Vale Formoso. A casa de Paula ardeu. Quando é que voltará a ter uma?

Foi em Vale Formoso que ardeu a única casa de primeira habitação no grande incêndio que varreu cerca de 29 mil hectares na Serra da Estrela. Daniel Tavares, presidente da junta, diz que vai demorar tempo para a habitação ser recuperada. Perto de metade da freguesia foi afetada pelas chamas. “É desolador ver esta situação, quando há dias ainda estava tudo verdinho.”

06 set, 2022 - 07:00 • Fábio Monteiro , Maria Costa Lopes (vídeo)



Vale Formoso. A casa de Paula ardeu. Quando é que voltará a ter uma?

Este é o quinto de nove capítulos do especial "Serra da Estrela, 29 mil hectares depois" sobre os incêndios que consumiram perto de 25% do Parque Natural da Serra da Estrela.


A casa de Paula ardeu. O telhado desabou e há vidros espalhados no chão; as labaredas deixaram decalques esfumados em todas as paredes, como se um gigante tivesse andado a arranhá-las com as unhas. E pouco mais resta. A moradia térrea, plantada no meio de um terreno agrícola numa das encostas da aldeia de Vale Formoso, foi a única casa de primeira habitação a ser atingida pelas chamas no grande incêndio que varreu a Serra da Estrela – e carbonizou cerca de 29 mil hectares.

Por mero acaso, a produtora de eventos, que costuma acolher hóspedes estrangeiros no terreno, estava fora em trabalho quando o fogo bateu à porta no dia 15 de agosto. Mas um casal belga que estava ali de férias teve de ser retirado. Dias antes, antecipando já o pior, Daniel Tavares, presidente da união de freguesias de Vale Formoso e Aldeia do Souto, entrou na propriedade “para soltar os cães que estavam presos”. “O incêndio ainda estava relativamente longe, mas o vento já era forte”, lembra.

O autarca de 46 anos caminha pelo meio dos escombros, mostra à Renascença os estragos e tenta encontrar uma explicação para o sucedido. “Vai demorar a recuperar a casa. É um grande investimento”, nota. Um dos cães – que fugiu quando o fogo chegou - regressou e ladra. Espera pela dona. Paula ainda não voltou. Não tem para onde voltar.

Tendo em conta que um veículo e um palheiro, a menos de 10 metros de distância da casa, escaparam ilesos, Daniel arrisca que o fogo “deve ter vindo pelo ar”. E acrescenta: “É desolador ver esta situação, quando há dias ainda estava tudo verdinho.” O terreno que circunda a habitação estava limpo, as árvores de fruto podadas. Mas de pouco adiantou.

Como aconteceu em várias povoações cravadas no geoparque, as chamas chegaram a Vale Formoso de forma súbita. Em pouco tempo, atingiram o centro da aldeia, onde ainda ardeu parte do telhado de uma casa desabitada e algumas hortas. “As pessoas mais antigas dizem que nunca viveram uma situação semelhante. Foi terrível.”


“As pessoas mais antigas dizem que nunca viveram uma situação semelhante. Foi terrível”, conta Daniel Tavares à Renascença. Foto: Maria Costa Lopes/RR
“As pessoas mais antigas dizem que nunca viveram uma situação semelhante. Foi terrível”, conta Daniel Tavares à Renascença. Foto: Maria Costa Lopes/RR

O perdido

Muitos pomares de pessegueiros ficaram reduzidos a cinzas. “A Aldeia do Souto e Vale Formoso têm cerca 18 quilómetros quadrados. Se calhar metade foi atingido.”

Alguns dos idosos da povoação foram retirados e levados para o pavilhão desportivo da escola básica do Teixoso, outros fugiram para Belmonte por iniciativa própria. “Muitos aceitaram a ordem da GNR. E outros tiveram de ser chamados à atenção por causa do perigo real que havia. Passaram lá a noite”, conta Daniel.

Os bombeiros acudiram no que conseguiram. Havia, porém, um desconhecimento por parte dos operacionais no terreno, muitos dos quais vindos de Lisboa. “Notava-se. E isso dificultava o trabalho. Salvaram as casas, o que já foi importante”, comenta ainda o autarca.

Com o outono a aproximar-se, Daniel teme o que possa acontecer nas águas do concelho. “Com as primeiras chuvas, as cinzas vão descer e contaminar solos, rios, minas de água”, antecipa. E é por isso que acrescenta: “É preciso levantar os braços e fazer os esforços necessários para voltar ao que era antes.”


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