Eleições no leste da Alemanha. Um terramoto chamado AfD
Dois estados do leste da Alemanha vão a votos no domingo. O partido de extrema-direita AfD lidera as sondagens e estremece o cenário político. A extrema-esquerda também está a crescer.
Dois estados do leste da Alemanha vão a votos no domingo. O partido de extrema-direita AfD lidera as sondagens e estremece o cenário político. A extrema-esquerda também está a crescer.
No domingo, poderá haver um terramoto político no leste da Alemanha. Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, um partido de extrema-direita poderá ter a maior bancada num parlamento alemão.
A avaliar pelas últimas sondagens, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) deverá vencer nas eleições estaduais na Turíngia e Saxónia, com 30% a 32% dos votos, respetivamente.
"Estamos perante uma situação extremamente difícil para a política nestes dois estados federados. Cada vez mais, a AfD quer mostrar-nos que a nossa democracia e o nosso sistema partidário não estão a funcionar", comenta Fabian Schmiedel, gestor do escritório em Lisboa da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao partido social-democrata alemão SPD.
Um dos assuntos mais debatidos sobre a AfD, nos últimos anos, tem a ver com a questão nazi.
O partido é vigiado pelos serviços secretos alemães desde 2021. Na Saxónia e na Turíngia, a AfD é classificada como comprovadamente extremista de direita, acusações rejeitadas pelo partido. Há pouco mais de três meses, o líder da AfD na Turíngia, Björn Höcke, foi condenado por usar intencionalmente um slogan nazi proibido na Alemanha.
"O homem fala como um nazi", resumiu o chanceler alemão, Olaf Scholz.
No programa da AfD destacam-se promessas como o combate à "imigração em massa" no leste da Alemanha, recorrendo a "deportações e repatriamentos consequentes" e fortificando as fronteiras.
Neste capítulo, a insatisfação com o governo federal é grande. 44% dos alemães pedem menos migrantes no país, de acordo com um estudo divulgado em maio.
O ataque deste mês com uma faca na cidade de Solingen, no oeste da Alemanha, alegadamente por um refugiado sírio que tinha ordem de deportação, reacendeu o debate sobre a política de migração alemã.
Outro terramoto político previsto para o fim de semana é a ascensão de um partido político recém-criado, considerado de extrema-esquerda. A Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) estará prestes a ser catapultada para lugar de terceira maior força política e poderá ser ela a coroar os governantes em ambos os estados federados.
Segundo as sondagens, nem a AfD, nem os conservadores da CDU, em segundo lugar, teriam força suficiente para chefiar a Saxónia ou a Turíngia sozinhos. A BSW poderia ser a chave para desbloquear possíveis impasses políticos.
O partido tem vários pontos em comum com a Alternativa para a Alemanha. É a favor do controlo da migração no país e exige mais deportações; é também pró-Rússia, contra o apoio militar alemão à Ucrânia e a favor de negociações de paz.
Wagenknecht twittou há uma semana que "68% dos alemães são a favor de negociações de paz [com a Rússia]! A política externa não tem apoio democrático. É altura de corrigir o rumo!"
Segundo Fabian Schmiedel, da Fundação Friedrich Ebert, esta é uma posição que agrada a muitos eleitores em território da antiga Alemanha de Leste.
"Há muitas pessoas que, mesmo que critiquem o governo de Putin, têm um sentimento positivo em relação à Rússia, no que diz respeito à sociedade e cultura", diz Schmiedel em declarações à Renascença. "As pessoas não são 'contra' o apoio à Ucrânia em geral. Elas são contra um afastamento cada vez maior da Rússia. Veem a segurança alemã num trabalho conjunto com a Rússia e não o contrário."
Tanto na Saxónia como na Turíngia, os partidos da coligação no Governo federal de Olaf Scholz não têm conseguido bons resultados nas sondagens. O SPD, de Scholz, fica pelos 6%. Os Verdes não ultrapassam os 5%, o limiar necessário para entrar no parlamento, e os liberais do FDP não conseguem sequer atingir esse valor.
Daqui a três semanas, haverá novas eleições no leste da Alemanha, no estado de Brandemburgo. As sondagens preveem uma réplica do terramoto político na Saxónia e na Turíngia: a AfD está em primeiro lugar, com 24% das intenções de voto.
O partido está isolado das restantes forças. Ninguém quer governar com a AfD - nem a Aliança Sahra Wagenknecht.
"Esse é exatamente o perigo - que a AfD, após a próxima legislatura, se venda como a verdadeira oposição e ganhe ainda mais votos", alerta Schmiedel.
O pós-eleições na Turíngia e na Saxónia é uma incógnita.
A BSW impõe condições rigorosas a possíveis aliados: Sahra Wagenknecht diz que só aceitará um acordo pós-eleitoral com quem rejeite entregar mais armas à Ucrânia e recuse estacionar mísseis de médio alcance norte-americanos em solo alemão. Mas tanto o partido social-democrata como os conservadores da CDU aprovam os mísseis como elemento de dissuasão frente à Rússia.
Depois do ataque em Solingen e nas vésperas das eleições no leste, a CDU já estendeu a mão ao chanceler Scholz, pelo menos a nível federal.
Os conservadores (na oposição no Parlamento federal, em Berlim) propuseram um entendimento sobre o tópico migração — se for preciso, sem o apoio dos Verdes e do FDP no Governo. Surgiram dúvidas de imediato: Será que pode haver uma ruptura na coligação federal em Berlim?
Para já, Fabian Schmiedel acredita que não: "Estas eleições regionais podem causar fissuras dentro dos partidos, e isso pode ser desafiante para os líderes no Governo em Berlim. Mas, na Alemanha, é relativamente difícil convocar novas eleições."
As regras são "muito complexas", acrescenta Schmiedel, e as próximas eleições legislativas são já daqui a um ano.