17 jul, 2024 - 22:14 • João Malheiro
O Curtas Vila do Conde é um festival que não se esquece dos nomes que por lá passam e conquistam o público e o júri. É, por isso, que a 32.ª edição marca o regresso de Morgan Quaintance, que venceu a categoria de Cinema Experimental, em 2020 e 2021, desta feita no papel de artista em foco, responsável por programação de curadoria própria, uma masterclass e - o grande destaque - a exposição "Efforts of Nature IV".
Trata-se da quarta versão de um trabalho que foi exibido pela primeira vez em 2023 e já percorreu vários países, sempre com pormenores distintos que criam sempre uma nova experiência para quem visita. A exposição arrancou no contexto do festival de curtas-metragens, mas terá vida para lá dele. Instalado na Solar - Galeria de Arte Cinemática, o projeto de Morgan Quaintance pode ser visto de forma gratuita até 31 de agosto.
A Renascença esteve presente na visita guiada a "Efforts of Nature IV", encabeçada pelo próprio artista. No final, entrevistamos o cineasta e escritor que sente-se confortável com o rótulo "experimental".
Nesta conversa, Morgan Quaintance reflete sobre alguns dos desafios do trabalho independente dentro da indústria da Sétima Arte e como as criações deste ofício podem ser uma forma de superarmos até a própria morte.
Foi premiado por duas vezes seguidas no festival. Agora regressa, não como participante, mas como alguém envolvido em uma parte muito importante da programação. Como foi o convite? Como é que evoluiu para esta exposição?
O convite foi ótimo e fiquei muito satisfeito. Eu acho que é muito importante ter secções de competição em festivais de Cinema, mas passado algum tempo eu, simplesmente, não queria participar mais nesse tipo de coisa. Queria fazer algo um pouco diferente.
O convite veio na hora perfeita, porque estar em competição com outras pessoas não fazia mais sentido para mim. E eu queria fazer coisas com os meus filmes que talvez não fizessem sentido na competição. Então, foi ótimo.
E, para ser honesto, este festival tem sido tão solidário comigo, desde o início. Este projeto realmente parece o resultado dessa relação que se desenvolveu nos últimos anos.
E por não querer competir, decidiu colocar este filme como uma exposição. Como surgiu essa ideia?
No ano passado eu andava um pouco frustrado por estar em competições o tempo todo. E às vezes ganha-se, às vezes não. Mas as pessoas realmente não vêm o filme da maneira certa, porque ao lado do meu filme pode estar o filme de alguém que não tem nada a ver.
Comecei a fazer curtas-metragens que tinham uns três minutos de duração, e fazia apenas para explorar pequenas coisas. Mas, na minha mente, também estava a começar a planear os meus próprios programas de exibição pdos meus próprios filmes. Não apenas longas-metragens, mas talvez fossem dois filmes de 20 minutos ou 30 minutos. E entre eles eu poderia colocar peças de três minutos para que eu pudesse mudar o tom e não fosse muito desgastante ou difícil para o espectador.
Isso aconteceu no final do ano passado. Depois, tive a oportunidade de fazer uma exposição na Suécia e pensei usar isso lá. Acabei por ter a oportunidade de fazer mais algumas exibições em outros lugares. E, em vez de criar programas completamente novos e diferentes, eu simplesmente senti que podia transportar este filme e realmente explorar o que está nele. Isso significa que posso ter várias conversas e as pessoas podem ter muitas oportunidades de ver o filme.
Isso também significava que eu poderia escolher peças diferentes para combinar com este filme, para que fosse sempre uma experiência de visualização diferente. E percebi que quero trabalhar sempre assim. Por isso, no ano que vem, vai ser igual, com um novo projeto.
Só precisava de descobrir a minha própria maneira de mostrar o meu trabalho que não era uma competição e não era uma exposição simples, mas poderia ser flexível. Pode ser um programa de Cinema num sítio, pode ser uma exposição noutro. Pode ser uma performance. E, talvez, em algum lugar, possa ser todas essas coisas.
Para as pessoas que por acaso poderiam ter ido a este tipo de tour mundial e visto as outras partes dela, existem diferenças significativas? Aprendeu coisas novas sobre o trabalho ao apresentá-lo em diferentes lugares?
Sim, definitivamente. Sabe, é engraçado porque os dois novos filmes que fiz para esta exposição, os filmes de animação direta que as pessoas vêm na primeira sala, vão fazer parte deste novo projeto que faço no próximo ano.
Está tudo ligado.
Tudo está ligado. Mas acho que isso é o mais natural, certo? Ninguém, realmente, funciona assim: eles começam um trabalho, eles param. Então é uma coisa nova. Param com isso, é uma coisa nova. Não é assim. Tudo sangra sempre para o próximo.
Tens um relacionamento com alguém e separaste dela. Mais tarde, acabas por ter um relacionamento com uma pessoa nova, mas ainda sobra resíduo. Talvez, escolhe-se sempre a mesma pessoa.
O que aprendi com isto tudo? Acho que aprendi que o meu instinto estava certo, que não deveria apenas exibir trabalhos em competição e que a experiência de ver o filme pode ser fortalecida por ele estar rodeado de filmes que se interligam com ele, que muda a cada vez.
E também aprendi sobre outros cineastas que descobri quando os coloquei neste trabalho.
A exposição remete para uma conexão entre a vida e a morte de uma vida humana e a vida e a morte do planeta. A saúde do planeta e a nossa saúde estão ligadas?
Eu acho que sim. E também, estou a ficar um pouco mais velho. Vou fazer 45 anos daqui a alguns meses. Estou um pouco mais perto do fim da minha vida do que quando tinha 30 anos. Quando olho para as pessoas mais velhas, agora, fico admirado por terem conseguido suportar tanto tempo neste planeta.
Certamente, vida e morte estiveram juntas em relação a este filme, a este projeto. E são grandes temas, não são? Eles são uma parte da condição humana. O que há de único em nós? Vamos morrer e sabemos que vamos morrer.
As vitórias no Curtas foram sempre na categoria Experimental e o seu trabalho é descrito muitas vezes como experimental. Gosta desse rótulo? Acha que se adequa? Como descreveria o seu trabalho em geral às pessoas?
Adoro. Em primeiro lugar, fico feliz que as pessoas descrevam o meu trabalho. (risos)
É um bom sinal.
Acho que é uma coisa boa, sim. As pessoas, simplesmente, podiam não falar sobre mim.
E experimental é ótimo. Eu posso operar neste espaço e fico muito feliz. E também gosto de fazer coisas em que não há muitas exigências sobre o que estou a produzir, como se estivesse a criar filmes de Hollywood.
Mas sim, adoro experimental. Eu gosto do som da palavra. É isso que eu procuro.
Encontrar coisas novas.
Sim! E, às vezes, a parte experimental pode ser apenas experimental para mim. Alguém pode assistir e dizer que já viu algo parecido antes, não há problema. Talvez seja mais interessante pensar nisso como a abordagem que o artista está a tomar.
Não penso em ganhar dinheiro, nunca. Apenas tento elaborar algo que me interesse e que leve o meu trabalho para um lugar diferente. Fico animado com pessoas que fazem isso, que não estão realmente interessadas em ganhar dinheiro, mas estão mais interessadas em evoluir o seu ofício.
Eu encontrei uma entrevista sua em que nem se considerava parte da indústria cinematográfica, no sentido do negócio. Está numa posição em que pode fazer o que quer, sem limitações?
Tenho sorte. Tenho muita sorte que as pessoas gostam de algumas das coisas que eu faço. Acabei de começar a fazer um doutoramento e tive a sorte de conseguir financiamento para isso. Eu tenho três anos de financiamento, o que significa que eu meio que não tenho que trabalhar. Bem, eu tenho. Tenho de trabalhar no doutoramento, mas isso significa que agora posso fazer filmes por uns cinco mil euros, o que não é muito dinheiro.
E, às vezes, isso pode significar que eu próprio pago os cinco mil euros e depois espero recuperar esse dinehiro de alguma forma. Não me importo de trabalhar assim.
Mas é limitante de certa forma, porque eu gostaria de trabalhar com atores.
Fazer alguma ficção.
E fazer algum trabalho de ficção, sim. É preciso dinheiro para isso. Mas eu gostaria. Estou sempre atento e espero ter a ideia um dia para poder trabalhar com atores e fazer um longa-metragem sem dinheiro.
E acho que ficarei tão satisfeito, quanto ficaria em fazer um longa-metragem que custasse muito dinheiro. Porque eu acho que quando se faz as coisas sem dinheiro, há mais autonomia. Quanto mais alguém te paga, mais tens de responder a alguém
Eu não faria um trabalho muito bom assim.
Há muito debate nos dias de hoje sobre as pessoas terem mais meios para fazer os seus próprios filmes. Ao mesmo tempo, há muita conversa sobre o quão restritiva é a indústria, quanta demanda há por dinheiro. Como a própria indústria cinematográfica está num ponto difícil e a relação que o público tem com o Cinema não é o que costumava ser. Onde se encontra neste debate?
É difícil, porque tenho a impressão de que, talvez, há algumas décadas o circuito de festivais de Cinema fosse muito, muito saudável. E, agora, alguns deles estão a fechar. Não há dinheiro suficiente.
Não obstante, fazer filmes é muito mais fácil. É muito mais barato. Talvez não em trabalhos com rolo celuloide, mas as câmaras digitais são mais fáceis de obter.
Quando eu era músico, no final dos anos 90, havia umas 40 pessoas no catering para fazer um videoclipe e ficavas no set por 12 hora. Hoje, se alguém quiser fazer um videoclipe, basta uma câmara e um aparelho de som para tocar a música.
Vou dizer o que é difícil: Espaço. Arranjar espaços. Tenho um grupo de amigos que se reúne todos os sábados. E tem sido muito difícil conseguir um espaço para nos sentarmos e falarmos uns com os outros. E, às vezes, é difícil exibires o teu filme num espaço em Londres.
Toda a gente quer ganhar dinheiro e filmes experimentais não ganham muito dinheiro.
Há muitas mais exigências comerciais.
Sim, definitivamente.
Vê a câmara e o equipamento como uma extensão do seu corpo? Ligado à sua mente?
Eu sinto isso. É como a extensão da tua vontade, não é? Mais partes tuas ficam no mundo. E talvez seja outra maneira de tentar enganar a morte, não é? Quantas mais coisas deixares no mundo, mais permanecerão quando partirmos.
Parece que só penso em morte, mas não. (risos) Acho que quando produzes qualquer coisa, é como uma extensão de ti próprio. Como se fosse um esforço. Um esforço que fazes para criar algo, quando antes não havia nada.
Quando um grupo de crianças se junta e ensaia e toca uma música, num nível muito literal, estão apenas a fazer uma música. Contudo, fundamentalmente, estão a criar algo do nada.
E deixa uma pegada.
É uma espécie de alquimia, um processo mágico. Ser artista é um pouco como ser uma espécie de mago. Sentas-te na tua sala mágica e inventas essas coisas que vão mudar a forma das pessoas pensarem ou sentirem. Estou a roubar esta ideia ao Alan Moore.
Todos já imaginamos poções de amor. Se eu puder produzir um filme que faça alguém ter vontade de ligar para a pessoa por quem está apaixonado e contar-lhe as suas emoções, isso é um tipo de poder, não é?