Este é o segundo de nove capítulos do especial "Serra da Estrela, 29 mil hectares depois" sobre os incêndios que consumiram perto de 25% do Parque Natural da Serra da Estrela.
11 de agosto, quinta-feira. O incêndio que lavra na Serra da Estrela – e que irá consumir quase 29 mil hectares, dos quais 22.065 pertencentes ao geoparque - começou há quase uma semana. Assim como muitas localidades vizinhas, a aldeia de Vale de Amoreira, freguesia do município de Manteigas, está sem telecomunicações. Dezenas, porventura centenas, de postes de eletricidade viraram carvão e ainda fumegam à beira da estrada.
As colinas que circundam a povoação, com cerca de 200 habitantes, estão pontilhadas de pontos quentes; nalguns, vêem-se pequenas labaredas, noutros, o fumo de madeira e arbustos a serem roídos por brasas. O declive é acentuado, as vias de acesso para os bombeiros são poucas.
Há filas de autotanques e jipes estacionados nas poucas estradas que cortam a serra, simplesmente à espera que as chamas fiquem dentro de alcance. O combate é feito, acima de tudo, por via aérea; alguns helicópteros passam e fazem descargas.
A casa de Patrocínia e Manuel Sequeira é uma das mais próximas da frente do fogo. Situada nas traseiras da Igreja de Nossa Senhora da Anunciação, se as chamas descerem até à aldeia, será uma das primeiras a ficar em perigo. Manuel tenta, por isso, precaver-se: de mangueira na mão, ensopa de água os terrenos em redor.
O reformado, emigrante há mais de 30 anos em França, usa um chapéu de abas largas. E está perturbado. “Ontem à noite isto parecia um inferno”, conta.
Manuel queixa-se de intransigência por parte do Instituto da Conversação da Natureza e das Florestas (ICNF) na gestão do Parque Natural da Serra da Estrela: “Não deixa fazer açudes”, explica, o que seria importante para a agricultura e para o combate às chamas, ou “abrir faixas de corte” na serra.
“A gente do campo não compreende esta política que os da cidade fazem.”
Os pontos de fogo estão a mais de 500 metros de distância, mas ainda há muitos retalhos de verde na paisagem. Mesmo assim, o reformado quer acreditar que o pior já passou. Afinal, há bombeiros e meios aéreos no terreno.
A conversa com a Renascença decorre num caminho que ladeia a sua casa e dá acesso à serra; aí, Manuel é fotografado no meio de uma mancha verde. Sete dias depois, tudo estará pintado de cinzento e negro.