Problemas a sul
Em janeiro, 174 jovens médicos – a maioria dos quais provenientes do “norte do país”, - escolheram o Centro Hospitalar do Algarve (CHUA) para fazer o internato. Destes profissionais, a maior fatia mudou-se para o distrito mais a sul do país com o propósito de completar a sua formação académica - ou seja, cumprir o conhecido ano comum. Apenas 45 migraram para fazer a especialidade.
Terminado o período de formação, “apenas 40%” destes jovens profissionais ficarão no CHUA, estima o diretor clínico. Uma taxa de retenção que, à primeira vista, pode parecer elevada, mas que, ainda assim, é insuficiente para suprir as necessidades.
“O que acontece é que estes profissionais nem sempre continuam nas especialidades que nós mais necessitamos. Por exemplo: uma das especialidades que nós formamos mais são internistas [profissionais de clínica geral], cerca de 50% ficam aqui. Mas nalgumas especialidades, como urologia, em que formamos um médico a cada ano, acabam quase sempre por voltar ao local de origem”, explica Horácio Luís Guerreiro à Renascença.
Em especialidades como ginecologia ou pediatria, a “taxa de fixação do CHUA é inferior a 50%”; faltam recorrentemente profissionais, o que condiciona a preparação das escalas dos serviços de urgência. Não por acaso, o bloco de partos de Portimão foi um dos que a direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) determinou que, ainda no arranque deste ano, devia encerrar quinzenalmente aos fins de semana.
Em muitos casos, os jovens médicos escolhem voltar aos seus distritos de origem, onde têm família ou até já habitação. Outros são recrutados pelo setor privado. “A concorrência é forte. As pessoas optam por sair dos hospitais públicos e encontrar colocação no privado, onde têm uma pressão [de trabalho] inferior e são mais bem remunerados”, diz o especialista.
Horácio Luís Guerreiro entende o porquê da fuga de profissionais. Em “hospitais carenciados”, “as exigências a nível de trabalho são maiores”, dado que a carga é “repartida por menos pessoas”. Ao mesmo tempo, os hospitais “carenciados” são também pouco eficientes. O CHUA, por exemplo, tem cerca de um terço dos anestesistas que deveria ter – 14 em detrimento de 43 -, “o que condiciona outras especialidades cirúrgicas e não só”.
Para gerir as escalas dos hospitais de Portimão e Faro, o diretor clínico do CHUA é, pois, obrigado a gerir recursos. “Há uma assimetria entre os nossos recursos de anestesia e os recursos da anestesia, por exemplo, do Porto. Só o Porto, digamos cidade e mais Gaia, deve ter 200 anestesistas. Tenho 14 anestesistas para todo o CHUA e mais alguns prestadores de serviços”, queixa-se.
Os anestesistas do CHUA estão, por isso, quase reservados em exclusivo para serviços de urgência e doenças oncológicas.
“As listas de espera cirúrgica crescem, algumas cirurgias mais demoradas acabam por ser proteladas. Essas mais demoradas são mais complexas e, de certa forma, mais aliciantes [para os jovens profissionais]. Portanto, há aqui um círculo vicioso de baixa produção, menos prática, menos atratividade para os profissionais”, afirma.
A urgência de pediatria é também um dos serviços mais asfixiados do CHUA. E para os quais é difícil encontrar alternativas:
“Não posso mandar uma criança de Faro para Lisboa, nem deveria mandar uma criança de Faro para Portimão ou vice-versa. São 70 quilómetros. Uma pessoa que tenha de vir de Vila do Bispo a Faro são 120 quilómetros.”
Em maio, recorde-se, um bebé de 11 meses morreu no hospital de Portimão enquanto aguardava transferência para Faro. E, já na semana passada, os serviços de maternidade, urgência e internamento pediátrico do Hospital de Portimão foram encerrados devido à falta de médicos. (A entrevista da Renascença com o responsável do CHUA ocorreu antes destes acontecimentos.)
Ao mesmo tempo, existem ainda carências estruturais. O CHUA tem “menos de uma cama por cada mil habitantes” e a “resposta social [no distrito] é insuficiente”. A média de tempo de internamento no CHUA “é elevada muito por conta dos casos sociais e também das cirurgias”.
“Não conseguimos dar resposta atempada e libertar camas. Os doentes têm muitas vezes que esperar vários dias para ser operados”, assume Horácio Luís Guerreiro.