Este é o quinto de nove capítulos do especial "Serra da Estrela, 29 mil hectares depois" sobre os incêndios que consumiram perto de 25% do Parque Natural da Serra da Estrela.
A casa de Paula ardeu. O telhado desabou e há vidros espalhados no chão; as labaredas deixaram decalques esfumados em todas as paredes, como se um gigante tivesse andado a arranhá-las com as unhas. E pouco mais resta. A moradia térrea, plantada no meio de um terreno agrícola numa das encostas da aldeia de Vale Formoso, foi a única casa de primeira habitação a ser atingida pelas chamas no grande incêndio que varreu a Serra da Estrela – e carbonizou cerca de 29 mil hectares.
Por mero acaso, a produtora de eventos, que costuma acolher hóspedes estrangeiros no terreno, estava fora em trabalho quando o fogo bateu à porta no dia 15 de agosto. Mas um casal belga que estava ali de férias teve de ser retirado. Dias antes, antecipando já o pior, Daniel Tavares, presidente da união de freguesias de Vale Formoso e Aldeia do Souto, entrou na propriedade “para soltar os cães que estavam presos”. “O incêndio ainda estava relativamente longe, mas o vento já era forte”, lembra.
O autarca de 46 anos caminha pelo meio dos escombros, mostra à Renascença os estragos e tenta encontrar uma explicação para o sucedido. “Vai demorar a recuperar a casa. É um grande investimento”, nota. Um dos cães – que fugiu quando o fogo chegou - regressou e ladra. Espera pela dona. Paula ainda não voltou. Não tem para onde voltar.
Tendo em conta que um veículo e um palheiro, a menos de 10 metros de distância da casa, escaparam ilesos, Daniel arrisca que o fogo “deve ter vindo pelo ar”. E acrescenta: “É desolador ver esta situação, quando há dias ainda estava tudo verdinho.” O terreno que circunda a habitação estava limpo, as árvores de fruto podadas. Mas de pouco adiantou.
Como aconteceu em várias povoações cravadas no geoparque, as chamas chegaram a Vale Formoso de forma súbita. Em pouco tempo, atingiram o centro da aldeia, onde ainda ardeu parte do telhado de uma casa desabitada e algumas hortas. “As pessoas mais antigas dizem que nunca viveram uma situação semelhante. Foi terrível.”