Este tipo de protesto não é novidade. Na realidade, faz parte da ementa há muito tempo, lembra Sinan Eden, ativista do coletivo português Climáximo, à Renascença. Foi já nos finais do século XIX, com a luta das sufragistas norte-americanas, que este tipo de intervenção se tornou comum.
“[Atirar comida a obras de arte] faz parte de um grande tipo de ações. Vive no mesmo universo da última intervenção que foi feita no Tour de França [um grupo de ativistas, amarrados entre si, bloqueou a passagem dos ciclistas], assim como antes aconteceu na Fórmula 1. No século passado, as sufragistas costumavam interromper corridas de cavalos”, recorda o ativista.
A lógica por detrás deste tipo de ações é “incomodar”, provocar uma quebra na normalidade da vida. O foco, é evidente, não está na opção gastronómica. “Não se pode continuar como se fosse tudo normal. A nossa casa está a arder. Nós estamos numa emergência climática e temos de agir como se estivéssemos numa emergência”, diz Sinan.
“É suposto incomodar, porque é mesmo grave. Sabendo o que sabemos hoje, não é possível ir a um museu ver peças como se não estivesse nada a acontecer, viver uma normalidade como há 30 anos”, atira ainda.
Mas é a melhor estratégia?
Nem todos os ativistas estão do mesmo lado da barricada. Por exemplo, Vítor Nascimento tem dúvidas.
O jovem de 26 anos, doutorando em Relações Internacionais, com foco nos movimentos ambientalistas no Brasil e no Norte Global, apoia a causa, mas questiona a estratégia adotada.
“O que estão a fazer, ao entrar num espaço como um museu e a atirar uma torta na cara do Príncipe Carlos, é um crime, no final de contas. Não podem fazer isso definitivamente. É um tipo de depredação com a arte. Mas é também uma forma de chamar à atenção”, diz.
Segundo Vítor, não é necessário “danificar” alguma coisa para chamar à atenção. “Quando nos desfiles de moda, os ativistas da Extinction Rebellion entram e interrompem, deixam uma pergunta no ar.”
Por oposição, o Just Stop Oil é “um movimento mais de combate, gostam de fazer este tipo de ação, acham que só assim vão conseguir. Só isto tem um problema: cai no campo da ridicularização. Ficam vistos como movimentos agressivos, um campo perigoso.”
Portugal, note-se, não tem um histórico de ações ativistas (de qualquer causa) dentro de museus. Em 2016, uma turista esbarrou numa estátua barroca no Museu Nacional de Arte Antiga e destruiu-a – mas foi um acidente.
À Renascença, Joaquim Oliveira Caetano, diretor da instituição, conta não ter memória de incidentes com ativistas, salvo alguns happenings (acontecimentos), “pessoas que se tentaram despir dentro do museu, por exemplo, para filmarem esses momentos e propagarem na internet”.
Conforme muitos portugueses, o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga tem vindo a acompanhar as várias ações dos ativistas ambientais. Na génese, frisa, “está um problema universal”. “Obviamente é algo que nos deve preocupar a todos e que deve ter consequências a curto-prazo, se não estaremos todos condenados.”
Joaquim Oliveira Caetano vê, porém, riscos neste tipo de ações. Danificar – mesmo que sem querer - uma obra. “É um gesto de agora, mas é um gesto que se reflete nessa obra de arte que deixa de ser visível como tal para as gerações futuras. Ou seja, estamos a arranjar um meio de pressão que é também um meio de impossibilitar a fruição de obras por gerações futuras”, explica.
Tendo o entendimento que os “museus são por definição uma instituição democrática” e que os bens ali guardados “são pertença da comunidade presente e futura”, Joaquim Caetano diz que o método de intervenção escolhido pelos ativistas é errado. “Tende a voltar-se contra uma causa que não só é justíssima como urgente.”
“Acho que o método é mal escolhido. Pode fornecer numa primeira fase um eco enorme, porque as notícias se espalham com grande rapidez. Mas são ações que a longo-prazo creio que se voltarão contra e irão por da parte contrária muitas pessoas”, explica.