06 jul, 2024 - 10:00 • Redação
“A primeira vez que eu gravei um som, disse 'quero fazer isto para a vida toda'”. Tinha então 16 anos e estava numa expedição no Uruguai. Juan Pablo Culasso é cego de nascença e dedica-se inteiramente à recolha de sons. “Só vejo luz, não interpreto nem cores nem formas, apenas luz, dia e noite.”
O designer de som foi um dos oradores da GLEX Summit, uma cimeira que reúne exploradores de todo o mundo, nos Açores. À Renascença, explicou que a “conservação do património sonoro da natureza” é o seu principal objetivo. “O património sonoro da natureza está a desaparecer — mudanças climáticas, incêndios —, esse som da natureza está a mudar, está a desaparecer. Praticamente ninguém faz isto, em cada 100 fotógrafos de natureza só há uma pessoa que grava, então são sons que estão a desaparecer muito rápido”.
Juan consegue identificar um pássaro pelo som e aprendeu grande parte do que sabe sozinho. “O segredo é estudar muito, muita disciplina, não é fácil. Muitas pessoas pensam que é um dom de Deus ou algo assim, mas na verdade não, é muito estudo, é muito treino, muita prática. E todo o mundo pode fazê-lo, não é por eu ser cego que consigo ouvir melhor do que os outros, todo o mundo consegue fazê-lo”, conta.
Já passou pelo Uruguai, Brasil, Argentina, Equador, Colômbia, México, Estados Unidos, Senegal, África e Antártida para documentar os sons da natureza. Grande parte das recolhas do sul-americano são sons de pássaros. “Não sei quantas espécies já gravei até hoje, mas faço publicações com isso no Spotify. Faço também colaborações com o Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell [em Nova Iorque] para as aplicações que eles têm de observação de aves”
A última viagem que fez foi para o México, onde gravou pela primeira vez o som de baleias.
Apesar de ser invisual, Juan sempre procurou uma forma de ver o mundo à sua maneira e afirma que o objetivo do seu trabalho “é que possa ser desfrutado por quase todo o mundo”.
Depois de recolher os sons, é ele próprio que trata de todo o processo desde a edição, mixagem, masterização. “Eu faço tudo, hoje em dia uma pessoa cega pode fazer tudo isto.”
Além da utilidade científica, estas paisagens sonoras podem também ser utilizadas como objetos de arte. O designer sonoro explica a ideia de “soundscape”, um conceito que permite analisar paisagens e transportar o ouvinte, através do som, para um lugar. “Quando estávamos na pandemia, eu estava em casa e colocava um som da floresta amazónica e fugia para lá, com o som dos pássaros da Amazónia. Então esta recolha é uma ferramenta que tem um uso científico que é essencial, mas ao mesmo tempo tem um uso artístico muito importante também.”
Juan Pablo Culasso quer também incentivar outros cegos “a saírem e explorarem” e a lutar por “uma voz no mundo”.