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Em três bairros sociais, há 8% da população a receber o rendimento social de inserção

20 jan, 2024 - 07:00 • Ana Catarina André , Diogo Camilo

Os dados revelam também que cerca de um quarto das pessoas trabalha e que a maioria concluiu apenas o ensino básico

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Nos bairros sociais Padre Cruz, em Lisboa, Cerco, no Porto, e Bela Vista, em Setúbal, cerca de um quarto (27,8%) da população trabalha, outro quarto (24,9%) é reformada e quase um terço (30,6%) está a cargo da família, entre os quais se encontram crianças e jovens.

O número de pessoas que recebe o rendimento social de inserção (RSI) é de 8% e há, ainda, 2,7% que beneficia de subsídio de desemprego.

Estes são dados dos Censos que, segundo o investigador Jorge Malheiros, da Universidade de Lisboa, seguem a linha “do que se conhece sobre estes territórios”.

“As características sociais destes espaços e da sua população no que diz respeito às baixas competências, por um lado, e à estrutura das famílias por outro (mais jovens e provavelmente mais famílias monoparentais) faz com que, não havendo hipótese de obter rendimento por via do trabalho, isto é salário, a dependência face a instrumentos de apoio social, como o rendimento social de inserção, tenda a ser maior”, considera.

O especialista refuta ideias feitas sobre os meios de sustento destas populações. “A visão de que todos vivem à custa do Estado e do rendimento social de inserção, etc., não é verdade. Estes dados são muito mais o resultado das condições específicas sócio urbanísticas do que uma espécie de intencionalidade das pessoas viverem do rendimento social de inserção. Se acontece, será residual”, diz.

Populações em idade ativa com baixa escolaridade

Como não há estudos recentes que permitam caracterizar a população que vive em bairros sociais, bem como as suas condições de vida, a Renascença selecionou três destes aglomerados, localizados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, e pediu às respetivas juntas de freguesias que delimitassem a sua área. Solicitou, depois, ao Instituto Nacional de Estatística (INE) que extraísse dos últimos censos (de 2021) dados relativos a estas geografias sobre temas como a demografia, a educação, o trabalho e a composição das famílias.

As estatísticas mostram que metade das pessoas que aqui vivem estão em idade ativa (têm entre 25 e 64 anos). É na Bela Vista, em Setúbal, onde moram 3193 pessoas, que há mais crianças e jovens (33,6%), seguindo-se o bairro do Cerco (29,5 %), no Porto, e o Padre Cruz (25,3%), em Lisboa. Entre os três, o que tem maior percentagem de idosos (25,3%) é o bairro localizado na freguesia lisboeta de Carnide, considerado um dos maiores da Península Ibérica (habitam aqui 4179 pessoas).

O grau de escolaridade de quem aqui vive é baixo. No Cerco, no Porto, 69,1% da população tem o ensino básico completo, um número que é relativamente semelhante no Bairro Padre Cruz (64,2%) e na Bela Vista (58,8%). Por outro lado, a conclusão do ensino superior continua a ser uma miragem por estas paragens. No Cerco, só 1,7% da população o fez. No Bairro Padre Cruz, onde há mais pessoas a obter este grau académico, o número chega aos 3,2%.

“No país, estamos a aproximar-nos dos 20%, isto é seis vezes o valor do bairro com percentagem mais alta”, alerta Jorge Malheiros, considerando que existe nestes locais “um problema claro relativamente às estruturas de educação”.

“Podia dizer-se que é uma população mais envelhecida - só que não é, é tão envelhecida como o território nacional e uma parte é até mais jovem. Isto mostra que houve alguma reprodução da desvantagem. Isto é muito negativo em termos de oportunidades. Sabemos que o ensino superior não garante sucesso profissional, mas ajuda, porque apesar de tudo a população que completou o ensino superior tem, em média, salários um pouco mais altos.”

Espaços fechados com equipamentos públicos deficitários

Jorge Malheiros lembra que estes bairros, com mais de 50 anos (o Padre Cruz é o mais antigo - remonta ao final da década de 1950), resultaram de processos de realojamento de pessoas que anteriormente viviam em barracas.

“São bairros sociais grandes que respondem a uma política que hoje é muito posta em causa e que leva a uma concentração em espaços relativamente reduzidos de população que tem desvantagens sociais”, considera o especialista, acrescentando que estes aglomerados foram criados numa “fase em que se fazia uma espécie de realojamento extensivo, uma espécie de monocultura de habitação social”.

“As pessoas passavam a ter uma casa que era melhor do que a barraca ou o alojamento precário em que viviam, mas, como vários estudos mostram, em muitos casos o bairro tem componentes de desvantagem.”

“É um espaço público deficitário em termos de equipamento, porque a manutenção é ela própria deficitária [incluindo o] processo de recolha do lixo. (…) São também, muitas vezes, áreas com poucas entradas e saídas, segregadas ou fechadas, que juntam população com problemas, como os dados mostram”, explica.

O especialista aponta que “faltam os elementos de elevador que população com níveis de instrução mais altos, com uma inserção profissional e económica mais forte, podem trazer”.

Casas com pouca gente e rendas baixas

De acordo com os dados, mais de metade dos agregados familiares destes três bairros é composto por uma ou duas pessoas: são 58,7% no Padre Cruz, 54,8% no Cerco e 52% na Bela Vista. As habitações onde vivem mais de seis pessoas são relativamente residuais: 1,5% no Cerco, 1,8% no Padre Cruz e 2,3% na Bela Vista.

A maioria das casas é arrendada a preços mais de 10 vezes inferior à média nacional: no bairro do Cerco a renda média dos alojamentos é de 30,79 euros; na Bela Vista é de 68,11 euros e no Padre Cruz chega aos 96,86 euros. “Não pode ser de outra forma”, diz Jorge Malheiros. “As pessoas pagam uma renda social em função do rendimento que têm.” Segundo os Censos de 2021, grande parte destas casas não tem qualquer forma de aquecimento e nos casos em que existe é feito sobretudo com aparelhos móveis.

Segurança e reabilitação dos espaços

Para minimizar os problemas sociais destes bairros, Jorge Malheiros defende que é preciso fazer um trabalho “com a participação das populações”.

“Em muitos casos, criou-se uma cultura de dependência em que se dão as chaves e as casas às pessoas – foi isto que se fez durante algum tempo – e as pessoas, depois, se colocam numa situação de quem recebem a dádiva”.

O professor da Universidade de Lisboa, doutorado em geografia humana, defende ainda maior segurança nestes bairros. “Recuperar, por exemplo, o policiamento comunitário, de proximidade. Criar condições para um investimento mais sistemático de recuperação dos espaços”, enumera, pedindo também que estes espaços sejam mais abertos.

“Alguns programas [sociais] não colocavam nos bairros de habitação social outra coisa senão a habitação”, diz, lembrando, por exemplo, a importância da existência de lojas, restaurantes e mercearias. E garante: “A habitação não chega."

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  • Combate
    20 jan, 2025 País 11:41
    O problema do RSI, não é o RSI é a ideia que se se for "esperto", junta-se ao RSI ajudas de renda, abonos pela prole, apoio do Banco alimentar, SASE do mais alto escalão e mais outros apoios Sociais que todos juntos são maiores que um salário. Para quê trabalhar, se se pode parasitar? Essa é a ideia a combater. E a melhor maneira era considerar as pessoas que recebem RSI, trabalhadores não-qualificados à disposição do Estado para qualquer trabalho ao nível das habilitações, que fosse necessário.

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