Este é o sexto de nove capítulos do especial "Serra da Estrela, 29 mil hectares depois" sobre os incêndios que consumiram perto de 25% do Parque Natural da Serra da Estrela.
Durante cinco dias e cinco noites, enquanto um mar de chamas cavalgava na direção de Videmonte, freguesia da Guarda, Graça Santiago e Alcinda Correia não puderam fazer mais do que esperar. E rezar que o vento da Serra da Estrela levasse o incêndio noutro sentido. “Eu chorava, chorava, rezava, rezava: não pode chegar para este lado, não pode chegar para este lado”, recorda Graça.
Dona de um armazém de distribuição de bens alimentares, produtos agrícolas e rações para animais, situado numa das extremidades da povoação de Videmonte, junto a um campo de futebol de terra batida, Graça tinha todos os motivos para estar em pânico. “O fogo andava muito próximo”; existiam várias frentes ativas a devorar a zona. Se chegasse ao entreposto, que também tinha alguns depósitos de combustível, seria um “desastre”; quase de certeza, tudo ficaria reduzido a cinzas.
Para tentar evitar uma catástrofe, a empresária decidiu acampar no armazém e agarrar numas quantas mangueiras. Por solidariedade, Alcinda, pastora e queijeira também de Videmonte, juntou-se à vigília. O sustento das duas amigas está interligado, mas não foi isso que as uniu. Acima de tudo, foi uma questão de comunidade. “As povoações aqui são muito pequeninas, nós somos muito juntos”, conta Graça.
Na tarde de 11 de agosto, ainda o incêndio lavrava, a Renascença encontrou Graça e Alcinda juntas à porta do armazém. De olheiras profundas, estavam há três dias sem ir a casa. Ambas estavam também exasperadas, cansadas de pedir mais intervenção dos bombeiros – cerca de uma dezena de autotanques e jipes estavam estacionados numa das laterais do entreposto –, mas sem sucesso. Nenhuma compreendia porque é que os operacionais não estavam no terreno.
Alcinda já os havia ido questionar e ficara com a impressão de que eles tinham ordem para guardar o fogo da aldeia. “E tudo o que está fora da aldeia não importa. Esquecem-se é que quem mora na aldeia tem o trabalho do outro lado e dói-nos um bocadinho”, lembra a pastora.
“Quando os questionei no campo de futebol, disse-lhes que estava a chegar perto de uma floresta minha, de 33 hectares, e o comandante respondeu: ‘Só nos interessa salvar as pessoas. A floresta, se você cá ficar, volta a plantar outra.’ Isso dói. Uma pessoa anda 30 anos a plantar, tratar as suas coisas, para desaparecer.”
Ainda a entrevista estava a decorrer e um irmão de Graça ligou a contar que acabara de salvar das chamas um idoso, responsável por uma madeireira, e que não havia bombeiros no local. “A mata ardeu. A mata tinha à volta de um milhão de euros em pinho e ardeu tudo. E o homem estava tão desorientado, do fumo e do calor. Também não me estava a ver se visse isto a arder. A pessoa tem que se pôr um bocadinho na pele dos outros às vezes.”