O que pode ser salvo
Ao contrário de muitos populares, o bombeiro-chefe de Gonçalo não culpa os camaradas de profissão por erros no combate às chamas na Serra da Estrela. Afinal, conhece bastante bem as dificuldades de quem atua no terreno.
“Se fosse ao contrário, também não sabia atuar na zona deles”, começa por assumir. “Eles chegam aqui, não sabem onde está o perigo e onde não está. Enquanto não são posicionados, não podem começar a trabalhar.”
No passado domingo, António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros, denunciou, em entrevista ao “Público”, problemas graves na coordenação dos operacionais no terreno. Em um caso, pelo menos, houve bombeiros que esperaram 12 horas para receberem instruções, “sem missão”.
Apesar de compreensivo com os bombeiros, António Marques confessa que chegou, num momento, a exaltar-se com os seus camaradas. “Disse-lhes: ‘Não estejam aqui na estrada, comecem a colocar-se em pontos quentes.’” Ao que, o comandante, “com muita razão”, respondeu: “Estamos à espera de ordens para saber por onde é que temos de avançar.”
Para tentar recuperar das perdas provocadas pelo fogo, o bombeiro de Gonçalo pondera agora se vale a pena esperar pelas ajudas do Estado ou, simplesmente, desistir da vida de agricultor. “Não fui ainda a lado nenhum, porque não acredito. A densidade e a carência é tanta que, venha a ajuda que vier, não chega para ninguém”, admite.
O homem de 64 anos ainda não conseguiu assimilar as perdas; está desesperado, mal consegue dormir. “O quarto está embruxado. Da maneira que tenho a cabeça, acho que já nem volta ao normal.” Com a voz tolhida, António lamenta as oliveiras perdidas. No dia anterior, dissera à filha: “Enquanto eu for vivo, já não precisas de colher azeitona.”
Emocionado, António afasta o rosto e chora. “Mesmo que algumas [oliveiras ainda] rebentem, já não é para a minha vida. É para as netas e assim.”