António Campos: "PS não tem nada a ver com o partido que fundámos". A "degradação é total"

No dia em que o PS assinala os seus 50 anos, António Campos traça um cenário negro do partido, considerando que "não está ligado aos valores da sua fundação na totalidade". Este antigo dirigente socialista divulga, esta quarta-feira, uma carta aberta a António Costa cuja governação acusa de estar a promover a extrema-direita: "Acabaram com o PCP, acabaram com o CDS e criaram o Chega".

19 abr, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins



Foto: Lusa
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Aos 84 anos, António Campos faz um retrato negro do atual PS que ajudou a fundar e em que foi peça-chave ao lado de Mário Soares. Esta quarta-feira publica uma carta aberta ao secretário-geral socialista no jornal Tal & Qual em que explica a António Costa as razões para recusar o convite para estar presente no jantar de aniversário dos 50 anos do partido.

"O PS não está ligado aos valores da sua fundação na totalidade", começa por dizer António Campos em conversa com a Renascença. Recuando aos primeiros anos do partido, o antigo dirigente socialista salienta que "a maior reforma que foi feita foi num Governo com o CDS em que foi criado o Serviço Nacional de Saúde". E a conclusão é que "o que se assiste hoje não é nada disso".

Muito crítico do atual rumo do partido, António Campos acusa este PS de António Costa de ter ajudado ao crescimento da extrema-direita no país: "Acabaram com o PCP, acabaram com o CDS e criaram o Chega. Portanto, não me revejo, porque não tem nada a ver com o partido que fundámos", conclui o socialista.

O antigo braço direito de Mário Soares alerta para os perigos de o próprio PS alimentar um partido como o Chega: "Hoje o que eu vejo crescer é o partido de Deus, Pátria e Família salazarista que foi criado nesta estrutura e que põe em risco todos os princípios e valores a que dediquei uma vida".

Campos lamenta o que considera ser "uma degradação total" das instituições. "Uma pessoa como eu, que desde os meus 18 anos até me reformar a minha batalha foi sempre a democracia e a liberdade, assiste com preocupação ao que se está a passar em Portugal", assume.

O cenário descrito por este fundador do PS é sombrio. "Todas as instituições, que nos deram imenso trabalho a criar, estão hoje todas a desmoronar, todas". E fica o lamento por uma certa anestesia do partido: "Não há o combate que houve, por exemplo, entre o 25 de abril e o 25 de novembro para nos garantir direitos, liberdades e garantias aos cidadãos. Todas as instituições estão em crise".

Questionado sobre exemplos em que o Governo de António Costa tem falhado, Campos fala da falta de "coesão territorial". Para o fundador do PS, o problema da habitação passa muito pelo abandono do território.


"Mais de 70% do país está abandonado, há uma baixa densidade populacional, o território está a ser ocupado por estrangeiros que, felizmente, vão ocupando alguma parte do território, sobretudo estrangeiros reformados", explica António Campos, que conclui:" Não há coesão territorial nenhuma".

É ainda dado outro exemplo do que António Campos considera ser a falta de ação do partido e do Governo: "Discute-se o problema da alimentação, mas nós somos dependentes do exterior mais de 70% e o que se discute é o IVA zero, não se discute os recursos naturais disponíveis e a sua utilização", lamenta o socialista.

Perante um PS e um Governo constantemente encharcados em casos e polémicas, António Campos também não vê um Presidente da República a atuar da melhor maneira. Marcelo "é o responsável constitucional responsável pelo funcioanamento das instituições, mas nunca o ouvi falar disso", despacha o socialista.

Mesmo tendo em conta que o Presidente da República, por diversas vezes, tem vincado que não abdica do poder de dissolver o Parlamento, António Campos considera que "a degradação é total, mas o silêncio do Presidente é total".

Para o antigo dirigente e fundador do PS, Marcelo e Costa estão no mesmíssimo patamar: "O Presidente não tem muita autoridade para poder penalizar um Governo que também não está a defender os direitos as liberdades e garantias constitucionais. Portanto, são os dois um pouco iguais".

Por tudo isto, António Campos recusa-se a estar presente no jantar para o qual foi convidado pelo estado-maior do PS e que está marcado para esta quarta-feira no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa e que assinala a fundação do partido a 19 de abril de 1973 na Alemanha.

Na Alemanha? Campos salienta que os alicerces do partido são muito anteriores. O PS "foi criado em minha casa. Tive uma batalha entre 1964 até 1973 muito grande para se transformar em partido".

Um partido "negado em Lisboa pela Acção Socialista" e depois "numa reunião clandestina" em casa de Campos foi revogada "a decisão dos membros da Acção Socialista de Lisboa, criando o PS que era fundamental para o Mário Soares, que estava no exílio e precisava de apoio internacional e, principalmente, dentro da Internacional Socialista".

Precisamente, Mário Soares será homenageado esta quarta-feira de manhã numa cerimónia no cemitério dos Prazeres, em Lisboa, onde está sepultado o fundador e líder histórico do PS, partido que chega agora ao meio século de existência, detentor de uma maioria absoluta, mas envolvido em diversos "casos e casinhos", como lhes tem chamado António Costa.


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