Quem olha para a serra?
Joaquim Antunes foi guarda-florestal, em Valhelhas, durante 27 anos. E recorda-se de um tempo em que existiam, só no vale que contempla, mais três casas de guarda, mais três colegas de profissão, que calcorreavam e vigiavam a Serra da Estrela, dia-sim, dia-sim. “Quando viam um foco de fumo, deslocavam-se logo ao local e chamavam o socorro. Agora não há ninguém, a não ser os sapadores.”
Em 2014, ano em que se reformou, Joaquim era já o último naquele lugar. “Já não havia ninguém.” E ninguém, no entretanto, o veio substituir. “Hoje já não há ninguém a vigiar como antigamente”, queixa-se à Renascença.
Porquê? Em 2006, o primeiro Governo de José Sócrates extinguiu o Corpo Nacional da Guarda Florestal, por questões de “racionalidade e eficiência económica”, e passou a integrar estes profissionais na Guarda Nacional Republicana (GNR). “Na GNR, quem é que anda para lá a fazer vigilância nas matas? É de carro. Passar para aqui e para além. Agora vigilâncias no terreno nada”, aponta.
As rondas no terreno acabaram. Para trabalhar, Joaquim teve de começar a apresentar-se no posto da GNR de Manteigas. “Andávamos para aí a fazer voltas, para autuar. Mas a vigilância nada.”
O homem de 68 anos ostenta na cabeça, de forma orgulhosa, um boné do seu antigo ofício. É notório que gosta de falar do que foi em tempos. E que não perdeu o hábito de ver as veredas da serra como o seu escritório. Por isso mesmo, custa-lhe falar do combate ao incêndio que varreu a aldeia.
“Os bombeiros [vindos de fora] andavam para aí desorientados. Na noite de segunda, tive de ir a Belmonte com alguns pôr gasolina, por duas vezes, porque eles não sabiam o caminho para lá”, conta.
Pousada no topo de uma colina, a casa do guarda-florestal – onde Joaquim ainda mora, juntamente com a esposa –, não ardeu por pouco. Sozinho, assoberbado, colocou “as bilhas do gás dentro do tanque” e foi obrigado a fugir. “Estava um grande calor, a gente derretia.”
Uma pequena construção que servia de arrumo da casa foi destruída, o telhado abateu; entre outras coisas, uma motorizada antiga, que Joaquim utilizava para fazer as suas rondas, foi tomada pelas chamas. “Aprende-se é no terreno. Uma secretária é muito diferente do terreno”, sentencia.