Orjais. A família de João foi retirada pela GNR. E os bombeiros salvaram o seu teto

Com o aproximar das chamas em Orjais, João, Maria e Armindo foram retirados de casa e foram alojados no pavilhão desportivo do Teixoso, Covilhã. “Só me dava para chorar”, recorda João.

06 set, 2022 - 07:00 • Fábio Monteiro , Maria Costa Lopes (vídeo)



Orjais. A família de João foi retirada pela GNR. E os bombeiros salvaram o seu teto

Este é o sétimo de nove capítulos do especial "Serra da Estrela, 29 mil hectares depois" sobre os incêndios que consumiram perto de 25% do Parque Natural da Serra da Estrela.


Uma fotografia: dois homens sentados num colchão, de costas ligeiramente curvadas, em silêncio, dentro de um pavilhão desportivo; têm os olhos perdidos num ponto invisível, expressões vazias. Parecem cansados e desnorteados – e têm motivos para tal. Fazem parte do grupo de pessoas que foram retiradas de casa, durante os incêndios que lavraram em agosto na Serra da Estrela.

O registo de imagem é feito na escola básica do Teixoso, Covilhã, pela Renascença, no dia 17 de agosto, quando passa pelo local em reportagem. Dois dias depois, já com as chamas dadas como controladas, por puro acaso, os dois homens voltam a aparecer lado a lado.

O reencontro acontece no lugar do Cabeço Queimado, no meio de uma colina que pertence à localidade de Orjais, na Covilhã. No meio de nenhures e caminhos de terra batida, praticamente.

Naquele recanto, de muito difícil acesso e com uma mancha florestal bastante densa, moram pouquíssimas famílias. Mas como a maioria das casas ali plantadas são de primeira habitação, há autotanques e jipes estacionados em muitos dos socalcos.

Os dois homens, João e Armindo Pais, são irmãos. Ambos já têm mais de 60 anos, mas o primeiro é o tutor do segundo. Além de ter problemas de locomoção, Armindo é portador de deficiência mental; reside com o irmão e Maria José, a cunhada, há cerca de 20 anos.

Os três familiares, pela forma como falam e se movimentam, dão a impressão de terem acabado de acordar de um pesadelo, não sabem como se irá reconstruir o mundo à sua volta. “Ao sair daqui, só me dava para chorar. Podia perder a casa e assim”, lembra João.

No Teixoso, o agricultor garante que foi muito bem tratado. Mas não conseguiu pregar olho. “Não dormi nada. Para dormir, tomo comprimidos. Mas não os levei. Conforme me deitei, assim me levantei”, conta. Por sua vez, Maria José, de tão aflita, teve de procurar assistência médica. “Eu sou muito nervosa. No outro dia, tive de ir ao hospital. Foram nervos que apanhei.”


João e Armindo no pavilhão da escola básica de Teixoso. Foto: Fábio Monteiro/ RR
João e Armindo no pavilhão da escola básica de Teixoso. Foto: Fábio Monteiro/ RR

Ver o inferno a chegar

João e Maria moram no lugar do Cabeço Queimado há mais de 30 anos. Gostam do sossego e da vista do sítio: da varanda da moradia que recuperaram dá para ver toda a povoação de Orjais, Belmonte e arredores.

Como vivem rodeados de pinheiros em todas as frentes, estão habituados a lidar com incêndios florestais. Nenhum fogo, contudo, os havia obrigado a fugir de casa até este ano.

Na terça-feira, dia 16 de agosto, por volta da hora do almoço, o casal, juntamente com Armindo, abalou. Da parte da manhã, uma patrulha da Guarda Nacional Republicana (GNR) passara pelo local e avisara: “Vocês não fiquem aqui. Telefonem à GNR do Teixoso que os venham buscar.”

“Quando começámos a ver fumo e fogo a avançar, o telefone já não dava. 'Agora é que estamos cozidos', disse. Daí a um pouco, fui outra vez ao telefone e já estava bom. Telefonei à GNR”, lembra João.

Soltos os animais, foi depois preciso atalhar caminho: para chegar à GNR, os três familiares tiveram de sair a pé da habitação e andar, pelo meio do fumo, uns 300 metros, até chegar a uma via de alcatrão. Aí, uma patrulha apanhou-os e levou-os para o pavilhão do Teixoso.

Restava-lhes, então, aguardar, acreditar que os bombeiros iam conseguir travar as chamas antes de consumirem a casa. O que, “por sorte”, aconteceu. Desapareceram muitos pinheiros, “os tubos da água arderam todos”, mas a casa ficou de pé.

O principal dano, João não tem dúvidas, está mesmo na paisagem. É por isso que atira: “Quando é que isto arrebenta? Agora é só cinza.”

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