Foi uma vez o SEF. Capítulo 3: Vertente administrativa e documental

São dezenas as funções, ditas administrativas, a cargo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). E parte significativa desse trabalho é desenvolvido na gestão dos documentos de viagem e de identificação dos estrangeiros.

31 mar, 2023 - 06:30 • Celso Paiva Sol , André Peralta (sonoplastia)



Foi uma vez o SEF. Capitulo 3: Vertente administrativa e documental
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Foi uma vez o SEF. Capitulo 3: Vertente administrativa e documental

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A concessão e emissão do passaporte português nas categorias comum, temporário e para estrangeiros; a recolha dos dados biométricos para o Passaporte Especial; a emissão do Título de Viagem para Refugiados e do Título de Viagem para Apátridas; a instrução dos processos de proteção temporária; a concessão de autorizações de residência – e na sequencia delas as respetivas prorrogações de permanência em território nacional – o que inclui os chamados vistos Gold; os processos de reagrupamento familiar; os pareceres para a atribuição da nacionalidade; e – entre várias outras coisas – a validação dos pedidos de Cartão de Identidade aos agentes diplomáticos e consulares acreditados em Portugal.

Mas há mais. Também existe o programa “SEF em movimento”, que vai ao encontro de quem tenha problemas de mobilidade – sejam hospitais ou residências, o “SEF vai à escola” para regularizar a situação dos jovens estrangeiros, o Cento de Contacto criado há 16 anos para atender em 11 línguas quem precisa de informação nestas áreas, a gestão dos alertas relativos á responsabilidade parental de menores, e todo um conjunto de serviços de peritagem documental. Tudo isto espalhado pelos quase 70 locais de todo o continente e ilhas, onde o SEF tem os seus serviços instalados.

O SEF chega ao fim com cerca de 700 trabalhadores da carreira não policial – o que equivale a 35% do total.

Artur Jorge Girão, o presidente do sindicato que os representa, explica que em causa estão “todas aquelas tarefas relacionadas com a emissão de documentos, emissão de parecer de vistos para quem pretende vir para o nosso país, tudo o que é a atividade de apoio ao funcionamento normal do serviço; área financeira, formação, recursos humanos. E ainda o apoio á atividade operacional, nomeadamente ao nível informático e tecnológico”.

Muito trabalho de gabinete, mas também uma parte significativa dele passado em contacto com o público. Apesar da Internet já facilitar um pouco a relação dos estrangeiros com o Serviço, a verdade é que o atendimento presencial continua a ser o principal meio de contacto.

Artur Girão diz ser “uma experiência diferenciadora a todos os níveis, porque pelos balcões do SEF passam múltiplas nacionalidades, pessoas com múltiplas experiências, estratos e níveis sociais, e portanto, o funcionário do SEF tem que perceber esta dinâmica e estar preparado”.


O atendimento ao público acontece em todas as direções e delegações regionais, e nas duas lojas do passaporte nos aeroportos de Lisboa e do Porto onde “atendemos desde o advogado, até ao trabalhador especializado alto quadro de uma empresa, ao comum cidadão que imigrou por razões financeiras”.

E se é nos balcões de atendimento que o SEF tem rosto, também é sobretudo nesses locais que nascem a maior parte das queixas contra o funcionamento do serviço.

Artur Girão reconhece que não é fácil, “se a burocracia dos papeis já complica bastante os portugueses, isso ainda é mais evidente com os imigrantes que não conhecem as regras e tudo aquilo que é a burocracia nacional. E isto obviamente origina conflitos. Claro que há queixas, é inevitável”.

Mas, diz Artur Girão, “isso acontece em todo o lado, nas finanças, no IRN, em todo o lado, e só entram portugueses, com os cidadãos imigrantes também acontece.”

Sujeito naturalmente às dinâmicas de um serviço com estas características, este técnico superior – há mais de 20 anos a trabalhar no processamento de documentos - sublinha a importância do trabalho administrativo para todas as outras missões, porque “a base de dados que alimenta a atividade operacional do SEF, é feita nas direções e delegações regionais, nos postos de atendimento. É aqui que tudo acontece. É aqui que se recolhem os dados biométricos dos cidadãos, é aqui que se tiram as fotografias, é aqui que se reúnem os documentos que as pessoas apresentam".

Às vezes, diz Artur Girão, “até é aqui que nascem boas investigações, que resultam da sensibilidade do operador que esteve ali 15 minutos à conversa com uma pessoa”.


 

No início, sem tecnologia, sem CEE ou União Europeia, sem tantos e tão diversificados acordos e tratados internacionais como agora existem, os documentos de identificação e viagem eram tantos e tão diferentes quantos os países a que pertenciam, e sobretudo muito pouco seguros.

Artur Girão diz que o ponto de viragem se dá por volta de 2010, porque até lá “tudo funcionava um bocadinho à mão. Os documentos eram de cartão, desdobráveis, que se danificavam com a água, com a chuva e com o tempo. Quando saiam do Serviço saiam bonitinhos, mas quando regressavam já vinham esfarelados e já se via o centro porque já tinha desaparecido tudo à volta”.

Os documentos não eram seguros, e todo o seu processo de conceção, criação, controlo e arquivamento estava muito dependente - tanto da frágil capacidade técnica da altura, como do empenho de quem trabalhava nesta área.

“Recordo que às vezes era difícil perceber se os documentos que nos chegavam às mãos eram falsificados ou não. Usávamos aqueles métodos tradicionais, que eram os registos físicos das folhas onde estava registava a emissão do título em nome daquela pessoa, que estava nuns cartões físicos em arquivo. Tinha uma copia da fotografia que tinha sido posta no cartão. Se aquilo batia certo muito bem, se não batia tínhamos um problema. Tínhamos um arquivo físico, com umas gavetinhas. Era tudo um bocadinho arcaico aos olhos daquilo que é hoje”.

Sem a tecnologia que mais tarde viria a mudar radicalmente todos os processos, Artur Girão recorda que “o trabalho era todo feito na parte de trás, no "backoffice" como agora se diz. Existiam várias pessoas, as tarefas estavam devidamente diferenciadas. Uns estavam ao balcão e recebiam os documentos que o cidadão entregava, depois aquilo passava para outra pessoa que lá atrás fazia o registo de entrada dos documentos, outra pessoa escrevia esses dados no computador ou na máquina de escrever; ainda me lembro disso, e havia outra que fazia o acabamento do cartão, colava a fotografia, validava se os dados estavam todos corretos, punha o selo branco, e no final levava ao coordenador que era quem fazia a verificação final e assinava o cartão”.


 

Do ponto de vista da investigação e fiscalização, as vulnerabilidades dos documentos dessa altura eram uma permanente dor de cabeça.

O inspetor coordenador Paulo Torres, no SEF desde 1991, descreve um cenário “medonho”, porque “os documentos eram emitidos em papel comum, com carimbos a óleo facilmente replicáveis em qualquer reprografia".

Essa quase ausência de elementos securitários “fazia com que andássemos tempos infindáveis a tentar encontrar um cidadão que tinha sete identidades, porque aquele documento era tão facilmente falsificável, que muito facilmente podia ser usado por vários cidadãos. Paulo Torres recorda que era ainda mais fácil “se tivessem uma fisionomia ou um aspeto parecido”.

A insegurança era total, “o visto era um carimbo a óleo posto numa página do passaporte e preenchido manualmente, com toda a falta de fiabilidade que isso representava. E a autorização de residência era um papel desdobrável, muito precário, facilmente falsificável, quem tivesse uma fotocopiadora offset conseguia replicar aqueles cartões, e produzir os que quisesse”.

Se os documentos eram assim, os meios para os controlar não eram muito melhor. Nessa altura, nos primeiros anos da carreira de investigação e fiscalização, Paulo Torres lembra-se que “os mecanismos, a tecnologia que tinha á minha disposição era um clip desdobrado para fazer marcações no verso do carimbo branco, para ver se ele batia com o que estava na fotografia. Era uma das técnicas. Um clip. Como nos passaportes, para vermos se havia alteração dos dados, no verso da capa onde estavam os dados identificativos fazíamos uma marca para ver se batia nos que estavam á frente, para ver se havia ali alguma rasura, alguma alteração dos dados”.

A grande mudança, tanto na conceção como nos mecanismos de controlo de documentos, começou quando Portugal se viu obrigado a respeitar regras comuns.

Primeiro com a assinatura da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen em 1991, depois quando as fronteiras terrestres foram efetivamente abolidas em 1995. “Até essa data cada um defendia o seu território, as suas fronteiras, mas a partir desse momento todos delegamos uns nos outros o controlo dos nossos territórios.

A partir daí, lembra Paulo Torres, “foi necessário criar e padronizar formatos de controlo de fronteira, toda a gente passou a ser controlada da mesma forma independentemente por onde entre, e a documentação passou a ter características homogéneas.

Mesmo que tudo tenha demorado ainda alguns anos, Paulo Torres diz que Portugal não só conseguiu apanhar esse comboio de desenvolvimento, como se viria mesmo a tornar num dos estados-membros “mais avançados, e ainda hoje temos o título de residência com as melhores características de securitização, e o mesmo se passa com o nosso passaporte, que está entre os cinco mais seguros do mundo”.

Neste campo em concreto, conclui, “passamos do 8 para o 80. De uma coisa que era totalmente falível, facilmente falsificável, que podia ser utilizado por várias pessoas que pretendiam esconder a sua identidade, para um cartão altamente sofisticado, padronizado, emitido centralizadamente pela Casa da Moeda.

Artur Jorge Girão volta a colocar o ponto de viragem na entrada da segunda década do século XXI. “Por volta de 2010, 2011, a coisa muda de figura. Entramos na informatização global de tudo isto, com cartões de carbono, cartões feitos e impressos na Imprensa Nacional Casa da Moeda".

As alterações de procedimentos são totais, porque “hoje em dia já não há documentos em papel no SEF, eles são digitalizados, entram por uma área documental, as fichas são inseridas pelo operador à frente do cidadão, e vão para um funcionário que confirma que o processo está instruído com os documentos necessários. E depois, com um clique aquilo vai eletronicamente para a Imprensa Nacional que emitirá o título, e o cidadão receberá calmamente o documento pelo correio em casa”.


Foto: SEF
Foto: SEF

O mesmo acontece com o controlo dos documentos – nacionais e estrangeiros. Seja nos postos de atendimento, nas fronteiras, ou em ações de fiscalização, Artur Girão diz que a tarefa está atualmente bastante facilitada por “sites que nos dizem a numeração e as características de cada documento, embora continuemos a usar equipamentos de segurança clássicos, como as lupas e uma luzes UV”.

Face ao que acontecia no início da própria carreira de investigação, o inspetor coordenador Paulo Torres não esconde a vantagem de ter “maquinaria muito sofisticada, que descobre qualquer anomalia, qualquer rasura, qualquer alteração ao documento, por menor que ela seja”.

Em 2022, Portugal ultrapassou pela primeira vez a barreira dos 700 mil estrangeiros residentes devidamente registados.

Para além disso, está a controlar anualmente quase sete milhões de pessoas nas suas fronteiras aéreas e marítimas, e a gerir cada vez mais processos relacionados com a proteção internacional, asilo, refugiados, e menores não acompanhados.

Por ser a entidade responsável pela relação com qualquer estrangeiro, o SEF processa anualmente mais de 320 mil títulos de residência temporária, fixa, ou renovações de ambas, analisa mais de 50 mil pedidos de parecer para a aquisição de nacionalidade, no Centro de Contacto recebe cerca de 660 mil chamadas por ano, por telefone ou online, agenda mais de 200 mil atendimentos, e trata de vários milhares de outros assuntos – como notificações para abandono voluntario, afastamentos, e toda a parte administrativa das inspeções e fiscalizações que faz no continente e ilhas.

Os 700 funcionários dedicados a estas funções transitam em bloco para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) - organismo criado com esta reforma, e que ficará na dependência do Ministério dos Assuntos Parlamentares.

Desse total, alguns serão depois recolocados no Instituto dos Registos e Notariado (IRN ), sobretudo aqueles que vão ficar com a renovação das autorizações de residência.


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