"Sou feliz aqui". Nesta exploração agrícola os imigrantes recebem salários justos, subsídios e vivem em casas dignas

Ao longo das últimas semanas, muito se tem falado de situação em que vivem os imigrantes a trabalhar, sobretudo, na agricultura em Portugal. Em Torres Vedras, há centenas de trabalhadores nos cerca de 700 hectares de estufas existentes no concelho. Ali, chegaram a ser detetados estrangeiros a viver em antigas pecuárias e em armazéns sem as mínimas condições, mas a maioria dos empresários agrícolas da zona tem todas as condições para os alojar. E os trabalhadores, muitos imigrantes, mostram-se satisfeitos com as condições de trabalho e de habitabilidade.

17 mai, 2021 - 08:15 • João Cunha



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"Olá, bum dia, tudi bem?"

Pratibha Shah está há dois anos na região Oeste, com o marido e a filha e já fala algum português. "Pouco, pouco, não é muito".

Para, por momentos, de limpar os tomateiros no interior de uma estufa de grandes dimensões da HortoMaria, que ao todo tem 20 hectares na zona de A-dos-Cunhados. É enfermeira de formação. Saiu da sua zona de conforto, como a própria admite, e veio como todos os imigrantes à procura de outras condições de vida. Tem de ajudar parte da família que deixou no Nepal. Já não tem mãe, o pai casou com outra mulher, mas tem de "olhar pelos irmãos: duas irmãs e um irmão. Tenho de lhes enviar dinheiro, porque eles dependem de mim".

Não gostou de ver as notícias recentes de Odemira, envolvendo os seus compatriotas. "Sinto muito pelo que estão a passar e peço ao Governo português novas regras para os imigrantes, como nepaleses ou indianos". E lamenta que quando tem de ir ao SEF, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, haja quem os trate de "forma rude". Ainda assim, confessa que não podia estar mais satisfeita por trabalhar nesta exploração agrícola, onde lhe pagam um ordenado e a respeitam.

"Temos uma ótima relação com o patrão, que nos trata como amigos. Temos uma relação muito amigável. Não sinto que trabalho noutro país. Estou muito contente por trabalhar aqui".


A nepalesa Pratibha Shah. Foto: João Cunha/RR
A nepalesa Pratibha Shah. Foto: João Cunha/RR
Bijay Lama, na apanha do feijão verde. Foto: João Cunha/RR
Bijay Lama, na apanha do feijão verde. Foto: João Cunha/RR


Ao todo, são 64 os trabalhadores nesta empresa. Paulo Maria, o proprietário da HortoMaria, admite que raramente recorre a empresas de trabalho temporário, porque "muitas vezes nos oferecem preços que, só pelo preço, nós não contratamos. Porque achamos que há ali exploração".

Noutra estufa, no topo de um carro metálico alto, que percorre por uma estrutura no chão, também de metal, um corredor de dezenas de metros de comprimento, Bijay Lama colhe feijão verde de plantas que se estendem até quase ao topo da estufa.

Há um ano que ali trabalha e é um dos que vive numa casa no interior de uma das propriedades da empresa.

Tem as condições mínimas, assegura Paulo Maria. Até internet e televisão por satélite, com canais asiáticos para que possam estar informados sobre o que se passa nos seus países de origem.

"Tomara muitos portugueses viverem naquelas condições", remata Paulo. Bijay vive com mais três compatriotas. Cada um, garante, paga 100 euros, "que inclui eletricidade e água. Só 100 euros". Ganha o salário mínimo nacional, mais horas extra diárias.

"O mínimo são 600 e tal, o mínimo decretado pelo Governo português. E fazemos pelo menos mais duas horas extra por dia. Por isso, chega aos 800, 900 e qualquer coisa". Soma-se a isto o subsídio de alimentação.


"Os nossos trabalhadores têm subsídio de alimentação no máximo, que são seis euros e qualquer coisa. E recebem 14 meses, como qualquer cidadão", refere Paulo Maria.

E quando há necessidade de fazer horas extra, "recebem as horinhas todas". No pico do trabalho, agora no verão, em que fazem mais horas, "muitos deles recebem acima dos mil euros. Acima dos 900 ou mil euros".

Para este e outros empresários da região, os colaboradores são peça fundamental nas empresas.

"Se não os tivéssemos no Oeste, a maior parte das empresas fechava", assegura o proprietário da HortoMaria, que acrescenta que "na região são milhares de trabalhadores - e portugueses não existem. Tem de ser esta gente. Se tivéssemos portugueses, obviamente não estaríamos a contratar mão de obra estrangeira", conclui.

Além dos trabalhadores asiáticos, a empresa dá trabalho a imigrantes de outras nacionalidades.

Ao ver a situação que se viveu em Odemira, Jacielle Ramiro da Nicole, uma brasileira de Espirito Santo, não só ficou chocada como recordou um período da sua vida.


Paulo Maria, proprietário da HortoMaria. Foto: João Cunha/RR
Paulo Maria, proprietário da HortoMaria. Foto: João Cunha/RR

"Já passei em lugares para trabalhar em que também vi exploração. Só que não foram só eles [asiáticos]. Nós também, brasileiros. Qualquer um é explorado. O contrato de trabalho é feito, como está na lei, mas é só ali, é camuflado. Por trás é outra coisa".

Para Jacielle, há um outro pormenor que importa conhecer. Os que são explorados ou vivem em más condições não se queixam porque precisam de um contrato de trabalho para permanecer em Portugal.

"Você é submetido àquilo lá, a ficar preso naquilo. Aí, você vai denunciar? Não, não vai. Porque precisa do contrato para ter uma residência".

Jacielle tem esse contrato, bem como o marido, que trabalha na construção civil. A vida já lhes permitiu deixar o quarto onde vivia, com marido e o filho, Igor, de 12 anos, e alugar uma casa. "Com o que ganho aqui já posso pagar uma renda melhor".

É feliz? A resposta é instantânea: "Sim, sou feliz aqui". Gosta de Portugal, onde está há quase três anos. "Não tenho que reclamar. Estudo é muito bom, ensino para o Igor é muito bom. Eu gosto daqui, sim. Muito bom".

Admite, por isso, que pode ficar mais uns anos. Assim a vida o permita.


A brasileira Jacielle Ramiro da Nicole. Foto: Joao Cunha/RR
A brasileira Jacielle Ramiro da Nicole. Foto: Joao Cunha/RR

Torres Vedras apoia imigrantes - mas também tem casos de más condições de alojamento

A zona Oeste é agrícola e o concelho de Torres Vedras não é exceção. Fora a agricultura tradicional, há ao todo e segundo estimativas da autarquia cerca de 700 hectares de estufas no concelho.

A falta de mão de obra nacional fez com que, como em outras regiões do país, se tivesse de recorrer a mão de obra estrangeira.

De tal forma que a autarquia sentiu necessidade de criar o Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes, que dá respostas de âmbito local, mas articuladas ao nível de políticas e práticas nacionais, às necessidades de acolhimento e integração destes imigrantes.

Em parceria com o Alto Comissariado para as Migrações, pretende-se, com este Centro, informar e facilitar a resolução dos problemas sentidos por estas comunidades. No fundo, é como se de uma pequena Loja do Cidadão se tratasse, como sublinha Laura Rodrigues, a autarca de Torres Vedras.

“É mais ou menos isso. Um espaço em que consigam ter ao mesmo tempo informação e encaminhamento”. Um ponto de apoio onde os imigrantes podem tratar da renovação ou concessão de autorização de residência, agendar um atendimento no SEF, tratar de processos de nacionalidade e de assuntos com a Segurança Social. Onde têm apoio na saúde, na educação e até na procura de emprego.

A autarca de Torres Vedras lembra que estas pessoas “são absolutamente necessárias para o funcionamento destas empresas” agrícolas. E convém que sejam tratados da melhor forma, como qualquer outro ativo.

Na zona de A-dos-Cunhados, “há já muitas famílias, por exemplo, de nepaleses, que ali se estabeleceram. Têm os filhos na escola, no externato de Penafirme, nas escolas do primeiro ciclo. Havendo uma estrutura que os possa acolher e sabendo que há trabalho não temporário, mas durante o ano inteiro, poderemos, de facto, ter essas pessoas a viver da melhor forma”, fazendo parte da população local.

Mas no concelho também houve, apesar de poucos, alguns casos de más condições de alojamento e de insalubridade.

“Não sei se serão situações semelhantes às de Odemira”, garante a autarca. Mas admite que também foram identificadas “situações de indignidade em termos habitacionais, que foram trabalhadas pela fiscalização municipal, que as identificou”. Os processos relativos a estes casos concretos deram origem a processos municipais que estão a decorrer, por não se tratar de estruturas habitacionais. Uma delas era um antigo armazém.

“Exatamente, com plásticos pelo meio, a fazer de divisórias, mas que realmente, era uma coisa completamente indigna. Outra situação era uma antiga pecuária que estava a ser usada como habitação, mas que não estava transformada como deveria ser".

O resto foram “situações menores, em que há excesso de pessoas em habitações, mas que da parte do município há um licenciamento daqueles espaços para habitação”.

A pandemia ajudou a “encontrar” estes casos. Houve mesmo a necessidade de isolar centena e meia destes imigrantes, devido a um surto de Covid-19.


Hotel Golf Mar, no Vimeiro. Foto: João Cunha/RR
Hotel Golf Mar, no Vimeiro. Foto: João Cunha/RR

Para que houvesse possibilidade de ficarem em isolamento profilático, que não existia nos espaços onde estavam, a Camara Municipal de Torres Vedras “tomou a decisão imediata de arranjar espaços alternativos”.

Explica Laura Rodrigues que, em parceria com algumas unidades hoteleiras do concelho, “as coisas resolveram-se". No caso do Hotel Golf Mar “foi mesmo durante uma noite que houve a transferência dessas pessoas de um espaço para o outro”. E perto de centena e meia de imigrantes ficou ali alojada, em isolamento.

“Foi a forma de conseguirmos interromper qualquer cadeia que se pudesse estar a desenvolver”. Para o hotel, a operação foi fácil de operacionalizar, como indica Brígida Firmino, a diretora de operações.

“Tratava-se de uma época baixa em que, mesmo assim, cancelámos ou alterámos as datas já agendadas pelos nossos clientes”. E voltando a acontecer, se for exequível a nível operacional, “teremos todo o gosto em ajudar”.

Brígida Firmino recorda que “a preocupação maior teve a ver com a barreira linguística.”. De resto, tiveram sempre o apoio diário da proteção civil. Da parte do hotel, foi só mesmo “algum apoio logístico e a confeção das refeições”.


Laura Rodrigues, presidente da Câmara de Torres Vedras. Foto: Câmara de Torres Vedras
Laura Rodrigues, presidente da Câmara de Torres Vedras. Foto: Câmara de Torres Vedras

Só não vê quem não quer

Manhã cedo, são às centenas os imigrantes que, na berma da Estrada Nacional nº 4, na zona de Santo Isidro de Pegões, seguem a pé rumo às estufas onde vão passar muitas horas de trabalho.

No troço de Pegões para Vendas Novas da mesma nacional são perfeitamente visíveis os locais onde residem muitos deste imigrantes - a maioria asiáticos. Em quintas abandonadas, com acessos diretos à estrada ou armazéns agrícolas desativados, onde vivem às dezenas, amontoados nos mesmos espaços improvisados e sem quaisquer condições de habitabilidade.

"Há aqui de tudo", adianta António Miguens, presidente da Junta de Freguesia de Pegões. "Há aqui imigrantes que vivem em condições de habitabilidade. Mas há muitos que não, que vivem em armazéns superlotados. Ou em casas que foram esventradas para ampliar o espaço, para que eles possam ali viver, todos ao monte".

E são aos milhares, os asiáticos em Pegões. Só no ano passado, a junta passou cerca de 1.200 atestados de residência a imigrantes. "Mas a minha perceção é que sejam cerca de dois mil", remata o autarca.

Atestados que lhes permitem ter residência, depois de apresentarem um contrato de trabalho, que, sublinha António Miguens, não cabe à junta garantir se é ou não cumprido por parte das empresas de trabalho temporário, às quais estes trabalhadores têm uma ligação.

Muitos destes imigrantes vão todos os dias de Pegões para Odemira, "em carrinhas de nove lugares e em autocarros fretados pelas empresas de trabalho temporário, que os levam e trazem todos os dias para Odemira, para a Comporta e até para o Oeste, para a apanha de peras e maçãs".

Muitos dos responsáveis por essas empresas de trabalho temporário, criadas à pressa para não perder o "negócio", não se coíbem sequer de mostrar sinais de riqueza.

"Andam montados em bons carros, novos, e - disseram-me - que uma dessas empresas, com cerca de 300 trabalhadores, é liderada por um paquistanês", que vive numa grande vivenda numa localidade próxima, com a família.

Todas estas situações em Pegões já foram comunicadas a quem de direito, depois de uma assembleia de freguesia que aprovou por unanimidade uma moção, "que foi enviada para o Presidente da República, o primeiro-ministro, o ministro da Administração Interna, o Posto Territorial de Canha da GNR, o destacamento de Palmela da Guarda Nacional Republicana, à Autoridade Tributária e ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras".

"Nós fizemos chegar essa moção a várias entidades oficiais. Agora eles é que têm o poder. Eles é que têm na mão a resolução deste problema", que o autarca teme que possam agravar-se, em termos sociais, quando o trabalho sazonal acabar.


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