Há alguma hipótese de repetir-se o cenário que levou a uma geringonça?
Paulo Raimundo - Acho que essa é uma pergunta que o PS tem muita dificuldade em responder, depois daquilo que fez neste Orçamento do Estado.
Vamos para o último bloco desta conversa. O que é que representou a queda do muro de Berlim para o PCP?
Carlos Carvalhas - A hecatombe da União Soviética teve repercussões em todo o mundo na relação de forças e vimos depois o que se passou.
Ao PCP criou também grandes dificuldades, naturalmente, mas nós não nos limitámos a olhar e a ficar deprimidos. Fizemos um congresso como nenhum outro partido comunista fez na altura, fizemos uma autocrítica, uma avaliação das forças e das causas que levaram a essa hecatombe. E dissemos que o mundo não ia ficar melhor nem nas questões da paz nem nas questões sociais nem nas questões da democracia.
O que nós dissemos foi o seguinte, neste momento a correlação de forças vai ser extremamente desfavorável e extremamente negativa para os povos. Há as questões ecológicas, importantíssimas. Mas, veja o que é que se passou, qual é a maior ameaça ao planeta? São os plásticos? É o CO2? Ou é a guerra da Ucrânia que pode levar isso tudo pelos ares? Estas são questões que decorrem também da hecatombe que se verificou com a União Soviética e com a perda de força de todos os partidos comunistas. Um partido comunista e o comunismo fazem falta ao progresso da humanidade? Não tenho dúvidas sobre isso.
Há uma nova geração que pode ter-se afastado do Partido Comunista Português por causa da guerra da Ucrânia?
Jerónimo de Sousa - Não, estou convicto que não. Não chamaria afastamento, mas abandono, mas não me interessa.
As pessoas abandonaram o Partido Comunista Português por causa disso?
Jerónimo de Sousa - É um não querer saber, particularmente aqueles que são mais massacrados no plano social das suas vidas. Têm, de facto, um posicionamento de indiferença não querem comprometer-se. Estou a generalizar, é evidente que há muitos que se interessam e desenvolvem a sua luta. A juventude, como é que eles sabem aquilo que deviam saber, quando são muitas vezes os próprios docentes a terem a responsabilidade e depois não respondem aos jovens de uma forma atrativa? E eu acho que há milhares de professores com estas condições. Acredito que os jovens um dia vão descobrir que há outra realidade, que há outras possibilidades.
A Rússia, a Coreia do Norte, a China, a Venezuela, são democracias?
Paulo Raimundo – E o Irão, a Arábia Saudita, Angola, a Argentina a Geórgia, a Moldávia. Vamos por aí e nunca mais acaba.
Coloca todos no mesmo saco?
Paulo Raimundo - Não. Têm as formas de organização que o povo de cada um dos países decidiu que devem ter e será o povo desses países e mais nenhum povo de outro país a definir quais são os rumos que cada povo deve tomar.
Mas gostaria de ver algum destes regimes que existem nestes países, nomeadamente na China na Rússia, na Coreia do Norte, na Venezuela e os outros que mencionou, gostaria de ver algum destes regimes por exemplo em Portugal?
Paulo Raimundo - Claro que não, mas é isto que estou a dizer-lhe. Então nós lutámos tanto durante 48 anos para acabar com o fascismo do nosso país, somos construtores do regime democrático.
Carlos Carvalhas - Quando nos referimos a estes países nunca nos referimos do ponto de vista de modelo de democracia. O que nós apontamos a estes países é que são países que fazem frente à tentativa de domínio mundial dos Estados Unidos da América, essa grande democracia em que o Presidente decreta que o seu filho não será condenado nem agora, nem no futuro.
O Tribunal Penal Internacional tem um mandado de captura contra Vladimir Putin e também Netanyahu. Se o presidente russo e o primeiro-ministro de Israel, por alguma eventualidade, passassem por Portugal deviam ou não ser detidos?
Paulo Raimundo - O Tribunal Penal Internacional dá sempre uma no cravo e outra na ferradura. É uma instituição sobre a qual, às vezes, há dois pesos e duas medidas. E nem todos os países são subscritores do Tribunal Penal Internacional. Portugal é, ainda que esteja na moda que subscritores do próprio Tribunal Penal Internacional decidem o que fazem em função dos foragidos. Vimos a França dizer que se o Netanyahu for, pode ir, isto é a hipocrisia total e é o cinismo total. Acho que Portugal, como membro e subscritor do Tribunal Penal Internacional, teria de cumprir aquilo que está obrigado perante o Tribunal Penal Internacional.
Ou seja, devia deter quer Vladimir Putin, quer Netanyahu?
Paulo Raimundo - Se Portugal subscreve o Tribunal Penal Internacional, só tinha duas hipóteses. Ou era hipócrita e cínico, como se vê na maioria dos países em que escolhe uns em detrimento de outros ou, então, tem de aplicar aquilo de que é subscritor, independentemente da avaliação que o próprio possa fazer sobre o Tribunal Penal Internacional.
Ficha técnica: Cristina Nascimento e Susana Madureira Martins (entrevista), Ana Kotowicz (textos), Ricardo Fortunato, Beatriz Pereira e Catarina Santos (imagem e edição), José Ferreira, Diogo Rosa e José Loureiro (som), Diogo Casinha (edição de som), Tomás Anjinho Chagas (rádio e textos), Pedro Leal, Arsénio Reis e Maria João Cunha (coordenação)