Chloe conta como um pároco, próximo da família ao ponto de visitar a sua casa, a beijava quando os pais dela não estavam presentes e tentava aumentar as probabilidades de abuso aparecendo na escola para a levar até casa. Tinha 13 anos.
Numa dessas ocasiões, Chloe tinha faltado à escola por estar doente. O pároco foi até sua casa e, no quarto, mandou-a despir-se. Chloe recusou e o pároco foi-se embora. Os pais perceberam que algo estava errado e Chloe contou-lhes o que tinha acontecido. Depois de apresentarem queixa na igreja, o pároco foi transferido para outra região. Quando mais casos se tornaram públicos, Chloe voltou a contactar a igreja e, depois de apresentadas provas, o pároco foi condenado a prisão. Chloe quer ouvir um pedido de desculpas.
Também Abbie partilha a história de um padre que usou a grande ligação da sua família à igreja para abusar dela, entre os sete e os 11 anos. O padre visitava a família e ficava na casa várias vezes por ano, durante alguns dias. Passava dias com Abbie, tocando-a de forma imprópria. Já na casa dos 60, Abbie fala numa vida repleta de problemas mentais como consequência do abuso que sofreu. A sua experiência não diminuiu a sua fé, mas diz que nunca encontrou apoio dos membros da Igreja.
Já Dylan, que cresceu numa família de membros ativos da igreja local, virou as costas à religião não só por ter sido abusado por um pároco mas, principalmente, pela ausência de resposta por parte da Igreja. Depois de ter sido abusado enquanto criança, Dylan leu uma notícia sobre uma condenação do seu agressor.
Depois de contar aos pais comunicaram à igreja, tendo o Bispo garantido que o pároco tinha sido transferido e demovido. Quando Dylan soube que o pároco tinha voltado a mudar de igreja depois de alguns rumores, dirigiu-se à polícia. O caso foi a tribunal mas, depois de protegido por outros clérigos, o pároco foi absolvido.
Anos mais tarde a polícia pediu a Dylan para testemunhar de novo, depois de mais uma acusação. O pároco, Jacob, foi condenado a cumprir pena de prisão. Depois de cumprida a pena, Dylan descobriu que a igreja continua a garantir alojamento e salário a Jacob.
Dylan conta que esteve perto de acabar com a própria vida como consequência. Procura um pedido de desculpas da Igreja pelo seu abuso e por ter permitido o abuso de outros.
Trabalhos em curso para proteger menores
Contactada pela Renascença, a Igreja de Inglaterra disse não ter disponibilidade para uma entrevista, mas refere por email que “foi feito muito trabalho em termos de prevenção e protecção de menores”.
A Igreja Anglicana indica que tem implementado as recomendações feitas pela IICSA e acrescenta que em cada uma das suas 42 dioceses há um consultor especializado em proteção de menores. Em resposta ao relatório final do inquérito, a Igreja de Inglaterra esclarece no seu website que continuada “dedicada a estabelecer um esquema de compensação para sobreviventes de abuso no seio da Igreja”.
Até à data da publicação não foi obtida resposta por parte da Igreja Católica em Inglaterra e no País de Gales, mas as informações disponíveis no site da Agência Católica para Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis (CCSA) apontam para “alterações na forma como a Igreja recruta e forma em matérias de protecção de menores”.
Nesse texto, é garantido que os membros do clero têm sessões regulares para “atualizar o seu conhecimento e competências em relação à proteção de menores" e a própria CCSA faz parte disso, tendo sido criada em 2021 "com o intuito de garantir que os padrões são cumpridos, através de auditorias feitas nos dois países".
Em 2019, o Cardeal Vincent Nichols, arcebispo de Westminster e figura máxima da Igreja nos dois países, pediu “perdão pela nossa lentidão e pela nossa negligência em prevenir e fazer emendas”.
Alexis Jay fala em instituições que mudam “muito lentamente” e diz que, finalizado o seu trabalho no inquérito, não está “completamente satisfeita” com a reação das duas igrejas, reforçando que é preciso ver “que progresso será feito” em termos da implementação das recomendações feitas pela comissão de inquérito no seu relatório final.
Nazir Afzal, presidente da agência católica CCSA, diz que o relatório “vai moldar o trabalho da Igreja” e destaca que é muito importante, porque “a Igreja Católica não terá muitas mais oportunidades de acertar nesta matéria”.