12 set, 2024 - 07:42 • João Malheiro
Estreia esta quinta-feira o filme "A Pedra Sonha Dar Flor", de Rodrigo Areias, um filme que readapta as obras de Raul Brandão para criar uma história de ficção que habita o seu próprio universo.
A estreia, contudo, não será uma mera exibição em sala de Cinema: Haverá um ciclo de cineconcertos, em diferentes pontos do país, em que a banda sonora será interpretada ao vivo pelo compositor Dada Garbeck.
A primeira data é já esta quinta-feira, no Cinema Trindade, no Porto. Na sexta-feira, será a vez de Lisboa receber o espetáculo, no Cinema Nimas. O fim de semana de estreia verá o espetáculo chegar ao Centro de Arte de Ovar, no sábado. Já no domingo, o cinconcerto decorrerá no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.
Por fim, haverá ainda um espetáculo no Cineteatro Casa Municipal da Cultura, em Seia, a 10 de outubro.
Fundindo aspetos diferentes do mundo literário de Raul Brandão, "A Pedra Sonha Dar Flor" vai além da mera adaptação literária ao cinema. Numa cidade imaginada, onde se derretem as fronteiras de tempo e espaço, Areias constrói um filme habitado pelas personagens e imagens recorrentes da obra do escritor portuense, um lugar onde este se torna o centro de uma história que se desmultiplica.
No filme persiste uma ideia expressionista, elaborada num local imaginado, onde o negro e a sombra coexistem com o onírico.
À Renascença, o realizador conta que o conto de partida foi a obra "A Morte do Palhaço", trabalhando depois o argumento "revisitando uma série de obras".
O desafio de adaptar as obras num único guião "foi o grande fascínio" de Rodrigo Areias, porque grande parte do trabalho de Raul Brandão parece "inadaptável" do ponto de vista narrativo.
"O que me interessou mais foi respeitar o texto. Não transformar o texto ou modernizar o texto. É altamente atual hoje. Foi o máximo respeito pelo texto e construir um universo visual que se adaptasse aquele texto".
O filme foi filmado na ria de Aveiro, numa zona de Ovar, "o que impôs uma geografia às próprias personagens". Este cenário "acaba por ser também uma personagem", uma espécie de coletividade de todas as outras, segundo o cineasta.
Até porque a ria retrata, igualmente, a vida dos pescadores e a escrita de Raul Brandão aponta para um lado poético "onde o isolamento impera, com uma lógica de pobreza e desespero" que tem tudo reflexo.
"A Pedra Sonha Dar Flor" é uma peça audiovisual que olha, por outro lado, para a religião e apresenta-nos um conjunto de personagens que, lentamente, deixam os seus valores morais degradarem-se.
O realizador do filme considera que "há sempre um debate entre o Bem e o Mal na nossa vida" que, por isso, deve existir nos filmes também.
O cineasta aponta que Raul Brandão era um homem crente e que, mesmo assim, questionou o comportamento de padres que, há época, não seguiam os ensinamentos católicos.
"No fundo Raul Brandão escreve estes momentos de tensão, entre fé e anti-fé, de forma dura e de confronto. É importante o confronto e questionar o nosso lugar aqui. Deus é uma parte importante desta obra e o que acho interessante é que Raul Brandão tenha sido ele um homem religioso".
Rodrigo Areias admite que a componente sonora e a música são aspetos fundamentais de todos os seus filmes. Aliás, o cineasta é, igualmente, músico e não é a primeira vez que a relação entre os dois formatos artísticos resulta em cineconcertos.
O realizador confessa que este tipo de espetáculo é a forma que encontrou "de mostrar os meus filmes e torná-los em momentos irrepetíveis e únicos". A música, tocada ao vivo, "nunca é exatamente igual" e chama outro tipo de público que não iria, normalmente, às salas, explica, ainda.
No caso de "A Pedra Sonha Dar Flor", a banda sonora foi criada por Dada Garbeck. As peças, editadas esta quinta-feira, em vinil, misturam o tradicional com o surreal, complementando o misticismo do próprio filme.
Rodrigo Areias tinha sido fã do terceiro disco do artista e decidiu estender o convite para a composição do filme.
Mal sabia o cineasta que o músico, de nome verdadeiro Rui Souza, cresceu a dez metros do local onde viveu Raul Brandão. À Renascença, Dada Garbeck conta que brincava na casa abandonada do autor e "teve um interesse muito grande e uma relação muito forte" com as obras de Raul Brandão, até por, mais tarde, se ter dedicado a estudar Filosofia.
O músico refere que a banda sonora que compôs para o filme "está muito próxima" do que sente quando lê textos de Raul Brandão.
"Muito mais do que compor para cenas, tentei perceber a energia do filme e do texto. Como é um autor que conheço bem, foi próximo e rápido chegar ao que eu queria", indica.
Dada Garbeck sente que "A Pedra Sonhar Dar Flor" é aberto a várias interpretações e complexo. Cada espectador pode retirar "coisas muito diferentes" do seu visionamento.
O artista aponta para um "existencialismo muito maduro", que questiona "o que estamos aqui a fazer e o que é a morte".
"O filme remete para o sentimento quando já somos adultos de meia-idade e começamos a ter os momentos mais saudosistas. A morte está muito presente", analisa.
Sobre os cineconcertos, Dada Garbeck garante que todos serão diferentes e haverá "mais elementos, mais improviso, mais música" do que a banda sonora que pode ser ouvida no formato tradicional.
"O Rodrigo permite-nos ter o espaço para tocar mais, poder compor em tempo real e vai tornar a experiência sempre diferente", antecipa.