"Próximos da população e da floresta". Militares no terreno ajudam a evitar novos incêndios

Cerca de 300 elementos das Forças Armadas estão distribuídos pelas zonas mais afetadas pelos incêndios no norte e centro do país, ajudando a fazer o rescaldo dos fogos. A Renascença acompanhou um dos pelotões que fazem estas rondas e ações de vigilância em estreita colaboração com os bombeiros e proteção civil.

21 set, 2024 - 09:10 • Miguel Marques Ribeiro



Veja a reportagem

O casal Tavares sai da sua casa em Telhadela com o coração nas mãos. A presença de carrinhas do Exército e de um carro da GNR nas imediações fá-los suspeitar que o fogo estará de novo a rondar-lhes a casa.

“Está a arder?”, pergunta Goreti Tavares, subindo a rua, em sobressalto, logo seguida pelo marido. “Alguma coisa se passa e não é grande coisa”, desabafa.

Decorreram quatro dias sem que o incêndio tenha dado tréguas, neste lugar recôndito de Oliveira de Azeméis. Um pouco mais à frente, o nariz da carrinha de um vizinho mostra-se no final de um caminho de terra que vem do lado do rio Caima, mas ele não se detém para dar informações. Avança a toda a velocidade, a ver se a sua habitação está ameaçada.

É o homem fardado que vem logo atrás, apeado, que confirma as piores previsões. “Está a arder na casa da senhora estrangeira”.

"Bater zonas constantemente"

O militar faz parte de um de seis pelotões das Forças Armadas que foi colocado na região de Palmaz, em Oliveira de Azeméis, uma área de 60 km2 afetada pelos incêndios que lavraram na última semana no norte e centro do país.


Cerca de 300 militares desenvolvem ações de reconhecimento, vigilância e rescaldo nas zonas afetadas pelos incêndios. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Cerca de 300 militares desenvolvem ações de reconhecimento, vigilância e rescaldo nas zonas afetadas pelos incêndios. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

Chegaram ao terreno na quarta-feira, em condições muito difíceis. "Quando chegámos estava um bocado caótico, o ar estava um bocado irrespirável", recorda o comandante Rui Ribeiro. Nessa altura chegaram a contabilizar 17 ignições em média por hora.

O tenente de infantaria explica a função dos catorze homens que tem a seu cargo. “Surgimos como um elemento que faz reconhecimento nas zonas críticas e bate zonas constantemente”.

O objetivo não é substituir os bombeiros, “esses sim, especialistas no combate a incêndios”, nota o oficial.

“Nós atuamos quase como um contacto próximo da população e da floresta para os bombeiros, porque estes não conseguem bater todas as frentes e têm de empregar os seus meios nos grandes incêndios”, explica.


Foi o que aconteceu neste caso. Assim, que o reatamento das chamas se tornou visível, os populares lançaram o alerta e o pelotão dirigiu-se ao local.

“Chegamos, avaliamos a situação, começamos a intervir”. A ideia é tentar controlar a ignição, evitar que ela evolua para um fogo que exija o recurso a meios que possam fazer falta noutros locais, libertando assim os bombeiros para o combate aos focos de incêndio mais exigentes.

No total, cerca de 300 militares desenvolvem este tipo de ações de reconhecimento, vigilância e rescaldo.


Um militar é fotografado durante uma pausa. O apoio dos militares permite libertar os bombeiros para o combate aos focos de incêndio prioritários. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Um militar é fotografado durante uma pausa. O apoio dos militares permite libertar os bombeiros para o combate aos focos de incêndio prioritários. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
“Era um fogo que estava num declive muito acentuado e os nossos meios não conseguiam chegar ao incêndio" explica o tenente Rui Ribeiro. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
“Era um fogo que estava num declive muito acentuado e os nossos meios não conseguiam chegar ao incêndio" explica o tenente Rui Ribeiro. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR


Munidos de pás para abafar o fogo

Para já, o fogo permanece longe das habitações, consumindo um silvado junto ao açude da Talisca. No entanto, o perigo parece estar à espreita. As árvores carbonizadas, algumas tombadas, que existem por ali, comprovam que as chamas já passaram naqueles terrenos. Se as labaredas conseguirem trepar ladeira acima podem alcançar uma casa situada a algumas dezenas de metros.

No local há muito fumo. Munidos de enxadas e pás os militares tentam perceber onde está a origem do fogo.

“Agora dá para ver!”, diz um deles. “Aonde?”, ouve-se alguém perguntar. “Ali, ali”, responde o outro, apontando.


Com as ferramentas atira-se terra, tenta-se abafar as chamas. Mas estas dão luta, proliferam aproveitando o tempo seco, como tantas vezes tem acontecido nos últimos dias.

O extintor dorsal é também chamado a intervir, mas a pouco e pouco a necessidade de chamar ao local a corporação dos bombeiros começa a impor-se.

“Não, não dá. Está muito para lá e muito encostado”, admite um dos militares mais próximo das labaredas.

"Sem comunicações"

Assim, não tardou muito para que os bombeiros fossem chamados. “Era um fogo que estava num declive muito acentuado e os nossos meios não conseguiam chegar ao incêndio. A própria vegetação, as silvas não nos permitiram aproximar. Tive de, através das minhas comunicações, chamar uma equipa dos bombeiros”, explica o comandante Rui Ribeiro.


O comandante do pelotão desloca-se para uma área aberta para conseguir comunicar através do rádio SIRESP. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
O comandante do pelotão desloca-se para uma área aberta para conseguir comunicar através do rádio SIRESP. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

Contudo, nessa altura surgem novos problemas para resolver. O pelotão tenta por várias vezes fornecer as coordenadas ao posto de comando, mas sem sucesso. "Sem comunicações”, desabafa o militar munido de walkie-talkie, no final de mais uma chamada infrutífera.

Naquele caso, por razões práticas, estavam a ser usados "rádios que não têm tecnologia satélite”, explica o tenente Rui Ribeiro.

Foi preciso o comandante descer à pequena barragem de Talisca e usar o rádio SIRESP para finalmente conseguir comunicar com um superior, que por sua vez transmitiu a informação ao posto de comando.

Se [o fogo] for de origem não natural, humana, querem que a zona ardida aumente de tamanho e se prolongue para outras fases - Tenente Rui Ribeiro

Ao local chegou, pouco depois, um carro da corporação de Aveiro-Novo que fez um ataque mais musculado, mas não definitivo.

Algum tempo após a partida dos bombeiros, segundo os populares, o fogo voltou a dar sinal de vida, lento e casmurro, mas não tão persistente como os povo de Telhadela. “É preciso botar-lhe mais água”, disse o vizinho que tem a casa na linha do fogo, antes de partir para encher o tanque que transportava na caixa aberta da carrinha.

"Isto é impossível não ser posto"

O pelotão apresta-se a continuar ronda. De reativação em reativação, trabalho não tem faltado. Mas o que estará na origem de tantas ignições?


Militares e bombeiros aproveitam uma pausa no trabalho de combate às chamas. Ao local chegou um carro da corporação de Aveiro-Novo.  Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Militares e bombeiros aproveitam uma pausa no trabalho de combate às chamas. Ao local chegou um carro da corporação de Aveiro-Novo. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

“Cerca de trinta, quarenta por cento [dos nossos incêndios] surgem em zonas no limiar, entre zona ardida e zona não ardida. O que me leva a entender que possivelmente se for de origem não natural, humana, querem que a zona ardida aumente de tamanho e se prolongue para outras fases”, declara o tenente de infantaria Rui Ribeiro.

E no caso, concreto, ocorrido na Telhadela, qual terá sido a origem do reacendimento? Os operacionais asseguram que uma faúlha de um incêndio anterior esteve na origem do fogo, mas Goreti Tavares tem outra convicção.

“Isto é impossível não ser posto...”, diz. “Pode não ser”, contrapõe o marido, mais cauteloso. “Pode ser uma cepa velha, um bocado de vento”.


Gorette não se deixa convencer e os nervos, por estes dias, estão à flor da pele. A mulher impacienta-se: “Ò Hélder, tu desculpa!...”.

A gente tem de reagir. Tem de ter força para reagir - Goreti Tavares

O cansaço acumula-se. São já vários dias de um incessante combate para salvaguardar o que lhes é mais precioso. “Domingo ardeu ali tudo e nós é que andámos a apagar o fogo”, garante Goreti. “Quando os bombeiros chegaram, aquilo já estava cercado, se não tinha ardido tudo”, acrescenta Hélder.

Ainda assim, mesmo face às contrariedades, o casal não se deixa ir abaixo. Depois da breve discussão entre os dois, a cumplicidade vem de novo ao de cima, culminando numa estrondosa gargalhada da mulher.

É possível rir no meio de tantas contrariedades? “O que havemos de fazer? A vida continua. A gente tem de reagir. Tem de ter força para reagir”. E o casal regressa a casa. Ainda há trabalho a fazer até que o fogo se vá de vez e a paz regresse em definitivo a este lugar.


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