À procura
A sede da Associação Solidariedade Imigrante fica num pequeno apartamento, junto ao Campo das Cebolas, em Lisboa. Os corredores estão apilhados de arquivos e estantes. Circular é um desafio.
Logo à entrada, onde fica a sala de espera, um grupo de imigrantes aguarda pela sua vez; precisam de ajuda na procura de emprego, alojamento ou legalização.
Timóteo Macedo, fundador e presidente da Associação Solidariedade Imigrante, recebe a Renascença. E, fazendo eco das palavras de Ricardo Pessôa, avisa: são muitos os imigrantes que são atraídos para Portugal e depois são “defraudados nas expectativas de vida”.
Há imigrantes cujos patrões prometem “pagar amanhã”, mas que não o fazem; patrões que garantem dar contrato – algo essencial para o processo de legalização -, mas arrastam essa responsabilidade para além do que é legal.
“Na pandemia, tivemos pessoas a trabalhar em restaurantes que não receberam salários, não tiveram acesso aos apoios. Fizemos algumas intervenções junto da Autoridade para as Condições para o Trabalho (ACT), umas com sucesso, outras nem tanto”, conta.
Não é de estranhar, então, que Timóteo Macedo não tenha a melhor das impressões do setor do turismo ou dos salários que oferece.
“Há uma cultura empresarial bastante recuada, para não falar do tempo das cavernas. Há dez anos a esta parte, em França, já aconteceu o mesmo. Os cafés deixaram de conseguir recrutar franceses, essencialmente por causa dos baixos salários, pela precariedade do trabalho”, diz.
Nas cozinhas de muitos restaurantes “ditos portugueses”, já trabalham “só imigrantes”. “Porquê? Salários baixos, um trabalho de horas sem fim. Porque as pessoas precisam muito do trabalho, então sujeitam-se muitas vezes a estas situações.” Em muitos casos, aponta, “não têm alojamento digno e adequado”. Alguns dormem, por exemplo, nos quiosques “onde vendem recordações de souvenirs” ou nos próprios restaurantes.
Ora, para o presidente da Associação Solidariedade Imigrantes, este é “um retrato do que os poderes políticos não querem reconhecer”.
“Se eles descessem cá abaixo, eles iam verificar porque é que morreram duas pessoas na Mouraria, porque é que as pessoas vivem amontoadas no casco velho de Lisboa. Porquê? As pessoas sabem porquê, mas não querem resolver o problema da habitação, do alojamento, de quem trabalha, de quem ajuda este país a crescer, de quem está a ajudar a [colmatar] falta de mão de obra em vários setores de atividade”, atira.
Timóteo Macedo chama Anabela Rodrigues, responsável pelo Espaço Emprego da associação, para a conversa. A mediadora cultural conhece bem os fluxos de oferta e procura de emprego na capital. Afinal, uma grande fatia do seu trabalho é ajudar na procura.
Com salários mensais de 760 euros, “é muito difícil alugar qualquer casa que seja, sobretudo em Lisboa. O centro tem rendas exorbitantes, mas se ele [o trabalhador] morar também muito longe também não vai conseguir trabalho”, nota.
Enquanto fala com a Renascença, quatro imigrantes aguardam na sala de espera. “Todos querem [trabalhar em] hotéis, mas a contratação nem sempre é fácil. Ou porque a língua tem de que ser aquela ou outra. Os [oriundos de países] francófonos têm mais dificuldade”, revela.
Por norma, os hotéis não contratam diretamente, recorrem a empresas de trabalho temporário, o que faz com os imigrantes trabalhem “para vários hotéis sem nunca realmente pertencer a um”. E “muito raramente [são contratados] para receção.”
Uma questão de preconceito? “O hotel quer ter outra cara à frente. Escudam-se na questão linguística.”
O caso dos restaurantes é diferente. Contratam diretamente, muito para “a copa ou na cozinha, mas nunca como um profissional especializado, embora alguns deles o sejam e pudessem ser pagos dessa maneira. Muitos com vínculos precários ou, eventualmente, a trabalhar muitas horas, para poder manter o contrato de trabalho”.
O cenário que Anabela desenha é fácil de corroborar, com um curto passeio pela baixa da capital.