Aya Kadoura ainda não tem palavras para descrever a sensação de abandonar tudo o que tinha. Vai tentando agarrar-se à esperança de regressar ao Líbano e de encontrar tudo bem. “Mas, bem no fundo do seu peito, da sua cabeça, tem aquele medo do ‘talvez ela [a casa] não esteja aqui depois’, ‘talvez nada disto esteja aqui depois’, ‘talvez isso tudo vire poeira e eu perca tudo isso para sempre’.”
Em Portugal há mais de um mês, a estudante de design teme que a vida que construiu nos últimos oito anos desapareça “com um simples apertar de botão e uma catastrófica explosão em chamas”. E não compreende a facilidade com que os ataques de Israel atingem civis. “Se escolhi morar neste lugar, isso me torna um vilão nessa história?”
Os ataques israelitas no Líbano fizeram mais de 3 mil mortos desde que a tensão entre Israel e o Hezbollah se intensificou, nos últimos 13 meses, de acordo com o Ministério da Saúde libanês. Entre as vítimas há mais de 580 mulheres e de 180 crianças. A UNICEF aponta para pelo menos uma criança morta por dia, no último mês.
Aos 23 anos, Aya lamenta sentir-se parte de um padrão repetitivo, pouco piedoso com danos colaterais: “é o que se lê nos livros de história, mas você pensa que não vai acontecer em 2024.”
Quando a jovem e a família aterraram na base aérea de Figo Maduro, a 4 de outubro, traziam a sensação de estar “a cometer um ato de traição” por terem fugido naquele voo de repatriamento que retirou 41 cidadãos do Líbano. A decisão de partir tinha sido tomada cinco dias antes, quando um bombardeamento caiu mesmo ao lado da casa onde viviam. “Foi a gota de água.”
Conseguiram vir para Portugal porque Aya tem raízes portuguesas, da parte da avó materna. Nascida em 2001 no norte do Brasil, em Manaus, a jovem é filha de um libanês e de uma brasileira. Em 2016, quando tinha 15 anos, os pais queriam dar “uma vida mais tranquila” à família, e por isso mudaram-se para o Líbano.
Explosão dos pagers foi “um massacre, um crime hediondo”
No Líbano, Aya vivia com a mãe, dois irmãos e os avós maternos em Joub Jannine, uma pequena cidade do interior do país, capital do distrito ocidental de Bekaa. Uma zona rural “onde todo o mundo se conhecia” e onde viviam mais familiares dos Kadoura.