Continua a ser um problema. Nesta altura, estamos a fazer a poda e é preciso pessoal com formação. Depois, temos um período no Inverno com menos trabalho, mas na vindima precisamos de muita gente. É um trabalho muito sazonal. É por isso que é difícil fixar as pessoas na região. Outras regiões resolveram isto pela mecanização e nós não podemos fazer isso pela estrutura da vinha. Continua a ser um problema complicado, e vai ser cada vez mais.

Mas isso tem que ver com a sazonalidade ou com o que é pago?
O que é pago na vindima é bastante bom. É o preço do mercado, em que as pessoas vão oferecendo mais para tentar conseguir ter o número suficiente de pessoas. Esta última vindima foi complicada, a chuva foi aparecendo e tivemos de apanhar a uva com urgência. Muita gente que conheço não conseguiu apanhar toda a que queria. Este será cada vez mais o desafio para o Douro, conseguir fixar pessoas no Douro.