PS comemora aniversário a atirar a Marcelo: "Tem banalizado a figura da dissolução"

Os socialistas não escondem o desconforto com os sucessivos avisos do Presidente da República de que não abdica do poder de dissolução do Parlamento e apontam a Marcelo Rebelo de Sousa uma "banalização" dessa figura. Trata-se de um "jogo que não interessa à democracia" avisa-se no PS, no dia em que o partido comemora 50 anos.

19 abr, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins



 Foto: António Cotrim/Lusa
Foto: António Cotrim/Lusa

Encharcado em casos e polémicas, com uma comissão de inquérito à gestão da TAP a morder os calcanhares aos protagonistas da maioria absoluta, o PS comemora os 50 anos de existência num contexto político que o estado maior do partido assume que "não é manifestamente fácil".

À Renascença, um alto dirigente socialista garante que a conjuntura política "não afetará as comemorações" do aniversário, que esta quarta-feira e nos próximos dias irão distribuir-se por Lisboa e Porto, como veremos à frente, mas é impossível aos socialistas de topo esconderem o incómodo pela sucessão de polémicas dos últimos meses.

"O contexto político não é fácil, mas também não estamos habituados a tempos fáceis", diz à Renascença a mesma fonte socialista. Ao partido pesa agora a conversa repetida da dissolução do Parlamento e o Presidente da República não sai ileso de responsabilidades por esse peso.

"O Presidente da República tem banalizado a figura da dissolução", sintetiza este alto dirigente socialista, que concede que "não só ele" tem feito essa banalização, mas o facto de Marcelo Rebelo de Sousa salientar em vários momentos que não abdica desse poder causa óbvio desconforto à elite do PS.

No topo do partido salienta-se que "a figura da dissolução é absolutamente excecional na Constituição" e trata-se de um "instrumento último", sendo visto pela mesma fonte socialista como "muito negativo a banalização da dissolução como se de uma arma de arremesso político se tratasse".

À Renascença é garantido que "não há essa espada em cima do PS", que o Parlamento "já foi dissolvido em vários momentos, nomeadamente com Ramalho Eanes, por exemplo", mas é feita uma comparação: "Mário Soares nem nos últimos anos do cavaquismo usou a figura da dissolução", num remoque claro deste alto dirigente socialista a Marcelo.

Face aos recentes avisos do Presidente feitos em Murça de que o "Governo não pode dar por garantido que, porque tem maioria absoluta, isso é um seguro de vida para não haver dissolução", e sobre a constante referência de que pode acontecer após as eleições europeias de 2024, a cúpula socialista questiona-se: "Depois das europeias? Mas porquê?"

Internamente, há a esperança que o voto de protesto contra o Governo não funcione. "Veremos até se não vai revelar uma debilidade à direita com fragmentação do voto à direita", assume a mesma fonte.

No PS não se joga com "outro cenário que não a vitória", mas uma eventual derrota também é desdramatizada. "Não seria a primeira vez que o partido no poder perderia as eleições" europeias, com a cúpula socialista a lembrar o desaire estrondoso de Durão Barroso em 2004.



Dissolução do Parlamento? "O Governo continua a ter uma maioria operacional"

No dia em que o PS comemora os 50 anos, o líder parlamentar admite "erros" da governação socialista - "com certeza" -, mas não antecipa para já um cenário de dissolução do Parlamento. Eurico Brilhante Dias considera que essa é uma "uma agenda da oposição que procura acelerar o ciclo político". Em jeito de recado a Marcelo Rebelo de Sousa, o dirigente socialista salienta que o PS "continua a ter uma maioria operacional para concretizar o seu programa eleitoral sufragado pelos portugueses".


Congresso em setembro e sem adiamento à vista à boleia de crises políticas

Para além do aniversário dos 50 anos, a vida interna do PS em 2023 deverá ficar marcada também pelas eleições diretas para a liderança e pelo Congresso ainda sem data fixada, mas que está apontado para setembro.

Segundo fonte socialista, o partido está à espera de "afinar a data para não coincidir, por exemplo, com o período legal de campanha das regionais da Madeira", que também ainda não têm calendário marcado, mas que estão previstas para o outono.

Questionado pela Renascença sobre se o Congresso não está sujeito a ser adiado, por exemplo, para o próximo ano, tendo em conta o atual quadro político, económico e social, um alto dirigente do PS garante não vislumbrar a esta distância "nenhuma alteração".

É ainda dito que o calendário do Congresso não é certo, mas que "não será fixado por essa via". Da cúpula do partido é mesmo dito à Renascença que se a reunião "for em janeiro não é por causa e efeito do momento político que vivemos, não vai haver essa causa/efeito".

Sócrates e Pedro Nuno Santos não são tabu

Numa altura em que o PS e o Governo vivem embrulhados em polémicas, uma das mais recentes provocada pelas audições na comissão de inquérito à gestão da TAP e que está a triturar politicamente Pedro Nuno Santos, que vantagem existe em ter o ex-ministro das Infraestruturas presente em qualquer ponto das comemorações?

Qual é a vantagem, tendo em conta a tensão entre o primeiro-ministro e Pedro Nuno Santos, que ficou implícita nas recentes declarações de António Costa à Lusa e depois muito clara no artigo do Observador sobre a fúria do líder socialista em relação ao ex-ministro?

Pedro Nuno, "naturalmente", foi convidado para as comemorações, garante fonte socialista, mas é incerto que apareça em qualquer dos eventos no meio de tanto barulho político. O ex-ministro quer manter-se afastado dos holofotes até setembro, sem dar entrevistas ou entrar em debates. Mas antes terá de assumir em julho o lugar de deputado e ser ouvido no inquérito.

À Renascença, um dirigente socialista salienta que a comissão de inquérito "ainda vai ter muitos momentos" e que "é importante ouvir todos os testemunhos", incluindo o do ex-ministro.


António Campos: "PS não tem nada a ver com o partido que fundámos". A "degradação é total"

No dia em que o PS assinala os seus 50 anos, António Campos traça um cenário negro do partido, considerando que "não está ligado aos valores da sua fundação na totalidade". Este antigo dirigente socialista divulga, esta quarta-feira, uma carta aberta a António Costa cuja governação acusa de estar a promover a extrema-direita: "Acabaram com o PCP, acabaram com o CDS e criaram o Chega".


A mesma fonte garante que "não há ninguém excluído da história do partido" e isso vale, tanto para o antigo secretário-geral do PS José Sócrates, que não foi convidado para as comemorações dos 50 anos do partido, porque já não é militante, como vale para Pedro Nuno.

"Ninguém apaga José Sócrates da história do PS", é garantido pela cúpula do partido. O ex-líder do partido "terá cartazes na exposição" que será inaugurada esta quarta-feira na sede em Lisboa e à Renascença é dito que "não há tabus" em relação ao antigo secretário-geral que deu ao PS a primeira maioria absoluta.

Ora, é ainda dito à Renascença que, "por maioria de razão, também em relação a Pedro Nuno Santos não há" tabu. Há um convite feito àquele que tem sido sempre dado como potencial candidato a líder do partido e se quiser aparecer, aparece.

Da homenagem a Soares à festa popular no Porto

As comemorações dos 50 anos do PS são a "oportunidade de todas as gerações saberem o papel atual, mas também o papel histórico" do partido, explica um alto dirigente do partido. Esta quarta-feira de manhã os socialistas têm encontro marcado no cemitério dos Prazeres, em Lisboa, para uma homenagem aos fundadores Mário Soares e Maria Barroso.

É onde irá discursar António Costa que segue depois para o Largo do Rato, em Lisboa, para a inauguração de uma galeria sobre cartazes da história do PS, onde será apresentado um selo comemorativo do aniversário com grafismo produzido pelo próprio partido. Aí será também apresentado o desenho de uma obra de arte urbana.

À noite, os socialistas vão jantar ao Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, em que estão previstas intervenções do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, e do antigo presidente do Governo de Espanha, Felipe Gonzalez. É uma sessão onde está previsto que também intervenha o ex-presidente do Parlamento Jaime Gama.

No domingo, as comemorações seguem para norte com a Festa Popular em que Quim Barreiros e Bárbara Tinoco fazem parte do cartaz. No Pavilhão Rosa Mota, no Porto, as intervenções políticas vão ficar a cargo do chefe do Governo espanhol e líder do PSOE, Pedro Sánchez e do presidente do Partido Socialista Europeu (PSE), Stefan Löfven, ex-primeiro-ministro da Suécia.

Pelo meio há outras iniciativas no âmbito das comemorações, mas não exclusivamente organizadas pelo PS. Na quinta-feira está prevista uma conferência no ISCTE, em Lisboa, organizada pela Fundação Friedrich Herbert em que estará presente Martin Schulz, antigo presidente do Parlamento Europeu e onde irá intervir Augusto Santos Silva, presidente do Parlamento.


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