Segunda linha de resposta: o Governo
O papel de um Governo, em momentos de tragédia, é muito diferente do de um Chefe de Estado. Afinal, é o executivo quem tem o poder. E é o executivo que tem de lidar, em grande medida, com as consequências e dar explicações.
Pode acontecer os incêndios tornaram-se um tema de debate eleitoral, uma espécie de cadastro político – como aconteceu com António Costa nas legislativas de 2019. Pode também acontecer um incêndio dar azo a mentiras como “o primeiro-ministro estava de férias” aquando da tragédia – o que também aconteceu com António Costa.
Retrospetivamente, nada disto é novo. Em 1985, o Governo de "Bloco Central" de Mário Soares e Rui Machete não foi poupado pela oposição.
A UDP (partido que viria a estar na génese do Bloco de Esquerda) acusou a coligação PS/PSD de ser “completamente incompetente para enfrentar estas ações criminosas” ou mesmo “convivente com elas”. Já o CDS acusou o ministro da Administração Interna, Eduardo Pereira, de “visitas demagógicas” ao terreno, das quais nunca saiu “quaisquer medidas concretas”.
Em 1986, o executivo de Cavaco Silva foi mais reativo. Perante a suspeita de fogo posto, o então primeiro-ministro pediu celeridade ao Parlamento na regulamentação da legislação (já aprovada na generalidade) de penas mais pesadas “para que os que provocam a destruição do património florestal e pioram a vida das pessoas”.
Já com o virar do milénio, a narrativa mudou. Entraram no discurso político temas como as alterações climáticas e os fenómenos meteorológicos extremos.
Em 2003, Durão Barroso – após a morte de 21 pessoas e 425 mil hectares ardidos – viu-se no meio de um autêntico tumulto político. E disse: “O país deve colocar como prioridade da sua ação o repovoamento florestal, um tratamento mais moderno e eficaz da nossa floresta.”
A oposição não ficou satisfeita. Francisco Louçã, coordenador do BE, acusou todos os anteriores governos de “óbvia negligência”, de ficarem “à espera de que o verão do seu consulado seja mais fresco que o anterior”.
Três anos depois, José Sócrates geriu de forma diferente a morte dos seis bombeiros em Famalicão da Serra. António Costa (no papel de ministro da Administração Interna) lançou de imediato um inquérito ao sucedido.
Em 2013, o tema da política florestal voltou à baila. Na segunda quinzena de agosto, arderam quase 90 mil hectares, morreram nove pessoas (oito bombeiros e um civil). Dias antes da tragédia, Miguel Macedo, ministro da Administração Interna, disse que os incêndios “são uma inevitabilidade, dado o estado de abandono em que está uma grande parte da floresta”.
O que aconteceu em 2017, porém, superou todas as tragédias anteriores. Na noite em que deflagrou o incêndio em Pedrogão Grande, António Costa acompanhou a situação no Comando Nacional de Operações de Socorro da Autoridade Nacional de Proteção Civil, em Oeiras. No dia seguinte, foi ao terreno.
Aos jornalistas, o primeiro-ministro disse: “É, obviamente, prematuro tirar ilações sobre o que terá acontecido naquele local. Algo de muito especial aconteceu, seguramente, pela dimensão das vítimas que teve.” A lógica: contenção de danos e gestão de informação.
Aquele foi um verão de luto e luta política. E depois chegou 15 de outubro: uma nova onda de incêndios, mais 51 mortes. Para apurar responsabilidades, instituiu-se uma Comissão de Inquérito Parlamentar. Muitas conferências de imprensa, muitas críticas da oposição, muitas perguntas de jornalistas.
O que contrasta, para já, com os incêndios de 2024. Pedro Nuno Santos disse, esta quarta-feira, que, apesar de ter muitas questões, este “não é o momento de fazermos críticas ao Governo” de Luís Montenegro. Em todo o caso, o secretário-geral do PS não esqueceu:
“Não vamos fazer o que o PSD fez em 2017. Não estamos a pedir a cabeça de nenhum ministro, como aconteceu em 2017”, sublinhou o líder do PS.