28 nov, 2024 - 22:55 • Maria João Costa
É no chamado Molhe da Bateria, uma antiga zona industrial do porto da cidade da Corunha, em Espanha, que está a exposição que marca o centenário do nascimento do fotógrafo norte-americano Irving Penn.
Ele que gostava de retratar trabalhadores de diferentes profissões munidos dos seus instrumentos de ofício, teria certamente gostado de fotografar quem trabalhou neste porto que agora acolhe esta retrospetiva
A exposição organizada pelo The Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque, em colaboração com a Fundação Irving Penn, reúne mais de 160 fotografias originais e que espelham 70 anos de trabalho do fotógrafo.
Comissariada por Jeff L. Rosenheim e por Joyce Frank Menschel, responsável pela área de Fotografia do The Met, a exposição, que ficará patente até 1 de maio de 2025, é trazida para Espanha, pela Fundação Marta Ortega Pérez (MOP)
Instalada numa espécie de caixa gigante criada junto ao porto, a exposição abre com um vídeo a 360 graus com testemunhos sobre o fotógrafo que revolucionou o grafismo das capas da Vogue.
O visitante mergulha então na exposição começando por ver a icónica máquina Rolleiflex que Penn sempre usou, colocada em destaque, num tripé. É com ela que fez grande parte das fotografias mostradas na exposição criada em 2017 e que agora chega à Corunha.
O comissário Jeff Rosenheim diz estar “muito contente pela exposição estar aqui na Galiza, porque é gratuita. Em todas as outras instituições tinha de se pagar bilhete”, diz.
Na sua opinião “Irving Penn era um artista do povo, apesar de fotografar a alta-costura e a moda”. “Ele realmente teria adorado isto, de estar aqui no porto a olhar um barco, ver os trabalhadores do porto, os empregados de restaurante ou ver as pessoas que fabricaram as letras metálicas com o nome dele na exposição e as pregaram na parede”.
Num das paredes da exposição encontramos uma série que Penn fotografou em Nova Iorque, Londres e Paris. São retratos de trabalhadores e encontramos, desde o vendedor de peixe, ao talhante, passando pelo empregado de mesa ou a vendedora de balões.
Mas estes eram retratos que Irving Penn fazia pelo meio de outros trabalhos com os quais ganhava dinheiro, nomeadamente aqueles que lhe deram a projeção no mundo da moda.
Ali ao lado, noutra parede, vemos algumas das imagens mais conhecidas que Irving Penn fez da alta-costura. Lisa Fonssagrives, a modelo que viria a tornar-se sua mulher veste um Balenciaga. Um dos guias da exposição, Tommi Alvarellos, explica-nos que o estilista muito deve a Penn pela forma como ele retratou os seus drapeados.
Curioso, no meio de tudo isto é a tela que se ergue ao centro da exposição. Trata-se de um pano de um teatro que foi oferecido a Penn e que este passou a usar sempre como fundo nas suas fotografias.
“O Penn fotografou sempre sobre a mesma tela, desde os ‘trabalhadores culturais’ da moda, ao amolador, à mulher que vende balões, ou a empregada de limpeza. Deu a cada um deles, a mesma luz, e isso é muito bonito!”, sublinha o comissário americano Rosenheim.
Numa visita muito detalhada, o nosso guia Tommi Alvarellos faz questão de destacar o facto de Penn preferir sempre a luz natural, sobretudo vinda de Norte.
“Quer na moda, quer nos retratos destas personalidades percebemos que ele não fazia a fotografia da personagem, mas sim da sua personalidade”
Inving Penn, que estudou pintura, foi um fotógrafo que captava a alma e a prová-lo estão os retratos. A secção abre com uma das imagens mais icónicas de Penn que é um retrato de Picasso, usando um chapéu de feltro e onde apenas vemos um seu olho esquerdo do artista.
A legenda explica-nos que a fotografia foi feita no sul de França, em 1957, no estúdio de Picasso. Quando Penn chegou a casa do artista, este fingiu não estar e quando surgiu perante o fotógrafo, deu-lhe apenas 10 minutos para o retratar.
Ali ao lado, outras imagens onde Penn se preocupou em apanhar aquilo que definia cada uma das personalidades retratadas. Desde Audrey Hepburn, a Francis Bacon, Truman Capote, Ingmar Bergman ou Jean Cocteau.
“Acho que ele via a condição humana. Ele não era o tipo de pessoa que fosse à ópera todas as noites. Ele viveu com uma das maiores modelos da sua era, a Lisa Fonssagrives, ou seja, ele já tinha moda de grande estilo que chegasse em casa! Acho que eles tiveram uma vida bonita, faziam parte desse mundo, mas ele não andava a sair, a fumar cigarros e a beber, como outros fotógrafos de moda”, conta-nos Rosenheim.
O comissário faz questão de sublinhar que apesar de Penn ter trabalhado grande parte da sua vida na Vogue, e emerso no mundo da moda, ele “não se via como uma pessoa da moda”. Talvez por isso, esta exposição mostra ao visitante também outras dimensões da obra deste fotógrafo.
“Ele era filho de um relojoeiro, e por isso era meticuloso”, explica-nos o nosso guia. E percebemos isso desde logo nas naturezas-mortas mostradas na exposição. Tudo parece ao acaso nessas imagens, mas está, em cada uma delas, tudo o que revela a alma da pessoa por de trás dos objetos.
Exemplo disso é uma das imagens em que uma beata de cigarro com batom, indica que foi uma mulher que fumou aquele cigarro. Mas há outras imagens que revelam outros interesses de Penn.
Na exposição há um conjunto de imagens que fez em Cuzco, no Peru, em 1948. Depois de uma secção fotográfica para a Vogue, Irving Penn conseguiu um estúdio de um fotografo local e aí instalou a sua tela que viajava sempre consigo e retratou o povo Quechuan.
“Eu não pude alterar as divisões do espaço, mas adorei a porosidade entre as salas”, diz-nos Rosenheim sobre a exposição montada na Corunha. “Quando a exposição foi mostrada em São Paulo, no Brasil, foi no Museu Moreira de Salles. Estava exposta em três andares. Quer dizer que as imagens estavam separadas. As pessoas tinham de subir e descer”, critica.
“O que é muito bonito aqui, e recomendo que visitem a exposição no sentido dos ponteiros do relógio, mas podem-no não o fazer, é que há uma fluidez nesta mostra. As fotografias contam diferentes histórias e estou muito honrado que esteja na Galiza!”, remata o comissário.
A seleção de fotografias é complementada por pormenores que mostram como eram os bastidores de trabalho de Irving Penn. Logo na sala de entrada o público encontra uma montagem de uma esquina, “como um livro aberto”, explica-nos o nosso guia, onde colocava as personalidades para as fotografar.
Mas há também imagens de publicidade que Penn fez ao longo da sua vida, ou fotografias de flores, uma das suas últimas descobertas e paixões. “Levamos um ano a ver todas as edições, de todas as impressões, de cada uma das imagens que estão no arquivo da Fundação Penn. São milhares e milhares de imagens!”, conta Rosenheim.
“Penn queria que todas as suas impressões, da mesma imagem, fossem diferentes! Ele não queria que fossem iguais, porque foi treinado como um pintor, ou seja, cada gesto é registado de forma única”, explica este americano sentado na esplanada do bar do molhe da bateria onde está a exposição.
“O que é espantoso é que conseguimos contruir a história de Irving Penn como um impressor de fotografia, ao mesmo tempo que tentamos contar a sua história de forma retrospetiva, desde o início do seu trabalho até ao final. E ele trabalhou 60 anos para a Vogue e isso é espantoso, mas ele trabalhou até aos 91 anos a imprimir as suas fotografias”, conta Rosenheim.
Nesta exposição foi editado o catálogo que está à venda na loja da exposição. É de resto com a venda do merchandising, com postais, catálogo, mas também camisolas ou sacos que a exposição financia outras atividades.
Esta é a quarta exposição organizada pela Fundação MOP e os lucros gerados com a venda do merchandising têm apoiado o programa “Future Stories” que apoia jovens criadores em início de carreira artística.
Em comunicado, a Fundação MOP indica que “dispõe também de um programa educativo, dirigido por artistas que gira em torno das suas exposições e que pretende levar a figura destes grandes fotógrafos às salas de aula galegas e assim promover um conhecimento profundo do seu trabalho”.
Por ocasião desta exposição de Irving Penn foi também inaugurada dentro de um dos silos do Molhe da Bateria um espaço de livraria. Trata-se de uma livraria especializada em fotografia, moda, design.
A Renascença viajou à Corunha a convite da Fundação MOP.