Sonhava com os Olímpicos quando era ginasta, chegou lá como fotojornalista

Grande parte das fotografias dos atletas portugueses em Paris saem das mãos de José Sena Goulão, fotojornalista da Agência Lusa. "Conhecer a modalidade", diz, é meio caminho para conseguir a fotografia perfeita.

02 ago, 2024 - 20:26 • Lara Castro



José Sena Goulão conta que "o maior objetivo como fotojornalista" sempre foi cobrir os Jogos Olímpicos

Nunca nenhum atleta português tinha chegado a uma final na ginástica artística, nos Jogos Olímpicos. Os voos que inscreveram Filipa Martins na história foram eternizados pela lente de José Sena Goulão, fotojornalista da agência Lusa que está pela primeira vez a cobrir a competição. É um sonho de criança concretizado, mas que começou do outro lado da bancada.

“Quando era ginasta, eu acreditava que lá chegava”, conta Goulão à Renascença, num dos raros momentos de pausa entre trabalhos.

Dos 8 aos 13 anos, o fotojornalista treinava seis dias por semana, três horas por dia. "Era mesmo coisa a sério." Praticou outras modalidades, como basquetebol, mas era naquela que "podia ter ido longe", acredita. “A coisa nunca se proporcionou, mas eu sempre tive esse sonho.”

"Ainda hoje, quando vejo ginástica, as mãos começam logo a suar. É uma coisa do nervosismo e da ligação."

Quando começou a dar os primeiros passos na fotografia, o sonho "transferiu-se" e o mantra na sua cabeça também: “Um dia quero estar lá, mas não é como atleta, é como fotógrafo.”


Dos 8 aos 13 anos, Goulão praticou ginástica e acreditava que chegaria aos Jogos Olímpicos enquanto atleta. Foto: José Sena Goulão/Lusa
Dos 8 aos 13 anos, Goulão praticou ginástica e acreditava que chegaria aos Jogos Olímpicos enquanto atleta. Foto: José Sena Goulão/Lusa

O coração de atleta e o de fotógrafo foram-se fundindo progressivamente. José Sena Goulão continuou a manter uma ligação muito forte ao desporto — tirou o curso de Educação Física e chegou até a ser professor. Hoje continua a fazer surf, a sua “principal paixão”, e o que mais gosta de fazer na fotografia "é fotografar surf dentro de água", conta.


É a 16.000 km de Paris, no recife de Teahupo'o, no Taiti que decorrem as provas de surf dos Jogos Olímpicos, mas o fotojornalista da agência Lusa "não trocava por nada" a possibilidade de estar em Paris. Alimenta o desejo de lá ir ao Taiti cobrir um campeonato, mas sente que estar no centro da ação, onde decorre a maioria das provas, é uma experiência "mais enriquecedora.”

Claro que não lhe passou ao lado a fotografia mais partilhada desta edição dos Jogos, do surfista brasileiro Gabriel Medina "a levitar". “Aquela foto é qualquer coisa de absurdo.” Goulão considera que o disparo do francês Jerome Brouillet, da France-Presse, foi uma junção de preparação e técnica.


O fotojornalista recorda que Gabriel Medina “faz aquelas saídas por trás da onda há anos” e, por isso, quem fez a fotografia “estava preparado para aquilo”.

“Conhecer bem” a modalidade pode ser o segredo de uma boa fotografia — “faz com que se tenha a percepção do que vai acontecer”. Goulão nunca tinha fotografado ginástica na vida, até este Jogos Olímpicos, mas foi ginasta durante cinco anos e talvez seja por isso que as suas fotografias favoritas são as de Filipa Martins.


Goulão nunca tinha fotogrado ginástica na vida, até chegar aos Jogos Olímpicos. Foto: José Sena Goulão/Lusa
Goulão nunca tinha fotogrado ginástica na vida, até chegar aos Jogos Olímpicos. Foto: José Sena Goulão/Lusa
No dia da prova de ginástica, assim que chegou ao local estudou a planta para perceber qual o melhor ângulo para cada movimento. Foto: José Sena Goulão/Lusa
No dia da prova de ginástica, assim que chegou ao local estudou a planta para perceber qual o melhor ângulo para cada movimento. Foto: José Sena Goulão/Lusa


Assim que chegou ao local de provas, estudou a planta do edifício para perceber como se movimentar. Perguntou também a um colega qual o melhor sítio para captar certos movimentos: o resultado foi capa de notícias e manchete de jornal.

No dia em que falou com a Renascença, Goulão tinha aproveitado o tempo livre para fotografar uma prova de esgrima. “Vi-me um bocadinho às aranhas”, confessa. Como não conhecia bem a modalidade, foi difícil encontrar um plano central para fotografar.

Por estes dias, sente que esteve a treinar a vida toda para a tarefa que tem em mãos. “A fotografia e a paixão pelo desporto é o que me dá o gozo de estar aqui. Para mim, sempre foi o maior objetivo como fotojornalista”, afirma.


Por estes dias, Goulão sente que esteve a treinar a vida toda para a tarefa que tem em mãos. Foto: José Sena Goulão/Lusa
Por estes dias, Goulão sente que esteve a treinar a vida toda para a tarefa que tem em mãos. Foto: José Sena Goulão/Lusa
“Conhecer bem” a modalidade pode ser o segredo de uma boa fotografia - “faz com que se tenha a percepção de que vai acontecer”. Foto: José Sena Goulão/Lusa
“Conhecer bem” a modalidade pode ser o segredo de uma boa fotografia - “faz com que se tenha a percepção de que vai acontecer”. Foto: José Sena Goulão/Lusa


Chegou a Paris quatro dias antes do início dos jogos, no dia 22 de julho. Na mochila que carrega todos os dias leva quase 20 quilos de material — duas máquinas, três lentes, o computador e barritas de cereais (“são as nossas refeições aqui”).

Só no dia anterior conhece o plano para o dia seguinte. As distâncias, as modalidades e as possíveis medalhas são fatores decisivos para o planeamento do dia.

Goulão desloca-se de metro pela cidade e tem feito cerca de 15 quilómetros por dia. “O grande problema cá em Paris são as distâncias” entre os vários locais onde decorrem as competições.

“Isto é uma prova de resistência gigante. São muitos dias sem parar, a dormir pouco, a comer mal. É uma grande prova de resistência.”

Nos Jogos Olímpicos, o seu foco são os atletas portugueses e o momento de cada prova é, também para o fotógrafo, de tudo ou nada — à procura da fotografia perfeita. Sabe que terá de conseguir, em milésimos de segundo, conseguir a melhor conjugação de enquadramento, movimento e o disparado no tempo certo.


No Jogos Olímpicos, Goulão está a realizar um sonho de criança.  Foto: José Sena Goulão/Lusa
No Jogos Olímpicos, Goulão está a realizar um sonho de criança. Foto: José Sena Goulão/Lusa
O foco são os atletas portugueses e o momento da prova é, também para o fotógrafo, de tudo ou nada. Foto: José Sena Goulão/Lusa
O foco são os atletas portugueses e o momento da prova é, também para o fotógrafo, de tudo ou nada. Foto: José Sena Goulão/Lusa


Assim que tem as fotografias, como numa prova em contrarrelógio, edita e seleciona as que quer enviar para a agência. As legendas das fotografias são feitas previamente, antes de ir para o local, para agilizar o momento do envio.

“Fazemos sempre o mais rápido possível.” O processo entre enviar e as fotografias estarem disponíveis para os clientes são dois, três minutos. E depois vão multiplicar-se por sites de vários meios de comunicação social e pelas capas dos jornais.

Nos planos futuros de José Sena Goulão cabem também os objetivos de fotografar basquetebol americano e surf no Taiti. No dia em que falou com a Renascença, havia um outro sonho que entretanto já foi cumprido: fotografar a ginasta Simone Biles.