O PCP de Carvalhas, Jerónimo e Raimundo. Do 25 de novembro à expulsão dos críticos, da queda eleitoral à “preocupação” com as autárquicas

A menos de uma semana do Congresso de Almada, a Renascença entrevista os três mais recentes secretários-gerais do PCP no Forte de Peniche. Carlos Carvalhas, Jerónimo de Sousa e Paulo Raimundo traçam o retrato de um partido que se vê a braços com perdas eleitorais sucessivas. “O partido é como é”, resume o atual secretário-geral, que promete uma renovação do Comité Central com mais jovens e mais mulheres.

09 dez, 2024 - 06:30 • Cristina Nascimento , Susana Madureira Martins



O PCP de Carvalhas, Jerónimo e Raimundo. Do 25 de novembro à expulsão dos críticos, da queda eleitoral à “preocupação” com as autárquicas

Todos os artigos, vídeos e áudios da entrevista estão reunidos no especial Entrevista no Forte de Peniche. O PCP de Carvalhas, Jerónimo e Raimundo


Nas vésperas do Congresso do PCP, no ano em que se comemoram 50 anos do 25 de Abril e depois também do ano em que se realizaram quatro eleições, todas ou grande parte delas com resultados razoavelmente baixos para os comunistas, a Renascença desafiou os três mais recentes líderes do partido - Carlos Carvalhas, Jerónimo de Sousa e Paulo Raimundo - para uma conversa sobre o país e o mundo e refletir sobre o passado e o futuro do Partido Comunista Português.

Trata-se de uma conversa inédita, que teve lugar num lugar emblemático, o Forte de Peniche, atualmente o Museu Nacional da Resistência e Liberdade, de onde há quase 60 anos aconteceu a fuga de 10 comunistas, entre os quais Álvaro Cunhal, já falecido, ex-secretário-geral do Partido Comunista Português, o único dos quatro líderes do partido, desde o 25 de Abril, que não está presente nesta cimeira.

Numa entrevista conduzida pelas jornalistas Cristina Nascimento e Susana Madureira Martins, é assumida a preocupação do PCP pelos resultados eleitorais dos últimos anos numa altura em que o partido começa a concentrar as atenções nas eleições autárquicas de 2025. “Quem não está preocupado, anda distraído”, admite Paulo Raimundo.


Nesta entrevista a três, Carlos Carvalhas volta a negar qualquer participação do PCP no 25 de novembro, justificando que tudo o que o partido fez foi “tentar evitar uma guerra civil”. O líder comunista que sucedeu a Álvaro Cunhal admite, no entanto, que nessa altura o partido tinha militantes “desgarrados” que “jogavam por conta própria”, tirando qualquer responsabilidade à cúpula comunista por eventuais movimentações nesse dia.

A menos de uma semana do Congresso de Almada, Jerónimo de Sousa deixa a porta aberta à sua saída do Comité Central, preferindo dedicar-se a uma “tarefa mais ligeirinha” e defendendo que é preciso dar lugar a quadros “mais jovens”. O Comité Central deverá ver a sua composição reduzida, com aumento da quota de mulheres e membros mais jovens, segundo Paulo Raimundo.

No plano internacional, o atual secretário-geral do partido defende que se Putin ou Nethanyau, por alguma razão, passassem por Portugal, deviam ser ambos detidos, cumprindo o mandado de captura do Tribunal Penal Internacional. Quanto à Rússia, Venezuela, Coreia do Norte ou Angola, Raimundo assume que são regimes que não deviam vigorar em Portugal. “Claro que não”, responde o líder comunista.

Para a restante esquerda, Raimundo deixa o recado: é preciso pensar bem se esta é a altura para apresentar a proposta de alargar a possibilidade do aborto até às 12 semanas como propõe o PS ou 14 como propõe o Bloco de Esquerda. Há uma “correlação de forças” que não é favorável e um risco de, “a propósito de supostos avanços, as coisas andarem para trás”, avisa o líder do PCP.


Oiça na íntegra a entrevista a Carlos Carvalhas, Jerónimo de Sousa e Paulo Raimundo. A menos de uma semana do Congresso de Almada, a Renascença entrevista os três mais recentes secretários-gerais do PCP no Forte de Peniche.

O congresso do PCP que se realiza no fim desta semana é um dos pretextos para esta conversa. A direção do PCP parte com objetivos concretos para este congresso?

Paulo Raimundo - Sim, partimos com o objetivo de analisar a situação nacional e internacional em que estamos, clarificando e procurando que o maior número de membros do partido e outros que nos acompanham percebam o quadro em que estamos a intervir. Um quadro muito exigente, muito difícil, com grandes perigos, mas também com a consciência clara de que nós, não estando numa fase de resistência, queremos estar numa resistência ativa. Não nos queremos enconchar à espera que o mau tempo passe. Temos de enfrentar o mau tempo que aí está e, de facto, há um mau tempo.

Não está em causa qualquer eleição do líder do PCP, mas como é que o Partido Comunista Português escolhe o seu secretário-geral e se este processo de eleição é, de facto, democrático?

Paulo Raimundo - Um congresso do PCP dá um trabalho desgraçado. Nós temos um processo de meses de preparação, de envolvimento, de elaboração das teses, as linhas fundamentais, que são discutidas durante meses a fio. Os militantes do partido têm a obrigação de participar nessa preparação, com as suas opiniões, são milhares e milhares de propostas e depois desse trabalho feito, na base das propostas que vêm, é novamente aferido esse conteúdo e volta ao Congresso para ser novamente aprovado.

Um congresso do PCP não é um espetáculo para as televisões. Não é um sítio onde há fações a digladiarem-se para ver quem é que ganha e quem é o chefe de cada uma das fações. É um processo muito intenso de democracia interna. Cabe ao Comité Central decidir os seus órgãos executivos e decidir se há ou não há secretário-geral. Havendo secretário-geral, é eleito entre os seus membros. É o mesmo Comité Central que, em qualquer altura, pode destituir e eleger outro ou não. É um processo diferente de outros partidos. Profundamente democrático.



 Foto: Ricardo Fortunato/RR
Foto: Ricardo Fortunato/RR

Um secretário-geral do PCP é um líder ou é um porta-voz do coletivo?

Jerónimo de Sousa - Não, nem uma coisa nem outra. É evidente que é apenas um militante com responsabilidades acrescidas. Quem determina essa escolha não sou eu, nem o Paulo, nem o Carlos. Eleita a direção, o poder resume-se a todo o coletivo partidário. E, em relação ao secretário-geral, é o mesmo camarada com direitos, com deveres, com a aceitação da orientação coletiva, mas simultaneamente, tem um peso maior de responsabilidades.

Carlos Carvalhas, esteve durante dois anos como secretário-geral adjunto. Como é que foi esse processo de transição?

Carlos Carvalhas - Foi um processo democrático de auscultação em que a direção do partido atribuiu ao camarada Álvaro Cunhal a tarefa de ir avançando na escolha do candidato. E o Álvaro Cunhal falou com muitos camaradas, foi ouvindo, também me ouviu a mim, dei a minha opinião, estava muito longe de pensar que me iam chamar para essa tarefa. Posso dizer que, na primeira e na segunda conversa, disse que não. De facto, temos um processo diferente. No nosso partido é impossível estar a decorrer o Congresso, chegar uma personalidade, entrar por ali dentro, as televisões vão todas atrás dele e ele faz o discurso. E depois qual é o critério de apreciação? É ser um bom falante, um bom tribuno.

No PCP é tudo mais controlado...

Carlos Carvalhas - Não é mais controlado, é democrático. Então, chega-se a uma determinada altura, a personalidade entra por ali dentro…para nós isso era impossível. Nós temos um processo diferente de eleger aqueles que vão estar presentes no Congresso. E aqueles que estão no Congresso, naturalmente, também têm um processo diferente de depois escolher os dirigentes.

Neste Congresso, a composição do Comité Central vai ser mais curta, pode aumentar a percentagem de jovens, por exemplo, ou haver uma maior quota de mulheres e operários?

Paulo Raimundo – Já definimos objetivos. Desde logo, uma ligeira redução da composição, procurar corresponder a participação das mulheres no CC tendo como referência o número de mulheres no partido, que será na volta dos 30%, coisa que não acontece neste momento. Vamos tentar que se possa fazer uma coisa que é muito exigente, mas estamos convencidos que vai ser possível, que é não aumentar a média etária, procurando manter esta nossa característica da maioria de operários empregados.



E o Jerónimo de Sousa vai continuar no Comité Central?

Jerónimo de Sousa - Da saúde da nossa vida nunca podemos garantir que vamos continuar a operar. Das condições de saúde que tive na altura, felizmente recuperei.

Mas está disponível?

Jerónimo de Sousa - Não, porque naturalmente, o partido precisa de um reforço de quadros, particularmente de direção, que, naturalmente, abra caminho aos mais jovens e eu acho que essa solução vai ser encontrada. Podemos pensar numa tarefa ligeirinha, mas aquilo que sinto é que o que dei ao meu partido, bem somadinho, ainda fico a dever dinheiro ao partido.

O que está a dizer é que vai dar lugar no Comité Central aos mais jovens?

Jerónimo de Sousa - Acho que há uma ordem natural.

Paulo Raimundo - O Jerónimo nunca disse que “não” a uma tarefa do partido, portanto, se o partido precisar…

Jerónimo de Sousa - Enfim, nunca digas nunca, mas...

Paulo Raimundo - Vamos ficar com esta, nunca digas nunca, é capaz de ser melhor.

Um dos temas que, certamente, passará pelo Congresso serão as autárquicas do próximo ano. No seu consulado, Carlos Carvalhas, como secretário-geral, o PCP tinha uma força autárquica mais forte do que a que tem atualmente. Como é que justifica esta perda de força eleitoral?

Carlos Carvalhas - Vamos ao Alentejo. O que é hoje o Alentejo? As pessoas que saíram do Alentejo, o despovoamento. Hoje temos trabalho agrícola feito por imigrantes. E depois há toda a ofensiva que tem havido em relação ao partido. Por exemplo, a partir da Covid. O partido achou que não se devia atemorizar e que certas intervenções deviam ser feitas. Realizámos o 1º de Maio e a campanha foi feita como se fôssemos aqueles inconscientes que querem levar o vírus a toda a gente e tal. Houve algum problema? Houve algum dos elementos que esteve no 1º de maio que tivesse sido hospitalizado? Depois veio a guerra da Ucrânia, a campanha que houve contra o Partido Comunista Português, porque a única coisa que fez foi chamar a atenção de que a guerra não tinha começado naquela altura, em 2022, tinha começado em 2014.

São externas ao Partido Comunista Português as causas para essa perda eleitoral? Não há uma explicação interna sobre o próprio rumo político do partido?

Carlos Carvalhas – Naturalmente, também haverá causas internas e o partido procura debatê-las.

Que causas são essas?

Carlos Carvalhas – Haverá sempre uma resposta política que não foi a mais ajustada ou que não tivemos o cuidado suficiente. Até mesmo em relação à guerra da Ucrânia. Nós começámos logo por chamar a atenção e procurar enquadrar a razão daquela guerra.

E a comunicação social começou a perguntar ‘condena ou não condena?’



 Foto: Ricardo Fortunato/RR
Foto: Ricardo Fortunato/RR

Assume que a comunicação não foi a melhor?

Carlos Carvalhas – Não é “não foi a melhor”. Sabendo o que aí vinha, podíamos, pura e simplesmente, na altura, ter torneado o assunto. Mas, objetivamente, aquilo que nós dissemos estava errado?

O modo de fazer campanhas mudou com as redes sociais, as danças no TikTok. O PCP não se adaptou a esta nova linguagem?

Jerónimo de Sousa - Dominamos essa linguagem. Não fazemos dela é uma questão central.

Quer se queira, quer não, a forma de contacto que temos com o povo português é a forma mais difícil, mas também é aquela que resulta mais. Ou seja, estamos a falar do contacto direto. Estamos a falar de ir a um centro de saúde, verificar o problema, dar a contribuição em relação à defesa do SNS.

Mas depois chega a hora das eleições e o retorno eleitoral não existe. Onde é que falha?

Jerónimo de Sousa - Há mérito nosso ou demérito, há mérito do adversário. Essa, de facto, é uma batalha muito grande. Há uma certa corrente reacionária, de gente que, em relação aos seus valores, portanto, ainda não destapou a manta toda, mas um dia se perceberá melhor.

Nada altera esta ideia fundamental, que é o contacto direto. É uma coisa que me orgulho bastante, é das sessões de esclarecimento que eu faço no supermercado, entre um carapau e um frango, aproveitamos para discutir e ouvir, fundamentalmente.

Carlos Carvalhas - A voz do partido chega pelas sessões de esclarecimento, pela militância, mas os votantes chegam lá pela comunicação social. Com toda honestidade, acham que o Partido Comunista Português tem igualdade em relação às outras forças quanto à sua exposição na comunicação social? Na grande comunicação social, que é aquela que chega à maior parte dos votantes, que a única atividade política que têm, a maior parte das vezes, é de 4 em 4 anos, ou de X em X tempo, votarem? Não é silenciado? As suas posições não são, muitas vezes, adulteradas para campanhas anticomunistas?



Qual é que é a expectativa do PCP nas eleições autárquicas, já que o partido tem vindo também a perder algumas presidências de câmara?

Paulo Raimundo - Entrei para a Comissão Política era o Carvalhas secretário-geral. Ainda sou do tempo em que tivemos maus resultados para as autárquicas e depois tivemos bons resultados para as autárquicas. Até me lembro de uma noite eleitoral, já o Jerónimo era secretário-geral e reconquistámos a Câmara Municipal da Marinha Grande, num processo de recuperação. Se alguém pensa que isto é sempre para cair, não corresponde à realidade.

Nunca foi assim e nunca será.

Não está preocupado?

Paulo Raimundo - Claro, quem não está preocupado, está distraído, como costuma dizer o Jerónimo. Temos 19 autarquias e nós vamos bater-nos para as manter. Vamos procurar disputar outras autarquias a partir de vereações, juntas de freguesia.

O que é que será, então, uma vitória ou uma derrota?

Paulo Raimundo - Um desastre eleitoral no distrito A, B ou C pode ser um desastre, mas noutro lado pode ser uma estrondosa vitória. Vou-lhe dar um exemplo concreto. Se conseguirmos, e eu estou convencido que temos condições, ter a eleição de um vereador na Câmara Municipal de Guimarães é uma vitória extraordinária. Há dois mandatos que não temos. Agora vivo na Moita, o objetivo é reconquistar a Moita, outra vez. Não é por viver lá agora, não é por causa disso.

Há objetivos na Península de Setúbal, recuperar câmaras?

Paulo Raimundo - É claro, nós temos trabalho feito e temos provas dadas e o nosso projeto não se compara com nenhuma das outras forças e queremos que esse trabalho seja recuperado.

É possível recuperar Almada, por exemplo?

Paulo Raimundo - Há quatro anos subimos a votação, depois de termos perdido a Câmara e subimos até de forma considerável, só que a nossa subida não foi suficiente para fazer face ao desaparecimento do PSD e do Bloco de Esquerda.



 Foto: Ricardo Fortunato/RR
Foto: Ricardo Fortunato/RR

E quanto a Lisboa, há uma parte da esquerda que se está a organizar para uma coligação. Para ser claro, o PCP e a CDU não vão integrar uma coligação de esquerda que possa envolver o Partido Socialista?

Paulo Raimundo - Se há força de esquerda no poder autárquico é a CDU. Em Lisboa, temos um candidato que qualquer outra força gostaria de ter, mas não tem. O João Ferreira está comprometido com o projeto autárquico da CDU e não está comprometido com mais nenhum outro projeto.

E se a esquerda precisar do PCP, da CDU, para fazer uma maioria em Lisboa está disponível para uma coligação pós-eleitoral?

Paulo Raimundo - Se há força de esquerda no poder autárquico, em Lisboa, em Almada, na Moita, em Vila Pouca de Aguiar, em Ponta Delgada é a CDU, que estará sempre disponível para a esquerda no poder autárquico. Isto não vai lá nem com proclamações nem com intenções. Não vale a pena o PS fazer o discurso que faz em Lisboa e depois permitir que o Orçamento da Câmara passe. O argumento que é utilizado para que o PS possibilite que o Orçamento seja aprovado em Lisboa, que é preciso que a autarquia seja gerida, é o mesmo argumento que não é utilizado pelo mesmo PS que chumbou o orçamento da Câmara Municipal de Setúbal.

Jerónimo de Sousa - Reparo que ninguém se admirou que o Bloco de Esquerda, em relação a câmaras municipais, zero. Ninguém fica aos pulos com isto, mas critica-se uma força política que continua a ter 19 câmaras municipais e, em relação a outros, que, cheios de criatividade e de força, depois têm zero em termos de câmaras municipais.

Para as eleições presidenciais de 2026 era possível o PCP ter uma candidata mulher?

Jerónimo de Sousa - De manhã, acordei a ouvir sobre presidenciais para aqui, presidenciais para acolá. Não me digam que as eleições, em vez de ser para as autarquias, são eleições para a Presidência da República? Mas as eleições vão ser as autárquicas. Mas não, eram as presidenciais.

Ainda é cedo para falar de presidenciais?

Jerónimo de Sousa - É evidente que é, caiu um bocado aos trambolhões.

Está a evitar a pergunta sobre uma candidata apoiada pelo PCP…

Jerónimo de Sousa - O PCP tem dado exemplos dessa possibilidade de preencher lugares com quadros capazes. Ser mulher, acho que não é argumento que tenha muita fortaleza.

Ainda não é desta?

Jerónimo de Sousa - Não me cheira, não.



O PCP admite apoiar um candidato militar, como tanto se fala agora de Gouveia e Melo?

Paulo Raimundo - Acho que há alguns a pôr a carroça à frente dos bois. A seu tempo, olharemos para as presidenciais. Há uma coisa que temos arrumada. O PCP não deixará de intervir na batalha das presidenciais e, para isso, nós temos duas possibilidades, à partida. Uma intervenção própria, com um candidato que seja apoiado pelo PCP de forma direta e não se exclui se é homem ou se é mulher. Nunca aconteceu, mas o PCP, ao contrário do que dizem, não é tão previsível assim, pode sempre surpreender. Depois, podem ser criadas condições para um apoio a um candidato que, de uma vez por todas, faça uma coisa que sucessivos presidentes teimam em não fazer, que é cumprir aquilo que juram cumprir, a Constituição da República. E cumprir a Constituição da República não é ter como projeto alterá-la.

E Gouveia e Melo encaixa nesse perfil de fazer cumprir a Constituição e não querer alterá-la?

Paulo Raimundo - Convenhamos que, daquilo que se vai conhecendo, nunca lhe ouvi nenhuma referência à Constituição da República. E eu acho que haverá outras alternativas para esta batalha.

Numa eventual segunda volta das presidenciais de 2026 pode haver necessidade de o PCP dar o seu apoio a um candidato presidencial que não é exatamente aquele que apoiou inicialmente. Como é que faz?

Carlos Carvalhas - A história do partido mostra que a questão da defesa dos interesses nacionais, da democracia esteve sempre presente. Quando eu fui candidato, quando foi candidato o Jerónimo, estivemos sempre nesta posição, exatamente a que teremos no futuro, tendo em atenção um quadro que, neste momento, ainda é desconhecido. O Comité Central é que vai decidir se vamos ter ou se não vamos ter um candidato ou quem é que vai apoiar. Ainda não discutiram, ainda é cedo, vamos ver.

Jerónimo de Sousa - Houve umas eleições presidenciais [1996] em que o candidato do Partido Socialista corria o risco de perder as eleições, tendo em conta que eram precisos mais 5% ou 6% para o candidato socialista. Nós avaliámos e considerámos que era importante para a democracia, porque senão o candidato Aníbal Cavaco Silva ganharia as eleições presidenciais. Reunimos o Comité Central, discutiu, sempre com esta preocupação: ‘O que é que melhor serve à democracia?’. E concluímos na direção que o que melhor servia à democracia e afastava mais perigos, tendo em conta o posicionamento político-constitucional do presidente Aníbal Cavaco Silva, era apoiar o Sampaio e veja lá, foi mesmo certo, ali os 5% ou 6% de votos que Sampaio precisava para encetar um mandato como presidente.



Jerónimo de Sousa, Paulo Raimundo, Carlos Carvalhas entrevistados no Museu Nacional Resistência e Liberdade, Peniche. Foto: Ricardo Fortunato/RR
 

E isso pode repetir-se?

Paulo Raimundo - Foi a primeira vez que eu votei na vida. Foi nessas eleições.

Jerónimo de Sousa – Naturalmente, criou-se uma dinâmica de tração, de junção, de unidade, que teve reflexo depois na percentagem eleitoral.

Carlos Carvalhas – Até no tempo do dr. Mário Soares…

Paulo Raimundo – Tivemos situações mais exigentes, até, desse ponto de vista.

O declínio eleitoral do PCP reflete-se nas contas do partido. De que é que vive o PCP?

Paulo Raimundo - Menos votos, menos subvenção. Mesmo assim, fica o registo de que com menos votos e menos subvenção foi o PCP que avançou que se devia cortar ainda mais nas subvenções dos partidos. Foi neste Orçamento do Estado e foi chumbado. Para quê? Para que os partidos vivam daquilo que têm de viver. Da sua militância, das suas iniciativas, das suas quotas. E o PCP vive disto, com muito orgulho, porque isto dá-lhe uma independência que não é apenas financeira. É política e é ideológica. A única dependência que temos é a da nossa militância e dos nossos amigos. Que se expressa como? Nas quotas, nas contribuições. Há outros que dependem de duas outras fontes. Do Estado e dos grandes grupos económicos.

E as receitas?

Paulo Raimundo - Se pegarem nas teses que estão em discussão, que são públicas, e se pegarem no documento que vai ser proposto ao Congresso, que também será público, verão que esses elementos todos estão lá contidos. As receitas, se descemos, subimos, o número de funcionários, se descemos, subimos, os funcionários que estão no ativo, está lá tudo escrito. É de facto um Partido com Paredes de Vidro e que não esconde nada.

Não escondendo nada, qual é o património financeiro? 

Paulo Raimundo - O Tribunal de Contas tem, isso é público. A contabilidade dos partidos é pública.

Reserva isso para quem consultar esses documentos?

Paulo Raimundo - Não, é porque não tenho exatamente o número agora aqui para lhe dizer. Nós teremos à volta de cerca de 300 funcionários.

É claro que os salários de funcionários do partido são salários na média dos salários dos trabalhadores portugueses. Se quiser fazer um cálculo, está a ver que já tem um. Do ponto de vista de exigência financeira, só para esse efeito, é muito grande.

Pagam o salário mínimo?

Paulo Raimundo - Não, é acima do salário mínimo. Mas é dinheiro que depende da receita própria do partido e essa é uma grande vantagem, uma grande tranquilidade.



Quando exigem aumentos, por exemplo, para Função Pública conseguem, dentro do Partido, fazer esses aumentos também que exigem aos governantes? 

Jerónimo de Sousa - É uma evidência que nós temos de ter a capacidade de resposta com as despesas correntes, com receitas. No meu caso concreto, fui deputado muitos anos e chegou o momento de me reformar. Como sabem, há uma subvenção para quem esteja nessa situação. Fiz aquilo que naturalmente deveria ser feito, o Estado pagou-me, eu tirei a parte do meu salário e o resto vai para o meu partido.

Na eventualidade de o PCP ficar sem representação parlamentar e sem recursos financeiros, sem esta subvenção de que estávamos aqui a falar, do que é que sobrevive o PCP?

Carlos Carvalhas - Coitado do Partido Comunista Português, que conseguiu atravessar os 48 anos de repressão fascista de um governo fascista. O único que se manteve na resistência foi o Partido Comunista Português. Devemos raciocinar sempre assim: Há o partido de votantes e há o partido de militantes. Como força organizada nos trabalhadores, nós somos hoje uma grande força, não sei até se não seremos a primeira força organizada. Quanto mais força tivermos nos trabalhadores e força organizada, mais facilidade temos. Essa questão não se vai colocar, mas nós continuaremos sempre, porque há uma necessidade da existência de um partido com as características que tem o Partido Comunista Português.

As eleições em si não são uma preocupação para o PCP? Os resultados eleitorais?

Carlos Carvalhas – São, os resultados eleitorais são uma preocupação. E devemos fazer tudo para aumentar a nossa votação. Quanto melhores resultados tivermos maior é a nossa força junto dos trabalhadores, organizadamente. Mas pensar-se que, por falta de representação institucional, o Partido Comunista Português desapareceria… creio que não vai desaparecer, porque é uma necessidade absoluta. Os trabalhadores e o povo precisam de um partido como este para continuar a luta. E se os ventos soprassem muito mal, fiquem sabendo que, certamente, a única força que se aguentaria e continuaria a fazer frente era o Partido Comunista Português.

Paulo Raimundo - Ainda sobre as subvenções. As receitas próprias do PCP, aquilo que faz a nossa vida andar todos os dias, no fundamental, são cerca de 90%. Estou a dizer isto por causa da associação que fez sobre eventuais perdas de receita institucional e o desaparecimento do partido. Ao contrário de outros partidos, cuja receita própria no fundamental assenta nas subvenções estatais, 90% do dinheiro do partido é receita própria.



 Foto: Ricardo Fortunato/RR
Foto: Ricardo Fortunato/RR

Carlos Carvalhas, o PCP aceita o relatório que foi divulgado pelo jornal Expresso e que avança com dados sobre a participação do seu partido no 25 de novembro? E convenceu ou não o major Luís Pessoa a entregar-se ao Presidente da República?

Carlos Carvalhas - O doutor Álvaro Cunhal, nas vésperas do 25 de novembro, telefonou ao Presidente da República [Costa Gomes] a dizer que o PCP não estava metido em golpes nenhuns e que condenava qualquer golpe. Quem conhece o camarada Álvaro Cunhal sabe que ele não avançaria com esta palavra para depois de manhã dizer ‘olhem, avancem’. Tive contactos com o capitão Pessoa antes do 25 de abril. Aliás, foi ele por intermédio da mulher, que trabalhava comigo na Profabril, que me disse que iam sair no dia 25. No dia 24, disse-me isso. A seguir ao 25 de abril, nunca mais contactei com ele. Não me lembro de ter contactado com ele, francamente. Ele estava na 5ª Divisão Militar, eu era Secretário de Estado do Trabalho e não tínhamos qualquer ligação partidária, nem falávamos. Quando ele disse que eu o convenci a entregar-se, francamente, creio que isso é falso. Era um facto relevante que eu me lembraria, não está na minha memória.

Nessa altura não havia WhatsApp, mas havia escutas, e não eram poucas, estávamos num período de grande convulsão. E nós estamos mesmo a ver dois ingénuos da luta clandestina a falarem para o Luís Pessoa, e o Jaime Serra a dizer ‘ó Luís Pessoa, tenho aqui ao meu lado o camarada Álvaro Cunhal’.

O que está a dizer é que não houve nem uma luz verde para avançar, nem depois para travar com medo de uma eventual guerra civil?

Carlos Carvalhas - Isso serve àqueles que tinham preparado um golpe, que para se justificarem avançam com isso.

E ordem para travar também não houve?

Carlos Carvalhas - Não houve para travar. O que houve foi a preocupação de evitar uma guerra civil. E houve a preocupação, naturalmente, do Partido Comunista, sabendo que estavam tantas tropas em movimento, de defender os seus centros de trabalho. Agora, havia também uma questão. O partido não tinha uma organização tão estreita e tão próxima como tem hoje ou como teve depois à frente. Na altura havia muitos militantes mais desgarrados e que muitas vezes também jogavam por conta própria. Mas o que conta para o julgamento isento, se quiserem, é as posições do Partido Comunista Português.

Só para clarificar, não houve uma luz verde para avançar, mas houve uma movimentação do Partido para que se travassem as movimentações que havia para evitar a guerra civil?

Carlos Carvalhas - A preocupação do partido foi evitar sempre a guerra civil.

Mas houve telefonemas, houve mensagens? Não houve um recuar?

Carlos Carvalhas - Recuar é se tivéssemos participado. Quando dizem ‘recuar’, naturalmente, que isto não é neutro. Recuar é porque tínhamos avançado. Não, não tínhamos avançado nada. Em relação aos centros de trabalho, o que se houve na altura foi uma preocupação, a de dizer ao Movimento de Forças Armadas ‘nós não estamos metidos nisto, e portanto vocês tenham cuidado com o que está a passar’.



Naquele período do PREC, tivemos uma bomba num emissor da Rádio Renascença. Houve excessos nessa altura, a esta distância?

Jerónimo de Sousa - Essa ligação à responsabilidade de rebentar uma bujarda não sei onde…

Não falei na responsabilidade do Partido Comunista Português.

Jerónimo de Sousa - Mas não é fácil fazer essa ligação. Durante esses dias, com a revolução em marcha, os trabalhadores foram a mola fundamental para resistir à implementação de um regime que liquidaria a recente revolução.

No meio disso tudo houve excessos que foram cometidos?

Jerónimo de Sousa - Sem dúvida. Mas não morreu ninguém.

Carlos Carvalhas - Houve excessos porque também houve excessos de resistência e de contra-revolução.

Queria falar da relação do PCP com um eleitorado dito mais conservador. A posição, por exemplo, do PCP relativamente à despenalização da eutanásia aproxima o partido desse eleitorado?

Paulo Raimundo - Se há coisa que eu penso que temos o mérito é que não assumimos as nossas posições em função de cálculos eleitorais. Definimos as nossas posições a partir daquilo em que acreditamos e das convicções que temos. São posições fundamentadas, não surgem em função deste ou daquele cálculo eleitoral.



Raimundo, Jerónimo e Carvalhas no parlatório do Forte de Peniche Foto: Ricardo Fortunato/RR
Raimundo, Jerónimo e Carvalhas no parlatório do Forte de Peniche Foto: Ricardo Fortunato/RR

E no que diz respeito à interrupção voluntária da gravidez, há novas propostas em cima da mesa para alargar a possibilidade do aborto até às 12 semanas como propõe o PS ou 14 como propõe o Bloco de Esquerda. Qual é a posição do PCP relativamente a estas duas propostas?

Paulo Raimundo - O nosso projeto inicial tinha as 12 semanas como proposta. Depois, como sabem, houve o referendo e por aí fora que levou a que a solução encontrada fosse a das 10 semanas.

Devíamos refletir, todos aqueles que são a favor da interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher, se o momento em que estamos e vendo a correlação de forças que existe no plano institucional, se é o momento apropriado para voltar a pôr em causa um aspeto que está consagrado.

E acha que não é? 

Paulo Raimundo - Acho que é preciso ter em conta isso. Vemos a correlação de forças e concluímos que, acima de tudo, é preciso não permitir que, a propósito de supostos avanços, as coisas andem para trás. Porque a correlação de forças de hoje é tudo para andar para trás, não é para andar para frente.

É para ficar como está? 

Paulo Raimundo - A nossa posição é a favor das 12 semanas, como foi desde sempre. Havendo essa proposta, naturalmente, em coerência, acompanharemos. O que eu chamo a atenção é ter em conta se nós estamos no momento de mexer nisso.



Sobre os renovadores comunistas, há arrependimento pelo processo que levou à expulsão de militantes do PCP e as coisas a esta distância até podiam ter acontecido de maneira diferente?

Carlos Carvalhas - Claro que as coisas poderiam sempre ter acontecido de maneira diferente. Mas aconteceram assim. A decisão não foi minha, foi do coletivo e num processo que já vinha de trás a seguir à queda da União Soviética. Foram momentos muito difíceis, com questões também pessoais. Portanto, é um processo que, naturalmente, lamento, gostaria que não se tivesse verificado, mas verificou-se. Creio que não tenho na minha consciência nada a pesar-me. Lutei e dei a minha contribuição coletivamente para a unidade do partido e para que o partido não se esfrangalhasse e que mantivesse no essencial a sua força.

Jerónimo de Sousa - Nós não calámos a boca a ninguém. O coletivo reuniu, decidiu, estava em causa o programa do partido e os estatutos do partido, saíram alguns ex-camaradas. É uma perda, é o sentimento que tenho, mas a democracia é assim mesmo, funcionou e considerou o comportamento inaceitável. De qualquer forma, sempre com esta ideia: a porta está aberta a quem quiser entrar.

Paulo Raimundo - Passámos por esse processo todos, os que estamos aqui e outros, mais valia não termos passado por ele, tinha sido mais positivo. Teve uma grande vantagem, foi um grande momento do ponto de vista da batalha política e ideológica. Há pessoas que, na altura, queriam um partido diferente daquilo que ele é e o partido decidiu que devia ser como é. O partido é como é, com os seus princípios, normas de funcionamento, democracia interna, estatutos. Há outras pessoas que saíram por conflitos pessoais. Estamos numa situação em que todos os que temos são poucos para enfrentar a dramática situação exigente que temos pela frente. Todos aqueles que olham para o partido como ele é, com os objetivos que tem, com os princípios de funcionamento que tem, sem surpresas, são todos bem-vindos. Aqueles que queriam um partido diferente não podem estar à espera de que o partido se ajuste à vontade deles.

O PCP pode dar-se ao luxo de perder militantes? Há dias disse numa entrevista à agência Lusa que houve uma perda de 5 mil militantes nos últimos 5 anos.

Paulo Raimundo - Nos últimos 4 anos, houve cerca de 5 mil pessoas que deixaram o partido. Infelizmente, uma parte delas, a parte considerável, foi por falecimentos e, nesse mesmo período, entraram apenas 3 mil e 500.  Isso quer dizer que entre os que saíram e os que entraram não houve uma compensação. Sendo que desses 3 mil e 500 que entraram, 70% têm menos de 40 anos. Corresponde um bocadinho à aquela dinâmica de sangue novo, novas gerações, gente no ativo, nos locais de trabalho. Nós queremos mais. 3 mil e 500 novos militantes, neste período, nestas condições, neste quadro de ofensiva ideológica e política contra nós, são 3 mil e 500 combatentes para o que der e vier.

Atualmente, não dava para expulsar ninguém, não é?

Paulo Raimundo - Se as pessoas não cumprirem os estatutos do Partido e se não saírem têm de ser expulsos. Isso é uma evidência. Não pense que nós ficamos à rasca. Ninguém faz isso com gosto. Sinceramente, nestes últimos anos não estou a ver que tenha havido alguma expulsão no partido. Mas as regras são iguais para todos. Para mim, para o Jerónimo, para o Carvalhas, isso é uma evidência.

Vamos ao período da geringonça. Houve alguma espécie de arrependimento, apesar de a decisão ter sido tomada de forma coletiva?

Jerónimo de Sousa - Não. Continuo a considerar que foi justa a orientação e as decisões da direção do partido em relação ao documento da nova fase da vida política nacional. Procurámos com força, com empenhamento, confrontar o PS com propostas e procurar alterá-las. O PS discutiu ali ao milímetro, nós discutimos ao milímetro, mas havia ali questões que são próprias da natureza do PS. Em relação à segurança social, à educação, ao trabalho. São questões cruciais. E o PS disse não, nem mais um passo atrás.



A chegada ao Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche Foto: Ricardo Fortunato/RR
A chegada ao Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche Foto: Ricardo Fortunato/RR

Há alguma hipótese de repetir-se o cenário que levou a uma geringonça? 

Paulo Raimundo - Acho que essa é uma pergunta que o PS tem muita dificuldade em responder, depois daquilo que fez neste Orçamento do Estado.

Vamos para o último bloco desta conversa. O que é que representou a queda do muro de Berlim para o PCP?

Carlos Carvalhas - A hecatombe da União Soviética teve repercussões em todo o mundo na relação de forças e vimos depois o que se passou.

Ao PCP criou também grandes dificuldades, naturalmente, mas nós não nos limitámos a olhar e a ficar deprimidos. Fizemos um congresso como nenhum outro partido comunista fez na altura, fizemos uma autocrítica, uma avaliação das forças e das causas que levaram a essa hecatombe. E dissemos que o mundo não ia ficar melhor nem nas questões da paz nem nas questões sociais nem nas questões da democracia.

O que nós dissemos foi o seguinte, neste momento a correlação de forças vai ser extremamente desfavorável e extremamente negativa para os povos. Há as questões ecológicas, importantíssimas. Mas, veja o que é que se passou, qual é a maior ameaça ao planeta? São os plásticos? É o CO2? Ou é a guerra da Ucrânia que pode levar isso tudo pelos ares? Estas são questões que decorrem também da hecatombe que se verificou com a União Soviética e com a perda de força de todos os partidos comunistas. Um partido comunista e o comunismo fazem falta ao progresso da humanidade? Não tenho dúvidas sobre isso.

Há uma nova geração que pode ter-se afastado do Partido Comunista Português por causa da guerra da Ucrânia? 

Jerónimo de Sousa - Não, estou convicto que não. Não chamaria afastamento, mas abandono, mas não me interessa.

As pessoas abandonaram o Partido Comunista Português por causa disso? 

Jerónimo de Sousa - É um não querer saber, particularmente aqueles que são mais massacrados no plano social das suas vidas. Têm, de facto, um posicionamento de indiferença não querem comprometer-se. Estou a generalizar, é evidente que há muitos que se interessam e desenvolvem a sua luta. A juventude, como é que eles sabem aquilo que deviam saber, quando são muitas vezes os próprios docentes a terem a responsabilidade e depois não respondem aos jovens de uma forma atrativa? E eu acho que há milhares de professores com estas condições. Acredito que os jovens um dia vão descobrir que há outra realidade, que há outras possibilidades.

A Rússia, a Coreia do Norte, a China, a Venezuela, são democracias?

Paulo Raimundo – E o Irão, a Arábia Saudita, Angola, a Argentina a Geórgia, a Moldávia. Vamos por aí e nunca mais acaba.

Coloca todos no mesmo saco? 

Paulo Raimundo - Não. Têm as formas de organização que o povo de cada um dos países decidiu que devem ter e será o povo desses países e mais nenhum povo de outro país a definir quais são os rumos que cada povo deve tomar.

Mas gostaria de ver algum destes regimes que existem nestes países, nomeadamente na China na Rússia, na Coreia do Norte, na Venezuela e os outros que mencionou, gostaria de ver algum destes regimes por exemplo em Portugal? 

Paulo Raimundo - Claro que não, mas é isto que estou a dizer-lhe. Então nós lutámos tanto durante 48 anos para acabar com o fascismo do nosso país, somos construtores do regime democrático.

Carlos Carvalhas - Quando nos referimos a estes países nunca nos referimos do ponto de vista de modelo de democracia. O que nós apontamos a estes países é que são países que fazem frente à tentativa de domínio mundial dos Estados Unidos da América, essa grande democracia em que o Presidente decreta que o seu filho não será condenado nem agora, nem no futuro.

O Tribunal Penal Internacional tem um mandado de captura contra Vladimir Putin e também Netanyahu. Se o presidente russo e o primeiro-ministro de Israel, por alguma eventualidade, passassem por Portugal deviam ou não ser detidos? 

Paulo Raimundo - O Tribunal Penal Internacional dá sempre uma no cravo e outra na ferradura. É uma instituição sobre a qual, às vezes, há dois pesos e duas medidas. E nem todos os países são subscritores do Tribunal Penal Internacional. Portugal é, ainda que esteja na moda que subscritores do próprio Tribunal Penal Internacional decidem o que fazem em função dos foragidos. Vimos a França dizer que se o Netanyahu for, pode ir, isto é a hipocrisia total e é o cinismo total. Acho que Portugal, como membro e subscritor do Tribunal Penal Internacional, teria de cumprir aquilo que está obrigado perante o Tribunal Penal Internacional.

Ou seja, devia deter quer Vladimir Putin, quer Netanyahu?

Paulo Raimundo - Se Portugal subscreve o Tribunal Penal Internacional, só tinha duas hipóteses. Ou era hipócrita e cínico, como se vê na maioria dos países em que escolhe uns em detrimento de outros ou, então, tem de aplicar aquilo de que é subscritor, independentemente da avaliação que o próprio possa fazer sobre o Tribunal Penal Internacional.


Ficha técnica: Cristina Nascimento e Susana Madureira Martins (entrevista), Ana Kotowicz (textos), Ricardo Fortunato, Beatriz Pereira e Catarina Santos (imagem e edição), José Ferreira, Diogo Rosa e José Loureiro (som), Diogo Casinha (edição de som), Tomás Anjinho Chagas (rádio e textos), Pedro Leal, Arsénio Reis e Maria João Cunha (coordenação)


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