Notre Dame de Paris. Como se reconstrói uma catedral?

Foram precisos quase mil milhões de euros, mais de dois mil trabalhadores, cerca de 2.400 carvalhos e milhares de outras pequenas peças, equipamentos e materiais para eliminar os vestígios do fogo que quase fez desabar Notre Dame em 2019.

06 dez, 2024 - 07:35 • Salomé Esteves



A Catedral de Notre Dame ardeu em 2019 e reabre cinco anos depois. Ilustração: Salomé Esteves/RR
A Catedral de Notre Dame ardeu em 2019 e reabre cinco anos depois. Ilustração: Salomé Esteves/RR

Quando o fogo consumiu o telhado da Catedral de Notre Dame, em Paris, no final da tarde de 15 de abril de 2019, muitos temeram que o edifício ardesse por completo. Mas ainda antes da meia noite, o presidente Emmanuel Macron anunciava que os bombeiros tinham evitado o pior. À multidão e aos jornalistas, anunciou “nous rebâtiron Notre Dame”, prometendo a reconstrução da catedral até 2024.

O cronograma, contudo, não agradou a todos. Na verdade, vários especialistas estimaram períodos de reconstrução bem superiores ao objetivo de Macron: no melhor dos cenários, a reconstrução demoraria 10 anos e no pior, 40.

A 28 de abril de 2019, 1170 arquitetos, académicos e restauradores de todo o mundo assinaram uma carta aberta pedindo ao presidente francês para não acelerar a reabilitação de Notre Dame. “Não desperdicemos o pensamento completo que deve ser aplicado neste projeto em prol da aparência de eficácia”, lia-se na carta.

Mas, cumprido o calendário, o que foi preciso para reconstruir Notre Dame em cinco anos e meio?


Chamas e fumo rodeiam torre central da catedral de Notre Dame, em Paris. Foto: Benoit Tessier/Reuters
Chamas e fumo rodeiam torre central da catedral de Notre Dame, em Paris. Foto: Benoit Tessier/Reuters
Chamas consomem telhado da catedral Notre Dame de Paris. Foto: Julien de Rosa/EPA
Chamas consomem telhado da catedral Notre Dame de Paris. Foto: Julien de Rosa/EPA


Se a primeira questão era “como pagar o restauro?”, a resposta foi rápida. No dia seguinte ao incêndio, começaram a chegar donativos. Mais de 340 mil pessoas de todo o mundo permitiram acumular 846 milhões de euros em doações, que acabariam por financiar todo o projeto. Mais de metade desse dinheiro chegou por parte de milionários franceses e de grandes grupos económicos.

Nesse primeiro ano, choveram projetos de arquitetura – alguns submetidos num concurso promovido pelo então primeiro-ministro, Édouard Charles Philippe. Arquitetos de todo o mundo projetaram possíveis futuros para a catedral, com materiais leves e alternativos – como plástico reciclado – que dispensariam o uso de técnicas milenares.

Mas o coletivo de arquitetos responsáveis pelos monumentos e património de França dispensou estufas no sótão, telhados de vitrais e uma luz infinita em direção ao céu, em prol de um projeto fiel à última reconstrução de Notre Dame, liderada por Eugène Viollet-le-Duc no século XIX. Foi nesta última reabilitação do edifício que se elevou o pináculo central que desabou no fogo.


Mas, ainda antes decidido o rumo da reabilitação da catedral, vieram as equipas de limpeza. Toneladas de madeira queimada e metal derretido foram arrastados para fora da catedral, ao passo que muitos dos artefactos – 2500 estátuas, 21 quadros de grande dimensão e o órgão de 8000 tubos – foram retirados de Notre Dame para serem restaurados em oficinas independentes.


Os trabalhos de reconstrução só viriam a começar no verão de 2021. Mais de dois mil trabalhadores, pertencentes a cerca de 250 empresas, trabalharam para restaurar a nave central, onde o telhado desabou, reconstruir todo o sótão, reerguer o pináculo central, voltar a instalar toda a rede técnica do edifício e reforçar as estruturas que tinham sido destruídas pelo fogo. Por fim, todas as paredes, pedras, pinturas e vitrais foram restaurados pela primeira vez desde o século XIX.

Na reabilitação da catedral, o projeto mais ambicioso foi a reconstrução do sótão – ou “a floresta”, como era normalmente chamado –, dos telhados e do pináculo, totalmente destruídos na noite de 15 de abril de 2019. A opção de restituir à catedral o aspeto do século XIX obrigou à utilização de madeira em grandes quantidades, que outros projetos não implicavam.

Cerca de 2400 carvalhos foram abatidos para a reconstrução. Desses, cerca de mil transformaram-se no pináculo de 93 metros. Em janeiro de 2021, começou a busca pelas mil árvores em 200 florestas francesas. Segundo a Associated Press, oito desses carvalhos foram derrubados na floresta centenária de Bercé, que pertenceu durante séculos à família real.

O corte destas árvores centenárias – entre os 150 e os 230 anos – motivou uma petição pública, com mais de 42 mil assinaturas, que criticava a operação e a classificava como "ecocídio" (genocídio ecológico).

As mil árvores destinadas ao pináculo – apenas as que cumpriam critérios muito específicos –, tiveram de ser abatidas, em França, até março de 2021 e deixadas a secar por 18 meses. Este foi o fator que levou muitos especialistas a considerar que o prazo de Macron era irrealista.


A reconstrução das estruturas de madeira do sótão, onde a grande maioria destas árvores foram usadas, implicou o emprego de técnicas de construção medievais – muito manuais –, para manter a integridade da estrutura.

Apesar de a visão da renovada catedral de Notre Dame ser uma viagem ao século XIX, a equipa de arquitetos e trabalhadores acrescentou detalhes estruturais para prevenir uma nova tragédia. O sótão conta, agora, com um sistema de irrigação e treliças (vigas) resistentes ao fogo que previnem que um eventual incêndio consuma, de novo, todo o piso.

Foi esta eventualidade que levou o Grémio dos Arquitetos Franceses a insistir que a melhor opção era utilizar a mesma madeira da estrutura anterior, argumentando que o carvalho é “o material mais moderno e mais ecológico, hoje em dia”.


Cinco anos e meio depois do incêndio, as causas ainda não são conhecidas. Na altura, as autoridades concluíram, contudo, que não se tinha tratado de um ato criminoso. O jornal francês Le Monde cita o procurador-geral, Laure Beccuau: “Quanto mais perto chegamos ao local onde o fogo começou, e quantos mais resultados de análises nos chegam, mais peso tem a teoria de que foi um acidente.”

Depois de os sinos terem tocado pela primeira vez a 8 de novembro, a catedral de Notre Dame reabre este sábado e domingo, com cerimónias à porta fechada e transmitidas na televisão. São esperados 15 milhões de visitantes na cidade por causa da reabertura.


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