03 out, 2024 - 09:40 • Liliana Carona
Vai ser inaugurado esta quinta-feira, pelo Presidente da República, um novo espaço museológico: a Casa Vergílio Ferreira - Para Sempre, em Melo, freguesia do concelho de Gouveia.
Tem residência e instalação artística, o investimento da entidade Turismo de Portugal, no valor de 600 mil euros, com o contributo do município, de 300 mil euros.
“Ele não nasceu aqui, nasceu ao pé do Pelourinho, aqui era a casa dos pais”, explica Conceição Guerrinha, 80 anos, que vive mesmo ao lado da conhecida Vila Josephine.
“Já passei ali, está tudo enfeitadinho, diz que vem cá o presidente da República e isto para nós é um prazer”, sorri, ao ver a agitação de carros e gente na rua, mesmo ao lado da moradia mais famosa de Melo.
A casa que sempre foi amarela, está agora novamente de portas abertas, depois de cerca de dois anos de obras, numa iniciativa do município de Gouveia e financiamento conjunto com a Turismo de Portugal. O exterior e o interior falam de pormenores como o relógio napoleónico que era o relógio da casa que foi oferecido pelos netos de Vergílio Ferreira.
Entre os objetivos deste novo museu estão o divulgar e perpetuar do legado literário, estético e filosófico de Vergílio Ferreira em Portugal e no estrangeiro. Para o vereador da cultura da Câmara Municipal de Gouveia, José Nuno Santos “foi o turismo literário que escolheu o concelho, porque a partir do momento em que é o concelho que integra a aldeia de Vergílio Ferreira, tinha obviamente de ser feito algo nesse domínio”.
Com curadoria de Valter Hugo Mãe, uma casa de família “deu origem a um equipamento que tem uma residência artística e uma área museológica, fugindo aos clichés das casas museu ligadas aos autores e que andam muito à volta dos objetos pessoais, recorrendo em demasia ao digital”, defende ainda o vereador.
A voz de Vergílio Ferreira ecoa dentro da casa que surge em tantas passagens literárias, perpetuadas num espaço museológico e numa visita conduzida por Catarina Santos, coordenadora da Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira.
“Porque é uma casa de família, aqui estão as fotografias da família. Começamos pela avó materna, depois temos os quatro irmãos, o Vergílio e as irmãs e o irmão e esta fotografia fabulosa, que é a peregrinação a Lourdes, que Vergílio Ferreira fez, pouco antes de ir para o seminário do Fundão. Foi acompanhado das tias, que eram muito importantes para ele”, aponta a responsável.
No coração de Melo, coração da literatura vergiliana, está a casa onde se passa o romance mais autobiográfico do escritor, O Para Sempre, “onde Paulo, o arquiprotagonista, recorda toda a sua vida numa tarde de agosto, precisamente nesta casa, a abrir e a fechar janelas, a subir e a descer as escadas, através de flashbacks”, recorda Catarina Santos.
A cronologia da obra e vida do Vergílio Ferreira está ladeada por uma fotografia de Vergílio Ferreira, pela lente de Rui Ochôa, no último dia de aulas do escritor, no Liceu Camões e chama a atenção de quem acaba de entrar para conhecer a vida de escrita em romance, ensaio e literatura diarística.
Vergílio Ferreira foi o escritor do século XX que mais diários deixou. As pessoas podem consultar, há sempre uma sinopse de cada uma das obras e dos diários. Há também um auditório, em homenagem ao cunhado do Vergílio Ferreira, sendo ele um dos maiores leitores de Vergílio.
“Era ele que por vezes até lhe enviava alguns documentos da aldeia com nomes das pessoas, as alcunhas das pessoas, para o Vergílio colocar nos seus livros e nas suas obras”, sublinha a coordenadora do novo espaço museológico.
Com várias instalações artísticas, o visitante é convidado a ler e a olhar para si próprio, como acontece na instalação artística de Luís Silveirinha, onde estão patentes algumas das noções e temas que Vergílio Ferreira utiliza em muitos dos seus livros, como a questão da aparição, a solidão, a interioridade do eu.
“Por isso colocámos aqui um espelho, para que as pessoas consigam experienciar aquela parte em que Vergílio Ferreira nos fala disso mesmo, ou seja, da aparição a si mesmo”, explica Catarina, desvendando que Vergílio Ferreira era também apaixonado pela fotografia e um apaixonado pela obra de Clarice Lispector.
No último piso, um escritório, uma poltrona, um quarto, uma cozinha, e um convite.
“Nós pretendemos que a casa respeite muito aquilo que o Vergílio Ferreira mais gostava, que era a arte e, como não podia deixar de ser, nós queremos convidar artistas para, tal como Vergílio Ferreira, criarem. E a criação é um ato importante e é importante que seja feita nesta casa, seja ela a literatura, seja ela a pintura, seja ela a fotografia, seja ela a música. Um criador poderá permanecer no quarto dele, tem de ter algum conforto para se sentir bem “, diz Catarina apontando para o espaço da cozinha equipada.
“Nós temos uma curadora, que é a Adélia Carvalho e iremos abrir candidaturas, esperemos que durante os próximos tempos, consigamos ter vários artistas, vários escritores nacionais e internacionais a estarem connosco”, considera a coordenadora da Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira.
A casa está povoada de livros e Catarina Santos desafia os visitantes a lerem: “Porque não há melhor homenagem a um escritor do que o ler, por isso nós convidamos sempre o visitante, quando vier à casa, a ver, a sentir, a experienciar, mas também a ler o próprio escritor”.
Noutra instalação artística da Ana Biscaia, a mundividência do próprio escritor, de uma forma cronológica”, observa a coordenadora do espaço. O escultor Paulo Neves apresenta a escultura que é a montanha.
Nas paredes estão desenhadas frases das obras de Vergílio Ferreira, como esta: “Dou a volta à casa toda, dou a volta à vida toda”. Há ainda a sala de romance, que só poderia ser “O Para Sempre”, numa instalação artística de Evelina Oliveira. Noutra sala, pela arte de António Ramalho estão os escritores que influenciaram a obra de Vergílio Ferreira Raul Brandão ou Heidegger.
Arte espalhada nos quatro cantos da Casa Vergílio Ferreira - Para Sempre e no final, à saída, um último desafio: “O Vergílio Ferreira descreve este jardim pormenorizadamente. Obviamente que não está igual. Porque ele dizia que era um jardim abandonado. Nós não quisemos que este jardim fosse abandonado. E queríamos que cada artista que aqui passasse, plantasse uma flor, uma planta, para que este jardim floresça, assim como este projeto”, conclui.
No primeiro mês, são gratuitas as visitas ao novo espaço museológico que estará aberto de 4ª feira a domingo, das 10h às 13h e das 14h às 18h30. Com elevador e totalmente adaptado a pessoas com mobilidade reduzida, todas as áreas estão acessíveis.
É possível realizar visitas guiadas à Casa Vergílio Ferreira – Para Sempre. A casa que inspirou a casa do universo imaginário de Para Sempre e da sua continuação epistolar, Cartas a Sandra, deu lugar à Casa Para Sempre – Vergílio Ferreira e na sua componente museológica, almeja, ainda, provocar no visitante, não apenas uma perceção, o mais completa possível, sobre a vida e a obra do autor de Aparição, mas também uma associação emocional e afetiva aos espaços interiores e exteriores da Casa. Os visitantes podem ainda realizar o Roteiro Vergiliano, enquanto projeto que permite aos participantes o contacto com os locais de referência que marcaram a relação de Vergílio Ferreira com a sua aldeia natal, Melo, havendo oportunidade de leitura de extratos de textos do escritor, ao longo de todo o percurso. Os interessados deverão contactar a Biblioteca Municipal através do nº de telefone 238490230 ou via e-mail: bibliotecamunicipal@cm-gouveia.pt
O Município de Gouveia está ainda promover entre os dias 02 e 06 de outubro, a terceira edição do Festival Literário Em Nome da Terra. A partir de Melo, a “Aldeia Eterna” de Vergílio Ferreira, volta a celebrar-se a obra e a memória do escritor de “Para Sempre”, num programa vasto e eclético criado a partir do seu legado literário e que propõe uma viagem pelos lugares e pelas histórias que eles encerram.
Lídia Jorge, Valter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares, Teolinda Gersão, Adélia Carvalho, Afonso Cruz, Álvaro Laborinho Lúcio, José Gardeazabal, Lúcia Vicente, Luís Osorio, Madalena Sá-Fernandes, Maíra Zenun, Maria Francisca Gama, Nuno Caravela, Olinda Beja, Raquel Patriarca, Renato Filipe Cardoso, Ricardo Fonseca Mota; Rui Couceiro, e Vânia Calado são os escritores presentes, para além de outros destacados convidados entre autores, ilustradores, atores, músicos e contadores de histórias que prometem tornar memorável este Festival.